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A fórmula da originalidade, por Márcio Souza

 

 

Gostei muito do texto abaixo:

 

A fórmula da originalidade

Márcio Souza

e-mail: marciosouza @argo.com.br

Muitas tragédias começam com uma cena expositiva, comum diálogo ou monólogo chamado PRÓLOGO. Após o prólogo, o coro entra em cena cantando o PÁRODO. A seguir vem uma cena com diálogos, chamada EPISÓDIO, seguida pelo primeiro ESTÁSIMO (ode cantada pelo coro). A alternância de episódios e estásimos seguem até o último estásimo, sendo a tragédia concluída pelo ÊXODO, que em geral é uma cena de diálogos.

Desde de suas origens nos teatros de Atenas a 2500 anos atrás, de onde herdamos parte da obra de Ésquilo, Sófocies e Eurípides, e as singulares articulações com Lope de Vega, Shakespeare, Racine e Schiller, às modernas incursões de Strindberg e Beckett, a tragédia se desenvolveu provocando as mesmas reações paradoxais.

Embora outras culturas tenham criado espetáculos semelhantes, a tragédia se inscreve numa tradição específica e é parte indissociável da identidade da cultura Ocidental. Tragédia, do grego clássico "tragoeidia": canto do bode. O gemido do sofrimento humano que oferece ao público uma lição.

Na era clássica a poesia se dividia em épica e lírica, e o teatro em tragédia e comédia. Hoje o teatro se divide em tragédia, comédia, drama, melodrama, tragicomédia e teatro épico.

No ensaio de juventude "O Nascimento da Tragédia", Nietzsche traça a evolução da tragédia desde os antigos rituais, através da junção dos ritos apolíneos e dionisíacos. Para Nietzsche a tragédia perde força com a filosofia de Sócrates, que acredita no poder da razão em superar e compreender os mistérios da existência. A tragédia clássica, portanto, seria a arte da aceitação sensual dos terrores da realidade e a celebração desses terrores através do amor e do destino. Hoje a mescla de religiosidade e arte não existe mais, desapareceu no século XIX.

Para os que querem escrever peças de teatro nos dia atuais, não vale seguir a fórmula das tragédias clássicas. Em 1921 o crítico teatral americano Georges Polti sentenciou que os autores contavam com apenas 36 situações dramática para criar uma peça. Seu livro se chamava exatamente assim: "As 36 Situações Dramáticas". Tanto Polti quanto muitos outros pragmáticos americanos não acreditavam em novas idéias, na noção de originalidade. Talvez eles tenham razão, provavelmente não há mais idéias novas. Mas se não há mais ideias novas, resta a originalidade de cada autor ao observar a vida de seu único e exclusivo ponto de vista. Para conseguir isto o autor tem de ter uma filosofia. Quando um autor tem um ponto de vista distinto, o número de histórias possíveis é ilimitado, porque as peças começam com uma ideia na cabeça do autor. A ideia tanto pode surgir de um fato, de uma notícia na TV ou de certa experiência devida. Os dramaturgos são movidos pelas suas memórias, sonhos, pesadelos, ressentimentos e ações frustradas. A melhor ideia é aquela que vem com duas características: ela tem de ter um poder propagador, como uma centelha ateando fogo à imaginação, obrigando o autor a meditar, a pensar; e tem de ser uma ideia que possa ser encenada teatralmente. Toda peça tem uma estrutura. A estrutura amarra o entrecho, a sequência de eventos.

Sendo os fatos do mundo real aleatórios e de grande crueza, a arte é uma tentativa de organizar o mundo, de por ordem no caos. A estrutura de uma peça é a forma como o dramaturgo comprime, seleciona e cria ordem na vida. E há uma fórmula para se estruturar uma peça teatral. Embora falar de fórmula seja algo pejorativo, e muitas vezes os críticos massacram um autor menosprezando-o por usar fórmulas. Mas nem toda a fórmula é má. Estamos sob a influência de fórmulas, mesmo de forma inconsciente. No teatro moderno a fórmula tem três aspectos: baseia-se num entrecho bem organizado; dá mais importância à história que às personagens e na cultura de massas há supremacia da história sobre as personagens. Parece simples?

 

Fonte: Jornal “A Crítica”, 09.12.12.