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Poesia: deleite-se ou delete-me (17.04.15).

 

Maraãvilhosos,

 

eduardo galeano(1)

 

Já que o papo é chato, mas inadiável: falar de e sobre a morte, passemos a palavra a um HOMEM que não morrerá jamais, pois sua obra com suas preocupações com o mundo e com a melhora dos demais homens é imortal: EDUARDO GALEANO, nosso admirado e sempre presente neste cantinho e que “filhadaputalmente” resolveu nos deixar sem suas novas poesia em 13.04.2015, levando consigo, ou sendo levado por, Günter Grass.

 

Uma lágrima por e para eles, que foram benfeitores da humanidade!

 

Disse Galeano em:

 

As Palavras Andantes, tradução por Eric Nepomuceno, Porto Alegre: L&PM, 2007.

 

Janela sobre a palavra (II)

 

o nome é a coisa que o nome chama. [p. 21]

 

Janela sobre os seres e os fazeres

 

Apele da passadeira de roupas é lisa. Longo e pontiagudo é o consertados de guarda-chuvas. A vendedora de frangos parece um frango depenado Brilham demônios nos olhos do inquisidor.

Há duas moedas entre as pálpebras do avarento.

Os bigodes do relojoeiro marcam as horas.

Têm teclas as mãos da secretária.

O carcereiro tem cara de preso e o psiquiatra. cara de louco. O caçador se transforma no animal que persegue.

O tempo transforma os amantes em gêmeos.

O cão passeia o homem que o passeia.

O torturado tortura os sonhos do torturador.

Foge, o poeta, da metáfora que encontra no espelho. [p. 43]

 

Janela sobre as paredes

 

Escrito em um muro de Montevidéu: As virgens têm muitos Natais, mas nenhuma Boa Noite.

Em Buenos Aires: Estou u com ome. Já comi o f.

Também em Buenos Aires: Ressuscitaremos, ainda que isso nos custe a vida.

Em Quito: Quando todas as respostas, mudaram as perguntas.

No México: Salário mínimo para o Presidente, para ver o que ele sente.

Em Lima: Não queremos sobreviver, queremos viver.

Em Havana: Tudo é dançável.

No Rio de Janeiro: Quem tem medo de ver não nasce. [p. 52]

 

Janela sobre as manchetes das páginas policiais da imprensa latino-americana

 

Cego de ciúmes, transformou

doce menina em almôndega de sangue

 

Suicidam-se despencando

do oitavo anaaaaaaaaaaaaaaaaar

 

POR BEBER DEMAIS

VIRA HOMOSSEXUAL

 

Roubado quadro de artista cega

que pinta de ouvido!

 

TEM UM IRMÃO GEMEO CRESCENDO

DENTRO DA PRÓPRIA BARRIGA!

 

Ancião morre no cinema

vendo os peitinhos de Sofia

 

MATOU A MÃE SEM

RAZÃO APARENTE

 

Faleceu esmagado

por seu próprio domicilio! [p. 53]

 

Janela sobre as ditaduras invisíveis

 

A mãe abnegada exerce a ditadura da servidão.

O amigo solicito exerce a ditadura do favor.

A caridade exerce a ditadura da dívida.

A liberdade de mercado permite que você aceite os preços que lhe são impostos.

A liberdade de opinião permite que você escute aqueles que opinam em seu nome.

A liberdade de eleição permite que você escolha o molho com o qual será devorado. [p. 61]

 

História do regresso do arcanjo

 

Mas a hierarquia celestial mandou arquivar o assunto. Satanás não aceitava hóspedes sem assinatura de Deus; e ninguém se atrevia a incomodar Nosso Senhor com esta desagradável história, digna de esquecimento. Novas guerras e revoluçóes explodiam a cada dia no universo infinito e turbulento, e Deus não estava ali para ter desgostos.

O reincidente funcionário, que tantas mostras havia dado de negligência, inépcia e corrupção, foi acorrentado a uma nuvem e condenado a escutar, por toda a eternidade, os ensaios do coro de anjos que canta em louvor à glória do Criador e de sua insaciável sede de lágrimas. [p. 71/75]

 

Janela sobre as proibições

 

Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar.

Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carinhos porta-bagagem.

Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca. [p. 76]

 

Janela sobre o adeus

 

Tão conseguia dormir. Ele havia guardado todos os sonhos juntos, numa sacola de supermercado, e a sacola tinha se aberto e os sonhos haviam escapado, e ele não conseguia mais dormir porque não tinha nenhum sonho para sonhar.

É o que dizia. E dizia também que tinha perdido dois dias, uma segunda e uma terça, e que os procurava, desesperado, e não achava aqueles dias em lugar nenhum.

Não foi breve, a agonia. Tinha cada vez menos ar. No final, crucificado pelas sondas, só conseguiu balbuciar:

- Que ladeira comprida.

E morreu, sem encontrar os sonhos e os dias que havia tido e que tinham ido embora.

Teve pouca coisa além Fernando Rodriguez nunca quis ter. Foi dono de nada, homem nu; e nu caminhou, perseguido pelas crianças e pelos loucos e pelos pássaros. [p. 108]

 

Janela sobre um homem de êxito

 

Não pode olhar a lua sem calcular a distância. Não pode olhar uma árvore sem calcular a lenha. Não pode olhar um quadro sem calcular o prego. Não pode olhar um cardápio sem calcular as calorias. Não pode olhar um homem sem calcular a vantagem. Não pode olhar uma mulher sem calcular o risco. [p. 125]

 

Janela sobre o corpo

 

A Igreja diz: O corpo é uma culpa.

A ciência diz: O corpo é uma máquina.

A publicidade diz: O corpo é um negócio.

O corpo diz: Eu sou uma festa. [p. 138]

 

Janela sobre o medo

 

A fome come o medo. O medo do silêncio atordoa as ruas.

O medo ameaça:

Se você amar, vai pegar aids.

Se fumar, vai ter câncer.

Se respirar, vai se contaminar.

Se beber, vai ter acidentes.

Se comer, vai ter colesterol.

Se falar, vai perder o emprego.

Se caminhar, vai ter violência.

Se pensar, vai ter angústia.

Se duvidar, vai ter loucura.

Se sentir, vai ter solidão. [p. 154]

 

Janela sobre herança

 

Pola Bonilla modelava barros e crianças. Ela era ceramista de mão-cheia e mestre-escola nos campos de Maldonado; e nos verões oferecia aos turistas suas esculturas e chocolate com churros.

Pola adotou um negrinho nascido na pobreza, dos muitos que chegam ao mundo sem ter com que, e criou-o como se fosse um filho.

Quando ela morreu, ele já era homem crescido e com ofício. Então os parentes de Pola disseram a ele:

- Entre na casa e pode levar o que quiser.

E ele saiu com uma fotografia dela debaixo do braço e se perdeu nos caminhos. [p. 170]

 

História da arte da fuga

 

... ela era tão linda que se a olhasse, seus olhos doeriam. [p. 185]

 

Dona Eva, a mãe de Cantalício, não se surpreendeu que Dolores tivesse vindo de tão longe atrás dele. Ela sabia muito bem que no mundo não havia mulher digna daquele seu tesouro; e para confirmar isso, deixou uma vassoura caída no chão do saguão. [p. 192]

 

Janela sobre a arte (II)

 

Eu era jovem, quase menino, e queria desenhar. Mentindo sobre a minha idade, consegui me misturar com os estudantes que desenhavam uma modelo nua. Nas aulas, eu riscava papéis, lutando para encontrar linhas e volumes. Aquela mulher nua, que ia mudando de pose, era um desafio para minha mão desajeitada, e nada mais: algo assim assim como um jarro que respirava.

Mas uma noite, no ponto de ônibus, pela primeira vez eu a vi vestida. Ao subir no ônibus, sua saia ergueu-se e descobriu o nascimento da coxa. E então meu corpo se incendiou. [p. 230]

[Osório diz: o sutil entre a arte, sensualidade e pornografia]

 

Janela sobre a palavra (VI)

 

Aletra A tem as pernas abertas.

A M é um sobe-desce que vai e vem entre o céu e o inferno.

A O, circulo fechado, asfixia.

A R está evidentemente grávida.

- Todas as letras da palavra AMOR são perigosas – comprova Romy Diaz-Perera.

Quando as palavras saem da boca, ela as vê desenhadas no ar. [p. 231]

 

História do delfim que Satanás pescou sem arpão e sem anzol

 

Alua cheia acendia as águas do Amazonas. [p. 232]

 

Janela sobre uma mulher (II)

 

A outra chave não gira na porta da rua.

A outra voz, cômica, desafinada, não canta no chuveiro.

No chão do banheiro não há marcas de outros pés molhados.

Nenhum cheiro quente vem da cozinha.

Uma maçã meio comida, marcada por outros dentes, começa a apodrecer em cima da mesa.

Um cigarro meio fumado, lagarta de cinza morta, tinge a beira do cinzeiro.

Penso que deveria fazer a barba. Penso que deveria me vestir penso que deveria.

Uma água suja chove dentro de mim. [p. 249]

 

História dos luneiros.

 

Quem sabe ler, lê: Proibido. Quem não sabe, aprende na porrada, curso de pobre. [p. 254/261]

 

História da segunda visita de, Jesus

Na praça, santuário das aparições, os pobres querem ser ricos e os ricos querem ser poucos,

e os negros querem ser brancos,

e os brancos querem ser eternos,

e as crianças querem ser grandes

e os grandes querem ser crianças,

e os solteiros querem casar

e os casados querem enviuvar. [p. 289]

 

História de outro dia no café

 

Se as palavras engordassem, com todas as que engulo, não caberia no mundo. [p. 296]

 

Janela sobre a cara

 

Uma máquina boba?

Uma carta que ignora seu remetente e se engana de destino?

Uma bala perdida, que algum deus disparou por engano?

Viemos de um ovo muito menor que uma cabeça de alfinete, e habitamos uma pedra que gira em torno de uma estrela anã e que contra essa estrela, algum dia, irá se espatifar.

Mas fomos feitos de luz, além de carbono e oxigênio e merda e morte e outras coisas, e enfim estamos aqui desde que a beleza do universo precisou de alguém que a visse. [p. 304]

 

E prosseguiu:

 

Teatro do bem e do mal, tradução Sergio Faraco, L&PM, Porto Alegre: 2014.

 

Terceira via

Happy birthgay.

Iguais, mas diferentes.

Somos assim porque nos agrada, embora não lhes agrade.

Contra a natureza é o voto de castidade.

Não tenho medo de mim.

Eu sou Adão mais Eva.

Se Deus me fez assim, Deus é gay. [p. 37]

 

Todos

 

Te amo e não posso parar. [p. 37]

 

Acrescentou mais:

 

O livro dos abraços, tradução Eric Nepomuceno, L&PM, Porto Alegre: 2014.

 

Teologia/1

 

O catecismo me ensinou, na infancia, a fazer o bem por interesse e a não fazer o mal por medo. Deus me oferecia castigos e recompensas, me ameaçava com o inferno e me prometia o céu; e eu temia e acreditava.

Passaram-se os anos. Eu já não temo nem creio. E em todo caso — penso — se mereço ser assado cozido no caldeirão do inferno, condenado ao fogo lento e eterno, que assim seja. Assim me salvarei do purgatorio, que esta cheio de horríveis turistas da classe media; e no final das contas, se fara justiça.

Sinceramente: merecer, mereço. Nunca matei ninguém, e verdade, mas por falta de coragem ou de tempo, e não por falta de querer. Não vou a missa aos domingos, nem nos dias de guarda. Cobicei quase todas as mulheres de meus próximos, exceto as feias, e assim violei, pelo menos em intenção, a propriedade privada que Deus pessoalmente sacramentou nas tabuas de Moisés: Não cobiçarás a mulher de teu próximo nem seu touro, nem seu asno... E como se fosse pouco, com premeditação e deslealdade cometi o ato do amor sem o nobre proposito de reproduzir a mão-de-obra. Sei muito bem que o pecado carnal não e bem visto no céu; mas desconfio que Deus condena o que ignora. [p. 86]

 

A televisão/3

 

A tevê dispara imagens que reproduzem o sistema e as vozes que lhe fazem eco; e não há canto do mundo que ela não alcance. O planeta inteiro é um vasto subúrbio de Dallas. Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da televisão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê-la, sacodem os ombros.

Na América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem. [p. 152]

 

Celebração do silêncio/1

 

Fazia anos que eu não encontrava Fernando Rodríguez. O vento do exílio, que tanto separa, nos juntou. Incontrei-o como sempre, desmantelado e resmungão:

Você está igualzinho – eu disse.

Ele me disse que ainda tinha alguns anos, não muitos:

Não se deve passar dos setenta, porque senão você se vicia e não quer mais morrer.

Naquela tarde nos deixamos caminhar, sem rumo, entre o mar e as vias do trem, lá em Callella da Costa. Íamos lentos, calando juntos, e perto da estação paramos para tomar um café. Então Fernando comentou alguma coisa sobre o poço onde os militares mantinham Raul Sendic, o Tupamaro preso, e juntos nos lembramos de Raul e de sua maneira de ser. Fernando me perguntou:

Você leu o que os jornais publicaram, quando ele foi preso?

Os jornais tinham informado que ele tinha saído de seu esconderijo com uma pistola na mão, abrindo fogo e gritando: "Sou Rufo e não me entrego!".

Sim – eu disse. – Li.

Ah. E acreditou?

Não.

Eu também não – disse Fernando. – Esse, quando cai liquidado, cai calado. [p. 173]

 

Dizem as paredes/5

 

Na faculdade de Ciências Econômicas, em Montevidéu:

A droga provoca amnésia e outras coisas que esqueci.

Em Santiago do Chile, nas margens do rio Mapocho:

Bem-aventurados os bêbados, porque eles verão Deus duas vezes.

Em Buenos Aires, no bairro de Flores:

Uma namorada sem tetas é, mais que namorada, um amigo. [p. 216]

 

Eu, mutilado capilar

 

Os barbeiros me humilham cobrando meia tarifa.

Faz uns vinte anos que o espelho delatou os primeiros clarões debaixo da melena frondosa. Hoje o luminoso reflexo de minha calva em vitrines e janelas e janelinhas me provoca estremecimentos de horror.

Cada fio de cabelo que perco, cada um dos últimos cabelos, é um companheiro que tomba, e que antes de tombar teve nome ou pelo menos número.

A frase de um amigo piedoso me consola:

Se o cabelo fosse importante, estaria dentro da cabeça, e não fora.

Também me consolo comprovando que em todos esses anos caíram muitos de meus cabelos mas nenhuma de minhas ideias, o que acaba sendo uma alegria quando a gente pensa em todos esses arrependidos que andam por aí. [p. 220]

 

Embora ele tenha ainda tanto a dizer, encerremos, por enquanto, com estas palavras:

Mulheres, Fonte: Eduardo Galeano, tradução por Eric Nepomuceno, Mulheres, L&PM Editores, Porto Alegre, 2013.

 

A noite/1

 

Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada na minha garganta. [p. 28]

 

Tina

 

Julio Antonio Mella, revolucionário cubano, vive no exílio no México. Uma noite de 1929, Mella caminha de braços dados com sua companheira, Tina Modotti, quando os assassinos o liquidam a tiros.

Tina grita, mas não chora frente ao corpo caído.

Tina chora depois, quando chega em casa, ao amanhecer, e vê os sapatos de Mella, vazios, como que esperando por ele debaixo da cama.

Até poucas horas antes, esta mulher era tão feliz que sentia inveja dela mesma.

O governo de Cuba não tem nada a ver, afirmam os jornais mexicanos de direita. O exilado foi vítima de um crime passional, digam o que digam a judiada do bolchevismo moscovita. ta. A imprensa revela que Tina Modotti, mulher de duvidosa decência, reagiu com frieza frente ao trágico episódio e posteriormente, em suas declarações à polícia, incorreu em contradições suspeitas.

Tina, fotógrafa italiana, soube penetrar o México, muito a fundo, nos poucos anos que está aqui. Suas fotografias oferecem um espelho de grandeza às coisas simples de cada dia e à simples gente que aqui trabalha com as mãos.

Mas ela tem a culpa da liberdade. Vivia sozinha quando descobriu Mella, misturado na multidão que se manifestava por Sacco e Vanzetti e por Sandino, e se uniu a ele sem matrimônio. Antes tinha sido atriz de Hollywood e modelo e amante de artistas; e não há homem que ao vê-la não fique nervoso. Trata-se, portanto, de uma perdida – e para piorar, estrangeira e comunista. A policia distribui fotos que mostram nua sua imperdoável beleza, enquanto começam as gestões para expulsá-la do México. [p. 126/127]

 

Que Eduardo Galeano encontre para si a paz com a qual sonhou para todos.

 

Até mais,

 

Abraços,

 

Osório

 

POEMEMOS:

 

A um jovem poeta.

 

Não me peças prefácios, nem juízos, nem conselhos,

Que me sinto empurrado

Para o trono dos velhos,

E coroado embalsamado!

 

Que pode, a ti, servir-te o que aprendi por mim?

Que darei eu do que ninguém me deu?

Chegar, nunca se chega! Mas, se há fim,

Cada qual ganhe belo o seu.

 

Chegar, nunca se chega ao píncaro sonhado!

Mas, se mais ampla já se nos anima

A linha do horizonte, – é o ganho dum passado

Deixando esfarrapado monte acima.

 

Nenhum caminho tem nenhum que se lhe iguale.

Meu – foi o meu suor; meus – os meus pés descalços.

Sofrer – só a quem sofre vale.

E o mais que se aprendeu são oiros falsos!

 

Ainda só há sol e azul pelos espaços

(Até se qualquer sombra lhes embace a quietude)

Diante desses passos

Que pedes que eu te ajude.

 

Pois vai! pois vai, sozinho, até que o sol se ponha,

Se entenebreça o azul, as aves emudeçam,

E tremam as estrelas, na medonha

Solidão onde, ao fim, desapareçam…

 

Sob, enquanto as houver, raríssimas estrelas,

Cava, na solidão, a terra escura,

E talvez venham a ser belas

As rosas, sobre a tua sepultura.

 

O que possas ganhar, tê-lo-ás, assim, ganhando,

Quando, perdido tudo o que era de perder,

Tombes, ao fim do descampado,

Sabendo que ninguém te pode socorrer…

 

Ninguém! Eu, menos que os demais,

Eu, que te perco, já, na curva do caminho,

E só te sei dizer adeuses tais

Que só te deixem mais sozinho.

 

Porque tu é que és tudo! a terra a cultivar,

A mão cultivadora, o arado da cultura,

O grão a semear,

O próprio fruto, – grão da mão futura.

 

Pois lavra-te, és o chão! emprega-te, és o braço!

Semeia-te, és o grão!

Floresce, frutifica, extingue-te! e, no espaço,

Pode, amanhã, nascer mais uma ideal constelação…

 

Entanto, se algum dia, por acaso,

Voltando à minha porta, me chamares,

Talvez, à tarde, ante esse imenso campo raso,

Possa eu ouvir os teus cantares.

 

Vendo, então, nos meus olhos, qualquer brilho,

Sentindo, em minha voz, tremer um alvoroço,

Vai-te embora feliz, meu irmão e meu filho!

Já te dei tudo quanto posso!

 

Autor: José Régio, Antologia, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2ª edição, pp. 190/191.

 

 

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