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Nosso cachorro Urso!

pastor alemao capa preta

Nosso cachorro Urso!

 

Meu pai, Juarez Barbosa de Lima, às vezes sumia pelo mundo sem deixar rastros!

Às vezes demorava pouco, outras vezes demorava muito em suas viagens.

Demorando pouco ou muito ele parecia não se preocupar com a sobrevivência de seus filhos, pois não deixava nem nos enviava dinheiro para nossas manutenções!

É que em um país capitalista não se vive sem dinheiro, mesmo que no meio da floresta amazônica.

Em uma dessas suas viagens, talvez a mais demorada dele, cerca de uns dois anos sem dar notícias, ele voltou para o Bom Futuro trazendo consigo uns peruanos que vieram para pescar.

Trouxe com ele um belo cachorro pastor alemão que recebeu o nome de Urso. Similar a esse capa preta da foto.

Urso era um cachorro criado em Iquitos, no Peru, e era acostumado a comer carnes!

No Bom Futuro não tinha carne todos os dias, só quando alguém ia caçar e conseguia abater e trazer algum animal da floresta (paca, tatu, cotia, anta, veado etc.) o Urso ficava sem comer peixes. Mesmo assim os pedaços de carne para o Urso eram contados, mínimos, já que muitos desses animais são pequenos (como é o caso da cotia) e, se muito fosse destinado ao cachorro muitos humanos ficariam sem o que comer.

Dava pena o sofrimento de Urso para comer peixes, o que fazia apenas quando devia estar no limite da fome!

Mamãe, tentando melhorar a vida do cachorro, fritava peixes com banha de boi para ver se ele comia, e foi assim que ele começou a comer peixes sem tanto sacrifício.

O Urso foi conosco para o Maraã.

Era o mais belo cachorro da cidade, pois era o único que não era vira-latas!

Papai quando saia de casa o Urso ia junto. Quando papai voltava o cachorro também estava ao seu lado.

Quando o cachorro voltava só, sabíamos que o papai estava bebendo. E quando papai bebia Urso deitava-se debaixo da mesa ou nas proximidades.

Às vezes Urso se levantava e ia até em casa. Rodava pela casa sem sossego, como a nos avisar ou a nos chamar para irmos buscar o pai – aliás, isso nunca foi preciso, mas Urso não sabia. Como não atendíamos ao chamado canino ele voltada para perto do papai e fazia a mesma caminhada várias vezes.

Era nosso vigia e protetor de total confiança.

Um dia papai, enquanto dormíamos, deu o Urso para um comerciante que passava pelo porto de Maraã.

Nunca mais vimos o Urso.

Um dia a mamãe, de passagem para Manaus, ao passar por um flutuante no porto de Tefé viu o Urso e chamou pelo seu nome. Ele ouviu e caiu na água e saiu nadando em direção ao chamado de sua antiga dona e protetora. Mamãe se desesperou, mas viu que alguém veio em uma canoa buscar o animal.

Nunca mais tivemos notícias do Urso!

Hoje, 15.01.20, aqui em São Paulo, quando se passam cerca de quarenta e oito anos sem o Urso, a Júlia, minha irmã, fritou um peixe e o nosso cachorro veio à minha mente de maneira tão saudosa, pesarosa e triste que fui às lágrimas.

Como papai pôde ter sido tão cruel conosco e com o Urso? Ou será que ele imaginou que fazia o melhor pelo cachorro dando-o a quem a ele podia dar melhor tratamento e conforto?

Não sei! Jamais saberei!

Mas disse à Julia que nunca senti tanta saudade emocionada do papai quanto senti no dia de hoje pelo Urso!

Júlia, ao comentarmos esta história de nossas vidas, também foi às lágrimas!

O almoço foi bom, mas a sobremesa salpicada dessa lembrança tirou um pouco da alegria sempre presente nas refeições.

Espero que, caso exista um céu para os homens, exista também um para os cachorros e que neste Urso esteja bem e comendo muita carne boa, pois na terra, até onde sei, e por um tempo, ele comeu a carne que o diabo amassou!

Inté,

Osório Barbosa