Com Humor

Você está aqui: Home | Peças Processuais | Com Humor

Por liberdade se faz contrato até com o senhor Satanás!

Processo nº 

Autor: JUSTIÇA PÚBLICA

Requerido(a): JOSÉ LUIZ 

Peça: PARECER nº ________

MM. Juiz Federal,

Nos autos em epígrafe, requereu o acusado JOSÉ LUIS sua LIBERDADE PROVISÓRIA, com fundamento no art. 310 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal - CPP.

O Requerente já teve o seu pedido de arbitramento de fiança indeferido por V. Exa. sob o argumento fundamental de que:

“...é estrangeiro, sem domicílio neste País, sem prova de ocupação definida, inferindo-se que posto em liberdade, evadir-se-á deste território, retornando a sua terra de origem, e dificultando irrefragavelmente a instrução processual, bem como tornando vago o cumprimento de eventual sentença condenatória”.

Ora, Excelência, os argumentos acima expostos são de clareza meridiana e robustos o bastante para aplicação ao pedido ora formulado, em tudo similar, exceto na fundamentação jurídica.

O Direito não é apenas a norma fria da lei, é esta casada com o bom senso de seu aplicador. O magistrado vive em sociedade e deve ser seu profundo conhecedor, sabendo das mazelas que o cercam; não vive ele alheio a realidade do dia a dia, e por seus conhecimentos da lógica do cotidiano, é capaz, e muito capaz, de inferir, a partir das práticas conhecidas, quais serão as conseqüências de uma sua decisão que se aparte da realidade.

O acusado É ESTRANGEIRO, nada o prende ao distrito da culpa, muito pelo contrário, os ensinamentos da vida são peremptórios a demonstrar que posto o alienígena em liberdade, certamente retornará ele ao seu país e à sua família, o que de certo modo é natural, pois natural é o instinto de liberdade inato no ser humano.

Criminalidade e heroísmo são coisas que não combinam, e seria de extremo heroísmo o fato de, posto em liberdade, vir o requerente a permanecer nesta cidade e país aguardando o desfecho do processo criminal a que responde. Em casos assim, insofismável são os ensinamentos dos empiristas.

É certo que a lei não faz diferença entre o estrangeiro e o nacional, mas a própria Constituição, na sua frieza, o faz ao dizer:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:” (grifamos).

O intérprete da Lei Magna já disse o alcance teleológico do disposto no artigo transcrito, qual seja, que mesmo ao estrangeiro que esteja de passagem em nosso país deve ser garantida a inviolabilidade de seu direito à vida e os demais direitos expostos, caso contrário estar-se-ia ferindo direito humano universal, arraigado na consciência de todos os habitantes do orbe.

A partir desse entendimento deve ser feita a leitura dos Acórdãos trazidos à colação, principalmente quando um deles refere-se “às condições pessoais do beneficiário”.

E foram, e são, exatamente as condições pessoais do ora Requerente que indicam que ele é um estrangeiro com situação peculiar, diferente daquele que aqui vive com sua família, trabalha, estuda, tem laços que o mantenham ligado com a comunidade em que foi preso.

Ao Requerente nada disso aproveita.

Sem dúvida que quem quer obter sua liberdade, faria contrato até com o “satanás”(para quem acredita que ele existe), quanto mais um mero contrato de locação, que só por muita infantilidade e extremíssima sagrada boa-fé, induziria a pensar que a partir dele assegurada estaria a permanência do Acusado nesta Capital para responder por seu crime.

Ao Acusado, caso não estivesse preso em decorrência do flagrante que lhe foi imposto, perfeitamente cabível seria sua prisão preventiva, “por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal” (art. 312 do CPP), circunstâncias que afastam, quando presentes, como é o caso, a aplicação do art. 310, parágrafo único, também daquele código de ritos.

Ante ao exposto, por entender sábia a vossa decisão que indeferiu o pedido de arbitramento de fiança, cujos argumentos são perfeitamente aplicáveis ao pedido ora formulado, com os adendos acima expostos, e sob pena de nunca mais ter o Réu presente para responder pelo crime que praticou, e se condenado, cumprir sua pena, e, finalmente, por falta de amparo legal, manifesta-se o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pela denegação do pedido de liberdade provisória formulado pelo estrangeiro JOSÉ LUIS CARVAJAL LAVERDE.

Boa Vista (RR), 21 de fevereiro de l996.

OSÓRIO BARBOSA

Procurador da República