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A democracia é autofágica? ou Quem defende a democracia?

 

A democracia é autofágica? ou Quem defende a democracia?

 

Quem faz a defesa do Estado Democrático de Direito, diante de sua fragilidade para fugir da pecha de arbitrário?

 

 

Para alguns autores, o regime democrático, se for realmente democrático, deve ser capaz de permitir até a sua autodestruição, pois seria contraditório proibir o exercício das liberdades individuais e coletivas que levassem a tanto, vez que o regime está fundado e tem por finalidade assegurar, garantir, justamente, tais liberdades.

 

Teríamos aí um paradoxo das liberdades democráticas?

 

Isso nos remete ao posicionamento de um aluno de sofística, cuja história conta que, ao ser questionado por seu mestre sobre o pagamento de seus “honorários”, respondeu:

 

- Mestre, eu é quem devo saber se o pago ou não.

 

Ao que o mestre retrucou:

 

- Mas nós não combinamos que o pagamento seria efetuado ao final das aulas? E hoje não foi a sua última aula?

 

- Sim, respondeu o aluno, combinamos, mas o senhor comprometeu-se a me ensinar a arte da retórica, e se o senhor foi um bom professor eu devo ter aprendido a poder convencê-lo de que eu nada lhe devo. Caso eu não o convença, o senhor não foi o bom professor que prometeu ser, logo, não merece qualquer pagamento.

 

É isso que alguns querem da democracia, que seja tão democrática que permita sua autofagia.

 

Vejamos o que diz Manuel Aragon:

 

O terceiro e último problema que quero suscitar nesta questão é o da hipótese definitiva: pode o povo soberano, alterando completamente a Constituição, deixar de ser soberano?, pode, através do procedimento do artigo 168, converter nossa democracia em uma ditadura? A resposta que um raciocínio baseado na teologia ou na metafísica dá a essas perguntas já se disse ser negativa. Dicey, ao contrário, já afirmava, mais preso à realidade, que o Parlamento inglês pode autodestruir-se. E Heller chamava a atenção acerca do erro de confundir dois conceitos distintos: validade lógica geral e validade jurídica particular. Efetivamente, se do ponto de vista da lógica geral a onipotência não pode destruir a si mesma, do ponto de vista jurídico a democracia pode destruir a si mesma por procedimentos democráticos. Hipótese, por certo, não desejável, mas cuja possibilidade, vale dizer, a inexistência de sua proscrição jurídica, é justamente o que permite que o poder do povo, tornando-se constitucional, permaneça um poder soberano.1

 

Assim, mesmo o regime democrático sendo o que é, permitindo a ampla liberdade individual e coletiva, prevê ele instrumentos jurídicos básicos à sua preservação. Ou seja, constrói em torno de si um sistema protetivo, a fim de permitir a sua subsistência. Logo, é democrático sim, mas a liberdade que permite e incentiva tem limites, que são, justamente, aqueles que põem em risco a sua própria existência.

 

O regime democrático não permite a sua própria destruição.

 

E por não permitir sua substituição por ditaduras, a democracia traça na Constituição os meios pelos quais pode defender-se.

 

Como o próprio Título V da CF de 1988 traz a rubrica Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, o que se disse até aqui deixou de fora a Defesa do Estado. Tal omissão pode ser vista como proposital, uma vez que a democracia de que falamos está restrita ao âmbito territorial do Estado, devendo este ser chamado de Estado Democrático, e aquela somente existir neste. Portanto, ambos estão amalgamados de modo a ser impossível sua separação.

 

O Estado, contudo, tem sua defesa específica por intermédio da:

 

1º - defesa do seu território contra invasão estrangeira (art. 34, II, e 137, II, da CF);

 

2º - defesa da soberania nacional (art. 91 da CF);

 

3º - defesa da Pátria (art. 142 da CF).

 

Já a defesa das instituições democráticas propriamente ditas, se dá por intermédio do:

 

1º - estado de defesa, e

 

2º - estado de sítio.

 

Podemos falar sobre esses instrumentos de defesa em outra oportunidade.

 

Até mais,

 

 

1 No original: “El tercer y último problema que en esta cuestión quiero suscitar es el de la hipótesis definitiva: ¿puede el pueblo soberano, cambiando totalmente la Constituición, dejar de ser soberano?, ¿puede, a través del procedimiento del artículo 168, convertirse nuestra democracia en una dictadura? La respuesta que un razonamiento preñado de teología o metafísica da a esas preguntas ya he dicho que es negativa. Dicey, en cambio, ya afirmaba, más pegado a la realidad, que el Parlamento inglés puede autodestruirse. Y Heller llamaba la atención sobre el error de confundir dos conceptos distintos: validez lógica general y validez jurídica particular. Efectivamente, si desde el punto de vista de la lógica general la omnipotencia no puede destruirse a sí misma, desde el punto de vista jurídico la democracia puede destruirse a sí misma por procedimientos democráticos. Hipótesis, por supuesto, no deseable, pero cuya sola posibilidad, es decir, la inexistencia de su proscripción jurídica, es lo que permite precisamente que el poder del pueblo, constitucionalizándose, siga siendo un poder soberano.” (Constitucion y Democracia, Editora Tecnos, Madrid-Espanha, p. 48). (Agradeço correções na tradução).

 

 

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