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Busca e apreensão sem mandado de busca e apreensão

AMxxMinistério Público do Estado do Amazonas

 

HÉRICO MARTINS DE SOUZA, foi preso em flagrante delito no dia 16.03.90, às 13:00 h. pela IEPRE, tendo sido, poucos dias depois, relaxada sua prisão, consoante a copia do despacho em anexo.
O Douto Magistrado acolheu em seu despacho, como o diz, o parecer do órgão do Ministério Público com atuação naquele Juízo, que entendeu ilegal a prisão pelos seguintes motivos

:

”... o franqueamento da casa, em que se achava o flagranteado, sem, todavia, apresentar testemunhas estranhas aos quadros da polícia, portanto insuspeitas para corroborar o que os integrantes da diligência afirmam para o pretendido estado de flagrancia do crime, violando, desse modo, preceito constitucional atinente à inviolabilidade da casa".

“... antes de invadir a residência que não era do acusado, a polícia não tinha certe-za de que naquele recinto havia substância tóxica em depósito, logo não poderia justificar o seu ato na hipótese da ocorrência de flagrante delito". 

"Tratando-se de busca domiciliar ilegal quando realizada sem mandado e lavratura de auto circunstanciado nos ternos da lei processual , o vício de origem da margem à desconfiança".

“...lamentando mais uma vez que a autorida-de policial inobserve princípios insertos nas regras constitucionais que asseguram direitos fundamentais do indivíduo, ate mesmo os que já tenham comprometimento  ante-rior com a Justiça..."

"Grave, sobretudo, é a invasão de um domicílio alheio sem a observância da formalida-de da lei, vez que esta põe a disposição da autoridade e seus agentes os mecanismos processuais indispensáveis às diligências de qualquer natureza.”

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Pedimos venia para discordar, neste caso, com a análise feita pelos doutores no caso em tela. E ousamos discordar pelo seguinte:

I - Quanto ao primeiro argumento, "serem policiais as testemunhas e o condutor", a princípio, não pode levar o julgador a ter por imprestável o flagrante, pois seria absurdo a generalização de que todo policial é suspeito. A respeito, eis o que diz a Jurisprudência:

"Seria absurdo admitir como presunção de idoneidade de testemunha, sua condição de funcionário da polícia" (contrario sensu) (in JULG. TRIB. ALÇ. CRIM. SP - vol. 23, pág. 338)

“Em tema de comércio clandestino de entorpecentes, o simples fato de ser a testemunha policial, que te-nha praticado ato no exercício de suas funções den-tro do mesmo processo persecutório, não basta para empanar a credibilidade do depoimento prestado, máxime quando sequer seja a suspeição do miliciano" (in JUL. TRIB. ALÇ. CRIM. SP - vol 31 - pág. 263)

“Em regra, são válidos os depoimentos de policiais, quando coerentes” (in JULG. TRIB. ALÇ. CRIM. SP – vol. 33, pág. 352)

II - Aos demais argumentos, entendemos:

Que o crime de tráfico de entorpecentes é DELITO PERMANENTE.

"Tráfico de entorpecente tratando-se de delito permanente, é legítima a prisão em flagrante do agente pelo crime já consumado antes da ação policial, na modalidade de posse de tóxico. Súmula 145: inaplicabilidade, pois, para o reconhecimento de que o fla-grante foi preparado ou forjado, necessário que o acusado tivesse sido induzido ou instigado à prática da infração penal." TESE 231 (in Direito Criminal - Caderno de jurisprudência – Edição A.P.M.P., pág 216)

E o que é crime permanente?

“São os que causam uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo. O momento consumativo se pro-trai no tempo.
O crime permanente se caracteriza pela circunstância de a consumação poder cessar por vontade do agente.
A situação antijurídica perdura até quando queira o
o sujeito, explica José Frederico Marques”, esta a lição de Damásio E. de Jesus (in Direito Penal, vol I - Parte Geral – pág. 171 - Saraiva).

No que tange à casa, é de clareza meridiana a prote-ção que lhe é dada pela Contituição Federal, valendo a pena a transcrição do inciso XI do art. 5º:

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“XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.


O que dizer, no entanto, daquele que desvirtua a finalidade do bem jurídico que a lei visa proteger, transformando sua casa (“esfera íntima da vida individual e familiar”) em centro distribuidor de tóxico?

Responde-nos a Jurisprudência:

"Aquele que desrespeita seu lar, que desvirtua seu domicílio, transformando-o em antro, no qual perma-nentemente se cometem crimes, não está abrangido pela garantia do art. 153, §10 (hoje art. 5, inciso XI) da Constituição Federal. Ademais o remédio para a violação dos direitos individuais é sempre outro, não a absolvição do acusado pelo crime e aprovado"( TACrim. 33 Câm - Ap. nQ 65.503 - SP - Rel. Juiz Mendes Pereira - in. BOLETIM DE JURISPRUDÊNCIA - AASP).

"O crime do art. 281, do CP, é de caráter permanente, permitindo assim a entrada de policiais a qualquer hora do dia ou da noite, onde quer que o mesmo esteja sendo praticado, ainda que desprovido de mandado (TACrim. 2ª Câm. - Ap. nº 92.141 - Campinas — Rel. Juiz Edmond Acar - in BOLETIM DE JURISPRUDÊNCIA -AASP).

“A casa é asilo inviolável do cidadão e goza de imu-nidade enquanto não desfigurada sua condição de lar ou recesso do indivíduo. Transformada, porém, em cassino clandestino, em "aparelhos subversivo", em local destinado ao comércio clandestino de entorpe-centes, drogas e outros fins ilícitos, irretorquí-vel a perda da garantia constitucional, face ao critério de usuários estranhos que ali possam compare-cer" (in JULG. TRIB. ALÇAD. CRIM. SP - Vol. 30 – pág. 196)

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E não se argumente com o fato de a casa não perten-cer ao flagranteado, já que aquele que permite que outrem utilize sua casa para distribuição de tóxico é tão desmerecedor da proteção constitucional, quanto àquele que utiliza casa
própria. Valemo-nos, mais uma vez da Jurisprudência:

"Responde pelo art. 281, §3º, inciso II, do CP, o a-gente que utiliza sua residência, ou consente que outrem dela se utilize, ainda que a título gratuito, para ilegal uso de entorpecentes ou de substância que determine dependência física ou psíquica" ( in JULG. TRIB. ALÇ. CRIM. SP – vo. 29 – pág. 175)

O fato de que a polícia não tinha certeza da existência de substância entorpecente em depósito, de maneira alguma invalida o flagrante.

A certeza a que aludem os doutores, deve ser a jurídica, mas vale a pena lembrar, aqui, a lição do filósofo VOLTAIRE  sobre a certeza:

“a dúvida não é excelente estado, entretanto, a certeza é ridícula”

Como tratava-se da apreciação de um flagrante, como exigir-se a certeza exigida para um condenação penal? Para que serve a instrução criminal?

É claro que para agir a Autoridade Policial investigou, e investigou bem, já que apreendeu substância entorpecente. Será que a polícia tem “bolsa de cristal”?

A apreensão do tóxico não justificaria, em si mesma, a existência de flagrante? Haverá certeza maior que a existência material do entorpecente?

Em que casos é legal a entrada de policiais em uma casa?

A resposta nos é dada pela própria Constituição, em seu art. 5º inciso XI, acima transcrito, uma das hipóteses é no CASO DE FLAGRANTE DELITO.

Sendo o crime de tráfico de entorpecentes CRIME PERMANENTE,  como dito acima, não estava o flagranteado em estado de flagrância? Peremptoriamente, afirmamos que sim.

Ante o exposto, entendemos que a Autoridade Policial observou os princípios constitucionais, pois prendeu em flagrante delito, agiu no momento em que o crime se consumava, impedindo, assim, o prosseguimento do hediondo delito.

O fato de ser o flagranteado conhecido da polícia, é mais uma agravante a desautorizar o relaxamento, e o fato de ser o mesmo viciado, por si só, não exclui sua condição de traficante. E mais,  sendo ele viciado, não seria o caso de a Autoridade ter decretado a internação do mesmo para tratamento?

Entenderam os doutores que a palavra dos policiais não merece crédito. O que dizer, então, das palavras de um viciado/traficante?

Senhor Procurador-Geral, aquele que se propõe a conseguir um mandado judicial, levará dias, semanas, meses, ou simplesmente não conseguirá, a máquina judiciária está emperrada (qual o processo envolvendo tráfico de tóxico que já foi julgado no prazo legal?). Então, como deve atuar a Autoridade Policial? Deixar que traficantes atuem livremente, deixando a população mais descrente na Justiça do que já se encontra?

É necessário que se encontre mecanismos para que o Judiciário possa, quando for o caso, com rapidez, dizer se expede ou não o mandado que for requerido. Que cada um daqueles que atuam na aplicação da lei, assuma sua parcela de culpa no mau, péssimo funcionamento dos órgãos encarregados da mencionada aplicação.

Por paradoxal que possa parecer, a Justiça, hoje, é capaz de soltar mil pessoas que comprovadamente são traficantes e não é capaz de apenar um só deles. E o que dizer para a sociedade?

Neste caso foi levantado o fato de as testemunhas do mesmo serem policiais, é que o cidadão, de tão descrente na Justiça, não se dispõe mais a ser testemunha de qualquer caso envolvendo tóxico, pois sabem ele, digo, sabe ele que no dia seguinte o traficante estará solto, na rua, este caso é exemplo, e virá buscar vingança. Que argumento tem a Autoridade Policial para convencer o cidadão do contrário?

Esta exposição, Excelência, é feita ante a importância e a perplexidade ( mas sem omissão), no sentido de sugerir a tomada de providências visando a corrigir os mecanismos de que ora dispomos, e PEDIR-LHE ORIENTAÇÃO.

Manaus, 10 de abril de 1990.

 


Osório Silva Barbosa Sobrinho
Promotor de Justiça