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Coca-Cola: tem cocaína?

BRASO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS

Representação-COJUR nº 1.13.000.000287/2000-72
Representado: Recofarma Indústria Ltda.

A presente Representação foi iniciada com a remessa, por Procurador da República lotado no Estado do Rio de Janeiro, de reportagens publicadas no Jornal do Brasil noticiando a possível importação e industrialização, por parte da empresa Recofarma Indústria Ltda., fabricante do refrigerante Coca-Cola, de substâncias alegadamente derivadas de cocaína.

 

Tais reportagens, acima mencionadas, dão conta de que o ex-gerente de finanças e importação da empresa Coca-Cola, Sr. Placídio José Mendes, acusa, em processo trabalhista, a mesma de usar substância derivada da folha de coca (Erytroxilum Coca) no preparo do refrigerante. Substância essa que, segundo especialista médico (toxicologista), é um alcalóide, ou seja, ocasiona tropismo do sistema nervoso central.

A Reclamada encaminhou ao signatário os documentos de fls. 24 a 33, dentre os quais consta cópias de despachos e sentença proferidos no processo trabalhista movido por Placídio José Mendes contra a Coca-Cola Indústrias Ltda.

Por esta razão, o MPF solicitou, através do ofício nº 173/00, a Delegado de Polícia Federal, que procedesse perícia em líquido do mencionado refrigerante, desde que de origem nacional, a fim de comprovar a procedência da notícia.

A PR/RJ oficiou a esta Procuradoria aduzindo que: "A matéria jornalística apresentada pelo noticiante, juntada às fls. 05 do incluso Expediente, relata, em síntese, as informações pelo mesmo prestadas perante o Juízo Trabalhista, trazendo à baila fatos relativos à autorização pelo DEA para a produção de extrato de coca pela empresa denominada Stefan Company, que produziria 1,8 tonelada de cocaína por ano, produto que seria destinado à Coca-Cola Co."

Sabendo que a essência do refrigerante é produzida exclusivamente na fábrica Recofarma Ind. Ltda., sediada em Manaus, a PR/RJ encaminhou o procedimento a esta PR/AM.

Na composição principal do produto "Refrigerante Coca-Cola" fornecida pela empresa, têm-se:

INGREDIENTES

COMPOSIÇÃO % (p/p)

CÓDIGO NO INS

Água Gaseificada (1)

88,90

-

Açúcar

10,10

-

Caramelo

0,15

-

Ácido Fosfórico

0,05

Acidulante 338

Aroma Natural (2)

0,03

-

Cafeína

0,01

-

OBSERVAÇÕES:

 

  • Aroma natural incluindo o extrato de noz de cola.

 

 

O Departamento Nacional de Saúde, por seu Laboratório Central de Controle de Drogas e Medicamentos, atesta que o refrigerante aromatizado atende às normas legais vigentes, fls. XXX.

O Ministério da Saúde também, por sua Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos, concedeu à empresa Certidão de Registro de Alimentos, fls. xxx. O Ministério da Agricultura, pelo Departamento Nacional de Serviço de Comercialização, fls. XX, forneceu registro do produto à empresa.

O Laudo solicitado à Polícia Federal foi elaborado, sendo ele de nº 1933/00-INC (fls. XX), concluindo que :

"As análises realizadas nos refrigerantes em questão, em todas suas etapas, NÃO revelaram a presença de quaisquer substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas, inclusive COCAÍNA (um dos alcalóides obtidos da planta Erytroxilum Coca), capazes de causar dependência química e/ou psíquica, relacionadas na Resolução RDC nº 98 de 20.11.00, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em conformidade com a Portaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98, publicada no DOU em 01.02.99.

Informam os signatários que foi detectada a presença da CAFEÍNA, conforme especificado no rótulo dos refrigerantes, substância não proscrita ou controlada pela Portaria supra citada. Trata-se de um alcalóide também encontrado no café, no chá e no guaraná, que tem atividade estimuladora do sistema nervoso central. "

É o Relatório.

Noticiam os peritos, no Laudo acima citado, uma passagem do livro "Farmacologia" de Penildon Silva, 4ª edição, 1994, Editora Guanabara Koogan, onde se lê: "A cocaína em fins do século passado e início deste, gozou de popularidade (...). Uma bebida não-alcoólica, denominada Coca-Cola, tinha inicialmente, em sua composição, extratos da folha de coca, além de cafeína e cola, sendo anunciada como "bebida do intelecto e da temperança" (Johanson e Fischman, 1989). Contudo, os efeitos maléficos da cocaína foram se tornando bem conhecidos, determinando seu controle nos Estados Unidos a partir de 1914, juntamente com o ópio e derivados (Harrison Narcotic Act, 1914)."

O fato acima narrado, de conhecimento público, somado à informação do ex-empregado da empresa, mereceu a devida apuração, muito embora aprioristicamente pudesse a investigação ser descabida, uma vez que a política anti-entorpecente, bem como o controle rigoroso de alimentação nos Estados Unidos, pudesse tornar absurda tal possibilidade, uma vez que o referido refrigerante também lá é consumido.

Logramos localizar na literatura jurídica nacional um livro publicado pela Editora Revista dos Tribunais em 1955, cujo título é "O Caso da ‘Coca-Cola’". Trata-se do Mandado de Segurança nº 71.722, impetrado por Refrescos do Brasil S/A contra o Governador do Estado de São Paulo que determinara o fechamento da fábrica do refrigerante por, segundo ele, infringência das normas de saúde pública daquele Estado, uma vez que continha substância em dosagem superior ao permitido pela legislação vigente. Tratava-se da substância ácido fosfórico.

O refrigerante foi submetido, naquela época (23.05.41), à análise prévia de nº 765, no Laboratório Bromatológico, do Departamento de Alimentação da Prefeitura do Distrito Federal, bem como no Instituto Adolfo Lutz, cujo resultado deste último exame está na comparação nº 3.168, de 14.12.42.

O resultado de ambos os exames, especificamente quanto aos alcalóides de coca, foi de ausência.

Impossível a imputação de prática criminosa a quem quer que seja pela absurda ineficácia do meio, tornando o crime impossível, ou seja, a ausência do alcalóide cocaína na composição química do refrigerante torna-se o inócuo à sua caracterização como substância entorpecente.

E mais, para que se possa oferecer denúncia, é necessária a prova da materialidade e indícios da autoria. No caso, ausente o presente requisito desnecessária é a busca do segundo.

Isto posto, por ausência de suporte probatório mínimo para a propositura de ação penal, vem o MPF requere o arquivamento do feito.

Manaus, 12 de fevereiro de 2001.

Osório Barbosa

PROCURADOR DA REPÚBLICA