Corrupção, a raiz dos males de Washington
Livro discute detalhes sobre a evolução da 'indústria' do lobby na capital americana
03 de agosto de 2013 | 2h 12
FAREED, ZAKARIA , THE WASHINGTON POST, É COLUNISTA, FAREED, ZAKARIA , THE WASHINGTON POST - O Estado de S.Paulo
Um livro de teor político mais explosivo publicado recentemente, This Town (Essa Cidade, em tradução livre do inglês), de Mark Leibovich, vem sendo lido em Washington, na mesma proporção, com constrangimento e prazer. Trata-se de um quadro vívido e detalhado da elite no poder, recheado de histórias sobre redes inescrupulosas, amizades falsas e uma mídia sensacionalista. Mas, por baixo dos relatos picantes, há uma mensagem deprimente envolvendo corrupção e disfunção.
Se você está tentando compreender porque Washington trabalha tão mal para o resto do país, o livro mostra que o governo trabalha extremamente bem para seus cidadãos mais importantes: os lobistas [Osório diz: aqui, no Brasil, o articulista seria tido por leviano, pois existem inúmeros brasileiros, de todos os níveis culturais, que dizem que nos Estados Unidos todos são tratados igualmente, ricos e pobres!]. O governo dos EUA não é mais definido por partidos ou facções, mas por uma profissão confortavelmente acampada em torno dos cofres federais.
O resultado é que Washington tornou-se a cidade mais rica do país e a sua posição de fato melhorou nos últimos cinco anos, durante a pior recessão dos últimos 75 anos. A nação pode estar em dificuldades, mas a K Street não.
Leibovich descreve uma cidade em que o dinheiro triunfou sobre o poder definitivamente. Atualmente, os lobistas detêm as chaves do que todos no governo - de senadores a assessores - estão secretamente buscando: uma fonte de renda após sua saída da política. Ele cita uma reportagem da revista Atlantic, segundo a qual, em 1974, somente 3% dos congressistas aposentados se tornaram lobistas. Hoje, a porcentagem é de 42%, no caso dos deputados, e de 50% entre os senadores.
O resultado é uma legislação de má qualidade. Basta analisar qualquer projeto de lei apresentado hoje: são documentos colossais repletos de doações. A lei que criou o Federal Reserve (o banco central americano), em 1913, continha somente 31 páginas. A lei Glass-Steagall, de 1933, que regulamentou os bancos, apenas 27. A versão atual dessa lei, o projeto Dodd-Frank, de 2010 (sobre reestruturação dos bancos), contém 849 páginas - e outras milhares com regras adicionais.
O Affordable Care Act (legislação sobre o acesso à saúde) possui mais de 2 mil páginas. Os projetos de lei hoje são tão vastos porque contêm dispositivos, exceções e isenções introduzidos pelo setor interessado para o qual a lei é direcionada - um processo que os acadêmicos chamam de "regulatory capture" - em que as entidades supervisionadas "se apoderam" da regulamentação.
Em meados da década de 50, havia 5 mil lobistas registrados em Washington. Hoje são 12 mil, mas o número é muito maior, porque milhares se qualificam como "consultores" ou "conselheiros estratégicos". O dinheiro que gastam, cerca de US$ 3,5 bilhões anualmente, parece substancial, mas é uma ninharia se comparados com o que podem desviar do orçamento de US$3,5 trilhões do governo.
O erro que Leibovich comete em seu livro é que seus relatos dão a entender que as pessoas que habitam Washington hoje são particularmente gananciosas ou corruptas. Duvido que sejam diferentes de gerações anteriores de intermediários [Osório diz: o mundo é mundo desde que o mundo é mundo?]. No entanto, o sistema em que operam mudou, criando incentivos muito maiores para a corrupção.
Analisemos apenas um fator: o papel do dinheiro, que aumentou enormemente nas quatro últimas décadas. Lawrence Lessig, de Harvard, ressaltou que os membros do Congresso passam três dos cinco dias de trabalho da semana em Washington arrecadando recursos. E também votam com extrema atenção em prol dos interesses dos seus doadores [Osório diz: Não! Mil vezes! Como ficará o povo brasileiro quando souber disso?].
Lessig cita estudos demonstrando que os doadores conseguem obter muitos frutos do dinheiro fornecido para campanhas - às vezes, com retornos de seus "investimentos" que deixariam uma empresa de capital de risco orgulhosa. Uma companhia seria insana se não realizasse tais investimentos.
Comparado com outras democracias, os EUA não se tornaram apenas um lugar atípico, mas praticamente outro planeta. O custo total das eleições nacionais, em 2010, na Grã-Bretanha - que fundamentam o governo parlamentarista britânico -, foi de US$ 86 milhões. O custo das eleições nos EUA, em 2012, foi 75 vezes maior, US$ 6,3 bilhões.
Tirar esse dinheiro da área política é um desafio monumental. Talvez o máximo que podemos esperar seja limitar o que o Congresso pode vender. Em outras palavras, fazer uma reforma completa do código tributário, eliminando as milhares de isenções, créditos e deduções que são corrupção institucionalizada, legalizada. [Osório diz: ainda bem que no Brasil não acontece isso!]
O aspecto mais deprimente do livro de Leibovich é o quão rotineiro todo esse tráfico de influência se tornou. Em 1988, Ramsay MacMullen, conhecido historiador especializado em Roma, da Universidade de Yale, publicou um livro analisando uma das questões fundamentais nesse domínio: por que o maior império da história do mundo entrou em colapso no século 5.º?
A causa, segundo ele, foi a corrupção, que se tornou sistêmica no fim do Império Romano. O que antes era imoral passou a ser aceito como prática comum e o que antes era ilegal foi comemorado como normal. Daqui a muitas décadas, algum historiador, ao analisar em que momento os EUA se desviaram do caminho, poderá usar This Town como sua principal fonte. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Fonte:http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,corrupcao-a-raiz-dos--males-de-washington--,1060132,0.htm.