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24 – Platão, a fonte difamadora, mas fonte.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24 – Platão, a fonte difamadora, mas fonte.

 

Diz Guthrie:

 

Uma visão psicanalítica aponta: ...Platão o homossexual dominado pela culpa com premência irresistível de domínio.

 

Para Grote. Platão

 

Não só surripiou o nome da circulação geral para impô-lo especialmente aos seus opositores, os professores pagos, mas também o associou a atributos infames, que não formavam parte de seu sentido primitivo e reconhecido, e eram inteiramente distintos do vago sentimento de antipatia associado a ele, se bem que com ele enxertado. [Osório diz: tenho a impressão que Platão, ao atacar Protágoras, visava mesmo era Péricles!]

 

Trataram o seu autor como se fora repórter taquigrafo de diálogos reais”. (p. 17)

O conceito complexo socrático-platônico de Eros, um amor homossexual sublimado, também deve ter estado em ação.

Para um contemporâneo hostil como Aristófanes, as idéias sofistas eram sintoma de declínio. Os grandes dias da Grécia foram os das guerras persas, quando homens eram homens. Coragem e dureza, simplicidade de vida, altos padrões morais foram todos atribuídos a esta geração imediatamente anterior. Agora, lamentava ele, todos os padrões estão sendo abandonados e ninguém pode distinguir certo de errado, ou, se podem, espalhafatosamente acolhem o errado e desprezam o certo. A geração jovem é amante da luxúria, efeminada, imoral e covarde. Basta ver os dramas: os escritos teatrais não mais escolhem temas elevados e nobres como Esquilo o fez. Em vez disso, temos Eurípedes com seus teatros de adultério, incesto e velhacaria, seu alarde do baixo e sórdido, sua conversa de trocadilhos e jogos de palavras sem fim. Tudo isso, pensava Aristófanes, vinha do seguimento da nova ciência ateia e a nova moralidade dos sofistas.

Tucídides tinha impressionante intuição do espírito de seus compatriotas gregos, podendo-se confiar nele quando afirmava que ouvira pessoalmente alguns discursos e tinha referências de primeira mão de outros, [Osório diz: o que não é o caso de Platão]

Trasímaco (ou Platão?) na “República” [A questão se o relato na República representa as ideias e o caráter do Trasímaco histórico não é proposta aqui (Rep. 1.336b ss.).]

Era da natureza humana, tanto para os Estados como indivíduos, comportar-se egoística e tiranicamente, se dada a oportunidade, alinhavam-se aqueles para os (p. 97) quais isto pareceria não só inevitável, senão também justo e adequado. Para estes, o tirano era fato não só inevitável, como também ideal. [Osório diz: é o caso do siracusano Platão? {Apenas para constar: ele foi duas, e não uma única vez à ilha! Ou seja, é reincidente!}]

Estas ideias são sustentadas por homens que aos olhos dos jovens parecem sábios, tanto escritores em prosa como em versos, que dizem que a perfeição da justiça é conquista ganha pela força [Estes homens são, pois, de estampa diversa de Trasímaco, para o qual a tirania era he teleotate adikia e o tirano ten holen adikian edikekos (p. 91, n. 79, acima). {Osório diz: e o siracusano Platão?}]. Daí os jovens caem na irreligião, como se não houvesse deuses tais como nos mandam acreditar. Daí também irrupções de discórdias civis, sendo os homens atraídos para a “vida certa segundo a natureza”, que, expressa claramente, significa vida de dominação sobre os companheiros e recusa de servir aos outros como lei e costume (nomos) ordenam. [Osório diz: Platão/Sócrates queria mudar as leis de Atenas com sua República!]

[Osório diz: Sócrates, se tivesse algo a ensinar, foi tão “perverso” que não escreveu nada!]

Cálicles é figura um tanto misteriosa, pois, além de seu aparecimento como personagem no diálogo de Platão, não deixou nenhum traço na história registrada. [Osório diz: ver, sobre a identidade de Cálicles, o que diz Rommily] Todavia é descrito com soma de pormenores autênticos que é difícil acreditar ser personagem fictícia. E provável que tenha existido e sido conhecido como tendo as idéias que Platão lhe adscreve, embora, em sua ânsia de apresentar em toda sua brutalidade o caso que quer demolir, Platão pode muito bem ter tomado elementos de diversas fontes e edificado na pessoa de Cálicles uma apresentação um tanto estilizada da doutrina "força é direito" em sua forma mais extrema [Por "pormenor autêntico" quero dizer que se atribui aldeia real e se lhe dão características-~ históricas como a seus amigos e conhecidos. Três modos de ver são possíveis e foram sustentados: (1) ele é pura ficção, (2) o nome é uma máscara para uma personagem bem conhecida como Crítias ou Alcebíades, (3) ele é uma figura histórica. O último ponto é mais provável. Veja Dodds, Górgias, 12s, e para várias opiniões também Untersteiner, Sophists, 344, n. 40. Dodds conjectura que um homem "assim ambicioso e tão perigosamente franco" pode muito bem ter perdido a vida nos anos tormentosos dos fins do séc. V, antes de ter marcado a história. [Osório diz: quais amigos e conhecidos?]]. Ele é jovem rico e aristocrata [Osório diz: ou seja, é Platão!], que entrou há pouco na vida pública (515a), e, se bem que agindo como tropa de Górgias, não é sofista [Osório diz: Ufa!]. Ele descarta os “que professam educar os homens na arete” como porção sem valor, (p. 98). [520a. O próprio Górgias, embora se possa com certeza classificar como sofista (p. 41, n. 29, acima), ria, diz-se, dos que exerciam esta profissão (Menu 95c). Cálicles pode ter pensado sobretudo em Protágoras, que enfaticamente a exerceu, e cuja moderação e cujo respeito pelo nomos não se lhe teriam recomendado. [Osório diz: Platão usa o mesmo tema em vários diálogos! Quando suas idéias “fazem água”/furam, ele as reescreve, assim como a Igreja Católica tem reescrito a Bíblia para tentar melhorar suas incoerências e inconsistências]]

Demos, o filho de Pirilampes, padrasto de Platão, e sua amizade com Ândron, que foi um dos Quatrocentos estabelecidos no poder na revolução oligárquica de 411, e seu orgulho de sua descendência menciona-se em 512d [Possivelmente também por defesa da própria physis. Dodds observa (Gorgias, p. 13) que "o louvor da physis comumente se associa a um pressuposto aristocrático, de Píndaro em diante", mas a situação talvez fosse mais complexa. Veja c. X abaixo. [Osório diz: o povo queria a lei escrita, em princípio, pois ela, inicialmente, trazia a igualdade. Entretanto, depois...]]. [Osório diz: justamente a família de Platão! Inveja? Raiva? Seu tio Crítias]

Cálicles retoma a argumentação com Sócrates depois da derrota de Pólus, o jovem e impetuoso aluno de Górgias, que tentou sustentara mesma tese de Trasímaco, segundo a qual "muitos atingem a felicidade mediante a injustiça" (470d).

Chamando-os de iníquos, como Cálicles frisa, fez o jogo de Sócrates [Osório diz: do autor da peça!], pois lhes restou moral convencional bastante para concordar que, se bem que a iniqüidade seja coisa boa para o iníquo, todavia é desonrosa e censurável [Osório diz: e daí?]. Absurdo, diz Cálicles. Pólus errou ao conceder a Sócrates sua alegação de que cometer injustiça era mais censurável do que sofrê-la. Esta visão convencional, mas apresentá-la como a verdadeira é vulgar e medíocre. Natureza e convenção opõem-se geralmente, de forma que, se um homem é impedido por vergonha de dizer o que pensa, é compelido a se contradizer. Os que estabelecem as convenções a fazerem as leis são “os mais fracos, isto é, a maioria” [Osório diz: mas era pela minoria que advogava Sócrates/Platão, desde que a minoria da aristocracia da qual eles faziam parte]. São eles que dizem que a autopromoção é infame e injusta, e equiparam a injustiça com o desejo de ter mais que os outros. A natureza diz que é justo para o melhor ter mais do que pior, e o mais poderoso do que o menos poderoso [(At 488b-d, Cálicles diz que usa beltion, kreitton e ischyroteros — melhor, superior e mais forte —como sinônimos). Esta sentença e a seguinte (483c-d) mostram claramente a influência da associação de Cálicles com Górgias (se na verdade neste ponto ele é mais do que a boca pela qual ele reproduz a retórica inescrupulosa do próprio Górgias). Cf. Gorg. Hel. 6 pephykegar ou to kreisson hypo tou hessonos kolyesthai alfa to hesson hypo tou kreissonos archesthai kai agesthai.].

Observamos aí a contradição formal a Trasímaco, o qual disse que os que fazem as leis são a parte mais forte, quer tirano, quer oligarca, quer democrata (Rep. 338e). [Osório diz: Cálicles versus Trasímaco!] Adimanto aproximou-se mais de Cálicles ao argumentar que os fracos são os que defendem a justiça (no sentido convencional em curso) e censuram a injustiça, não por convicção, mas por causa de sua (p. 99) própria impotência.

Mas ambos receberiam a censura de Cálicles, como Pólus recebeu, por usarem justiça e injustiça em seus sentidos convencionais [Trasímaco, podemos lembrar, não admitiria que ele estimasse a injustiça não só vantajosa, mas também honrosa e virtuosa (p. 90, acima). As próprias idéias diferenciam de alguém que disposto a aplicar a palavra justo" ao que o mundo considera injusto podem ser provas a mais que foi deliberado o fato de ele evitar o comprometimento. {Osório diz: As palavras fluem! Quem as cumpre? Os políticos? Não é o que diz o povo! Ver Carolina Maria de Jesus}].

Muitas coisas estão a indicar que o critério da justiça para o mais forte é tirar o melhor do mais fraco, como, por exemplo, o comportamento dos animais e dos homens coletivamente como Estados e raças. Dario e Xerxes, invadindo o território de outros povos [Osório diz: E Péricles invadindo as outras cidades gregas?], agiam de acordo com a natureza da justiça — e também segundo a lei, se entendes a lei da natureza, se bem que não segundo as leis que nós, homens, estabelecemos. A frase "lei da natureza”, nesta sua primeira ocorrência, usa-se como paradoxo deliberado, e, com efeito, em nenhum de seus sentidos posteriores, nem da lex naturae, que teve longa história na teoria ética e legal desde os estoicos e Cícero até os tempos modernos, e nem no sentido das leis da natureza dos cientistas que são "apenas uniformidades observadas". Mas ela sintetizou uma atitude já corrente em fins do séc. V, e os atenienses, no diálogo de Melos de Tucídides, chegaram muito perto dela até verbalmente, ao expressar o princípio de que devia governar quem é capaz, como questão de "necessidade natural" e ao mesmo tempo lei eterna. [Osório diz: isso não é Sócrates?] O critério bestial do comportamento natural (tomando os animais como modelos [Osório diz: isso é , convenhamos, ridículo. A racionalidade e os desejos são suficientes para mostrar quão diferentes são) também era conhecido no séc. V. Heródoto, ao citar um exemplo, exclui expressamente os gregos (2.64), mas é parodiado mais de uma vez em Aristófanes (Nuvens 1427ss, Pássaros 753ss).

Nossas leis não-naturais, continua Cálicles, modelam nossos melhores homens desde sua juventude, ensinando-lhes que a igualdade é bela e justa, mas, se surgisse um caráter naturalmente mais forte, sacudiria, como um leãozinho, estes grilhões, quebraria sua jaula e tornar-se-ia patrão ao invés de escravo. Brilharia então com toda a sua glória a justiça da natureza. Sócrates tenta fazê-lo retirar pelo menos para a posição do Trasímaco platônico, frisando que na democracia, uma vez que “os muitos” fazem e sancionam as leis, eles são o elemento mais forte e melhor (tendo o próprio Cálicles equiparado estes dois epítetos), e por isso, com base no argumento de Cálicles, o que eles decretam é naturalmente certo e direito; mas são muitos os que insistem que justiça significa direitos iguais para todos e que fazer injustiça é mais desonroso do que (p. 100) sofrê-la, e, portanto, tudo isso deve ser certo segundo a natureza e não só segundo o nomos. [Osório diz: E se vários leãozinhos se unirem, como, aliás, ocorre? Mas Sócrates/Platão não acreditavam na maioria! Isso é Platão e seu balão de ensaio! Justamente eles que não defendiam a democracia, aqui aparecem como democratas. Podem até ser democratas, mas com a finalidade de destruir a democracia]

Cálicles replica numa explosão de raiva que Sócrates fala absurdo e está enganando-o com palavras [Osório diz: e o autor Platão sabe que estava mesmo, daí revelar isso!]. Ao dizer que os mais fortes eram os melhores, ele quis dizer homens melhores — melhores naturalmente (492a), e não uma população indefinível e abjeta [Osório diz: e era o que Sócrates/Platão pensava mesmo, já que era aristocrata e tirano!].

A idéia de que devam "governar a si mesmos", isto e, exercer autocontrole, é ridícula. A bondade e justiça natural decreta que o homem que vivesse corretamente não deveria controlar seus desejos, mas deixá-los crescer tanto quanto possível, e por sua coragem 104 e senso prático ser capazes de satisfazê-los ao máximo. [Osório diz: Ridículo é dizer que o forte tem que também ser burro!]

O tipo comum de homens condena tais excessos apenas por vergonha de sua própria incapacidade para eles [Osório diz: pois se tornam seus praticantes no primeiro momento que podem fazê-lo!].

A verdade é esta: intemperança, libertinagem e liberdade de restrições, se apoiadas pela coragem, constituem excelência (arete) e felicidade; tudo o mais é conversa bonita, acordos humanos contrários à natureza, absurdo sem valor [Osório diz: quem discorda disso, honestamente?].

É o hedonismo extremado que realmente identifica prazer e bem, depois arranca-o de sua posição por táticas de choques até ele dar meia-volta desavergonhada e dizer que não falava sério: ele crê com certeza que alguns prazeres são bons e outros maus. [Osório diz: Bingo! As palavras têm limites se justificam isso ou aquilo].

[Osório diz: A história do super-homem é ridiculamente distorcida para atingir um objetivo {justificar ou fundamentar um posicionamento}, como sempre ocorre! Se ele é um super-homem {inclusive na inteligência} é para enfrentar um contra um ou ele contra todos? Se ele é super-homem ele debe ser maior que o todo. Mas, mesmo que ele, sozinho, não seja maior que o todo, pode fazer aliança com outros super-homens maus e, assim, todos os super-homens maus do mundo podem enfrentar os bonzinhos! Mais: sendo ele super-homem e inteligente, quem disse que ele não encontrará partidários entre os bonzinhos? O capital escraviza, mas todos querem estar ao seu lado!]

Os nomoi humanos existentes são totalmente não-naturais, porque representam a tentativa da multidão de fracos e sem valor de impedir a meta da natureza, segundo a qual o forte deve prevalecer [Osório diz: posição aristocrática de Platão!]. O homem verdadeiramente justo não é o democrata, nem o monarca constitucional, mas o tirano insensível [Osório diz: perfeito! É o Platão siracusano].

É esta a moralidade contra a qual Platão se voltou resoluta e decididamente [Osório diz: inclusive indo apoiar, por duas vezes, o tirano de Siracusa?], (p. 101) desde o tempo em que, como jovem fervoroso seguidor de Sócrates, aprendeu deste que "nenhum homem erra voluntariamente" (no sentido ordinário) [Osório diz: essa pode ser uma situação confortável: até o fim de sua vida, quando a ele mais uma vez se opôs nas Leis e, visto que suas raízes estavam na ciência natural do homem, tornou-se ele próprio cosmogônico no Timeu para aluir seus fundamentos mais profundos.

É preciso enfatizá-lo porque existe uma teoria curiosa de que Platão nutria secreta simpatia para com Cálicles, que representava algo profundamente implantado em sua natureza pessoal, que talvez só tenha reprimido sua familiaridade com Sócrates. Cálicles é "um retrato do eu rejeitado de Platão" [Osório diz: rejeitado!?]. "Embora fundamentalmente se oponha às idéias de Cálicles, ele as afirma com a facilidade e simpatia de homem que as suprimiu em si próprio [Osório diz: a supressão deu-se em Siracusa?], ou ainda havia de suprimi-Ias, ou como Rensi o coloca, “o conflito Sócrates-Cálicles no Górgias não é conflito entre dois indivíduos mas conflito que se passa dentro de uma só mente” [As citações são de H. Kelsen como citadas por Levinson, Defense of P. 471, e Highet e Rensi citados por Untersteiner, Sophists, 344, n. 40.]. Dodds concorda com isso até a medida que, visto Platão ter sentido "certa simpatia" por homens da estampa de Cálicles, o seu retrato de Cálicles "não só tem calor e vitalidade, mas se tinge de afeição pesarosa". [Osório diz: Platão/Cálicles – ida à Siracusa e amante de Esparta, portanto, nada de supressão!]

Podemos mais facilmente nos associar ao brando protesto de Levinson (Defense of P. 472) de que "não é sadio identificar Platão com as personagens dele que ele detesta" [Osório diz: e ele detesta? Onde, quando e como?]. É instrutivo comparar o tom da conversação aqui com o tom em Protágoras, em que Sócrates fala a um homem pelo qual, embora esteja em desacordo com ele em coisas fundamentais, tem verdadeiro respeito. [Osório diz: o autor fraqueja! Ã hã!]

Quando Protágoras, ocasionalmente, e justificadamente, irrita-se, Sócrates o acalma, e os amigos de ambos logo se dispõem a arranjar as coisas entre eles com palavras de calma. A crítica é bem-humorada, a atmosfera é de amizade e tolerância, e o diálogo termina com expressão de mútua estima. Aqui, de outro lado, há evidente amargura e mau humor. Falar disparates, oratória de populacho, trocadilhos de sofista [Osório diz: vejam como não foi apenas Aristófanes que sabia que Sócrates era um sofista!], mentalidade medíocre, violência, e a marcação barata de pontos para o debate, são algumas das acusações que Cálicles arremessa contra Sócrates, e Sócrates faz retornar da mesma forma como recebe [Osório diz: essa é uma das teses de que Platão traiu Sócrates e talvez o detestasse]. Considerando psicologicamente, tudo isso é sem dúvida (p. 102) compatível com a existência de um Cálicles reprimido no próprio Platão, mas visto no contexto de toda a sua filosofia parece muito improvável [Osório diz: Parece? Se parece pode ser!]. Dodds vê até maior importância na "vigorosa e perturbadora eloqüencia que Platão concedeu a Cálicles", mas não deve ser nenhuma novidade para nós que Platão foi soberbo dramaturgo [Osório diz: a fuga conveniente do autor, pois Platão somente é dramaturgo quando está em becos sem saída! Do contrário é só filósofo profundo e único!]. Esta eloqüência convenceu o jovem Nietzsche, ao passo que o raciocínio de Sócrates o deixou frio. Isto não é surpreendente, mas pouco relevante. O apóstolo da Herrenmoral (Moral do senhor), da Wille zur Macht (Vontade de poder) e Unwertung ller Werte (Revolução de todos os valores) não precisava de muito convencimento, pois ele era irmão de sangue de Cálicles, ao passo que Sócrates se ornou para ele, para citar de novo Dodds, "uma nascente de falsa moralidade" [O que Nietzsche chamou de cultura sofistica para ele era "este movimento sem valor no meio do engano moral e ideal das escolas socráticas". "Os sofistas", disse ele, "eram gregos: quando Sócrates e Platão tomaram o lado da virtude e da justiça, foram judeus ou não sei o que". Não admira que foi Cálicles que o atraiu. Estas passagens são citadas na p. 146 de A. H. J. Knights em seu livro Some aspectos of the life and work of Nietzsche, and particularly of his connexion with Greek literatura and thought, que podiam talvez ter sido mencionadas por Doods quando, no começo de seu apêndice informativo sobre Sócrates, Cálicles e Nietzsche (Gorgias, 387-91), ele diz que o laço entre Nietzsche. Nas pp. 147s Knight cita um longo extrato do discurso de Cálicles no Górgias. V. também Nestle, V MzuL, 341s.]. [Osório diz: É que o pensamento de Sócrates não fecha dentro da racionalidade humana].

Platão pode ter num lugar descartado os egípcios como avaros, mas no Timeu faz deles os depositários de sabedoria antiga em contraste com os gregos "infantis". [Osório diz: Esse o Platão! Diz aqui, nega acolá, ou vice-versa!]

(1) Que ambos eram idênticos por definição, e a afirmação de sua identidade, simplesmente analítica. Isto pode ser (a) a velha ideia religiosa, remontando a eras tribais, de que as leis vieram dos deuses, e assim não podem errar e deve-se-Ihes obedecer ("todas as leis humanas são nutridas pela única lei divina") [Osório diz: aqui Guthrie vacilou! Dormiu! Cochilou! Dirá aos padres: “foi sem querer, querendo!” / Foi a essas eras tribais que voltou a “teologia” (não filosofia) de Platão]; ou (b) uma crítica consequente a equiparação dos dois: dada a definição, de que "justiça" inclui somente o que é mandado ou sancionado pelas leis, então, como frisou Antifon, a homem tem o direito de observá-la apenas na medida que coincide com seus próprios interesses, e o dever de ignorá-la sempre que conflita com o fato da natureza como a igualdade de gregos e bárbaros, nobres e plebeus, ricos e pobres.

A arte retórica era também conhecida como "a arte dos logoi", e o amplo sentido desta palavra (de falar ou fazer discurso até argumento, razão, pensamento) tornou possíveis diversas concepções da arte de que era o tema. A meta de Platão era tirá-la das mãos de persuasores superficiais e argumentadores especializados, [Osório diz: as metas de Platão nunca são boas, não esqueçamos!] mostrando que, aplicada propriamente e baseada no conhecimento da verdade era coextensiva com a filosofia [Osório diz: a piada está em “conhecimento da verdade”, se esta até hoje, dois mil anos depois ainda não foi conhecida!]. E esta a lição de Fedro (Veja especialmente 278-d), e em Fedo (90bss) Sócrates atribui o mal da "misologia" - uma aversão a logoi de toda espécie - a falta de treinamento adequado na "arte dos logoi" [Osório diz: eis a circularidade de que falo! Não há logos sem logos!]. Sem ela o homem crê em tudo o que se lhe diz, e mais tarde descobre que é falso, e em sua desilusão cai no mau uso não de sua falta de experiência, mas dos próprios logoi, desviando-se assim da vereda do conhecimento e da verdade. Os maiores ofensores são os que lidam com contradições (antilogikoi) e pensam ser o cume da inteligência ter discernido que não há sanidade ou certeza em qualquer coisa ou qualquer argumento, mas tudo sobe e desce como a corrente no Euripo e nunca permanece o mesmo por um momento [Osório diz: e onde está a prova de que não é assim? Dei-me uma verdade de que não é isso o que ocorre!]. Platão pode ter tido em mente Protágoras e suas antilogiai (p. 172 com n. 18 acima) de modo particular, mas sua censura se estende a todos os retóricos e sofistas [Osório diz: como se o próprio Platão não fosse o maior dos retóricos que se preservou!], "os sem cultura cujo desejo não é o desejo de sabedoria, mas o desejo de bater o adversário" (91a) [Osório diz: bater não, mas mostrar que o que o sábio está sustentando está errado!. É o que faz o sofista Sócrates, mas ele Platão aplaude em mais uma de suas contradições], as próprias pessoas, com efeito, que se consideravam mestres da "arte dos logoi" e os melhores professores dela para outros. [Osório diz: (1) Boa é apenas a minha tese! (2) Sócrates vivia para “bater” nos que “sabiam”!

Aos olhos de Platão, Sócrates era, na realidade, o verdadeiro mestre desta arte [Osório diz: isso confirma o que eu disse acima!]. Fez dela uso diferente dos sofistas, mas embora não fosse nenhum retórico[Osório diz: é muito cara de pau!]. Crítias, ao tornar ilegal ensinar a arte dos logoi, (p. 168) teve Sócrates particularmente em mente [Osório diz: mais uma prova de que Sócrates seria um sofista, menos para seu amante!], 6 isso não foi inteiramente irrazoável. Estava convencido de que se alguém entendeu uma coisa podia "dar um logos dela" [Osório diz: isso reforça meu entendimento de que, a contrário, somente fala sobre algo quem sabe algo sobre ele!], e sua exigência de definições era exigência de que as pessoas devam provar que entenderam, a essência da coragem, da justiça ou qualquer outra coisa que estivesse em discussão, encontrando uma fórmula verbal que pudesse cobrir todos os seus casos.

Aristóteles (Rhet. 14o2a17) o liga com Córax. Platão (Fedr. 273a-b) atribuí-o em forma um tanto adulterada e caricaturada a Tísias, de que se disse ser seu discípulo [Osório diz: Platão e a caricatura! Daí eu acreditar que Sócrates era um Diógenes, o cão, que Platão deu-lhe a aura]. V. também Arist. ap. Cic. Brut. 12.46 (presumivelmente da Synagoge technon) para Córax e Tísias como os primeiros a escreverem manuais de retórica depois da expulsão dos tiranos da Sicília, e em geral Aulitzky em RE, Xl, 1379-81.

Atribui-se a invenção da retórica aos sicilianos da primeira metade do séc. V, Córax e Tísias. Invenção neste contexto tinha sentido específico [Ser bom orador, assim como também homem de ação, fora, como frisa Lesky (HGL, 35o), a ambição do grego desde os tempos homéricos (Il. 9.443).], ou seja, a introdução do apelo à probabilidade em vez do fato [Osório diz: Górgias dirá: fatos não são palavras, logo não se podem provar fatos, haja vista que estes não se repetem, menos ainda via discurso], o estabelecimento de regras para sua aplicação, e sua incorporação em manuais escritos. Se um homem acusado de assalto pode produzir fatos que mostrem indisputavelmente que ele não o cometeu, ele não tem nenhuma necessidade da arte, mas se ele não o puder, deverá invocar o argumento da probabilidade. Se ele for menor e mais fraco que sua vítima, dirá: “Olhem para mim; é possível que alguém como eu pudesse atacar um homem grande e forte como ele?” Se de outro lado ele é um Sansão, argumentará: “Seria eu um louco de atacá-lo quando eu sou a primeira pessoa sobre que cairia a suspeita?” Estes argumentos preservaram-se como amostra de Córax e Tísias [Aristóteles (Rhet. 14o2a17) o liga com Córax. Platão (Fedr. 273a-b) atribuí-o em forma um tanto adulterada e caricaturada a Tísias, de que se disse ser seu discípulo [Osório diz: Platão e a caricatura! Daí eu acreditar que Sócrates era um Diógenes, o cão, que Platão deu-lhe a aura]. V. também Arist. ap. Cic. Brut. 12.46 (presumivelmente da Synagoge technon) para Córax e Tísias como os primeiros a escreverem manuais de retórica depois da expulsão dos tiranos da Sicília, e em geral Aulitzky em RE, Xl, 1379-81.]. Um bom exemplo moderno registrou-se no Sunday Times de 21 de maio de 1967. Uma acusação de exceder o limite de velocidade de 100km por hora foi feita pela polícia que alegava ter seguido o acusado por cerca de 5km com o velocímetro registrando 110 a 120km. A defesa não foi contra a prova do velocímetro do próprio acusado. É que o carro da polícia tinha um pisca-pisca azul, e daí lhe era fácil perceber que o estava seguindo, e a (p. 169) resposta foi: “Seria eu tão bobo para dirigir acima de 100km por hora com um carro da polícia em meu encalço?” A retórica ensina desde o início que o que importa não é qual tenha sido ocaso, mas o que parece, aquilo de que os homens podem ser persuadidos (Fedro 267a) [Osório diz: qual o objetivo da retórica]. É “a arte do logos”, que não só é discurso e argumentação, mas também aparência e crença enquanto opostas a fato (ergon), e cuja finalidade é a persuasão [Osório diz: conteúdo da retórica]. Do lado do crédito, pode-se dizer que persuasão é melhor que a força [Osório diz: daí a arte no crime de estelionato], e a retórica é por excelência a arte democrática que não pode, quer em sua forma política, quer em sua forma forense, florescer sob tirania [Osório diz: onde a retórica é empregada com mais frequência / Como Platão era tirano...]. O seu nascimento em Siracusa, observou Aristóteles (ap. Cic., v. n. 1), coincidiu com a expulsão dos tiranos e o estabelecimento da democracia [Osório diz: daí a raiva de Platão! Expulsaram os tiranos que ele tanto adorava! E pior, essa saída permitiu o nascimento de algo que ele passou a detestar, quando praticado por ele!].

A relação de Sócrates e Platão com os sofistas é sutil [Osório diz: daí o acerto de Aristófanes ao descrever Sócrates!]. Diz-se geralmente que, ao passo que os sofistas eram empiristas que negavam a possibilidade de uma definição geral de "bem" pelo motivo de ela diferir relativamente aos indivíduos e às sociedades e suas circunstâncias, Sócrates (e Platão depois dele [Osório diz: este é um problema!]) insistiu em que havia um bem universal, cujo conhecimento daria a chave para a ação reta para todos em toda parte. Assim Aristóteles (como Platão no Meno) descreve-o insistindo numa definição geral de arete em contraste a Górgias que preferia enumerar virtudes separadas (Pol. 1260a27). Todavia, no Fedro é o "verdadeiro retórico", isto é, o filósofo dialeticamente treinado [Osório diz: vejam como Platão aproveita tudo dos sofistas, apenas diz que o que ele, Platão, expõe é o certo, o verdadeiro, a verdade], que é comparado com um médico qualificado, que não só sabe como ministrar vários tratamentos mas também entende o que é apropriado a determinado paciente, e quando e por quanto tempo – um homem, pelo que parece, na tradição empírica do melhor ensino médico grego. Ao invés, o retórico comum, que "por ignorância da dialética é incapaz de definir a natureza da retórica", assemelha-se a curandeiro que aprendeu de livro como dar vomitório ou purgante, mas não tema menor idéia de quando seu uso será apropriado (Fedr. 268a-c, 269b) [Osório diz: eis o elitismo! Como se os primeiros médicos não estivessem mais para curandeiros!]. Pode ser que a busca socrática de definições, e seu fruto, a dialética platônica da "coleção e divisão", antes incluem e transcendem do que anulam a obra dos sofistas e retóricos [Osório diz: isso seria até aceitável, não fosse a volta ao misticismo (deuses) e a fixação em verdade, que é sempre provisória, paradigma]. Descreve-se, afinal, seu ensino no Fedro como sendo, se bem que não a arte da retórica propriamente dita, uma necessária propedêutica para ela (ta pro tes technes anagkaia, 269c). Tais questões exigem cuidadosa consideração; v. especialmente Sócrates, c. III, § 8. [Osório diz: Sofistas e Sócrátes são tão parecidos que não se consegue separá-los!]

Não precisamos descartar o último do argumento pela razão de que o homem não pode ser uma medida da existência de árvores e pedras (como o faz Nestle, VMzuL, 271): segundo uma filosofia de esse est percipi [Osório diz: tradução: “ser é ser percebido”] ele pode. Mas existe pouca importância em seguir esta linha, uma vez que todos os exemplos dados por Platão e Aristóteles são de propriedades ou atributos. São estes que interessariam a Protágoras como mestre de política, ética e retórica [Osório diz: mas é Platão quem fala de “vento” frio ou quente!]. [p. 181] [Osório diz: por que o “relativismo” de Protágoras se aplica a ética].

A “correção dos nomes” é o tema de Crátilo, que discute dois modos de ver opostos.

1. O fato de um grupo de homens concordarem como chamarão uma coisa não faz disso o seu nome: na verdade, uma palavra que não tem nenhuma garantia interior não é nome absolutamente. Há um nome natural e próprio pertencente a cada coisa, o mesmo para gregos e estrangeiros igualmente. Deve-se supor que tenha sido dado por original dador-de-nomes ou legislador que tenha completa intuição sobre a natureza mesma da coisa, sem dúvida como resultado de poderes supra-humanos. [Osório diz: a besteira só supra-humano!]

2. A esta tese de Crátilo Hermógenes opõe a sua segundo a qual a correção dos nomes é determinada unicamente por convenção e acordo, e (p. 193) diferem para povos diferentes. Tendo-se-lhe perguntado por sua própria opinião, Sócrates, de início, apóia Crátilo. Sustentar o caráter completamente arbitrário dos nomes leva inevitavelmente a aceitar a tese de Protágoras para quem não há nenhuma realidade objetiva e também as coisas são diferentes para cada indivíduo, ou então a de Epidemo para o qual todas as coisas possuem todos os atributos juntos e ao mesmo tempo. Isso, concordam eles, está errado. Colocando-o em seus próprios termos teleológicos, Sócrates argumenta que as ações (praxeis) e as coisas (pragmata) têm a natureza fixa e devem ser tratadas com o instrumento próprio, como cortar com uma faca. Isso inclui o discurso cujos instrumentos, ou seja, palavras e nomes (onomata), têm a função de ensinara sobre as essências de coisas reais e distingui-las. Eles são dados pelo nomos, e daí por um legislador ou fazedor-de-palavras que (em analogia com outras habilidades, por exemplo, o fabricador de máquina de tecer que subserve ao trabalho de tecelão) deve produzir o nome naturalmente adequado para o seu objeto, trabalhando sob a direção de usuário habilitado, isto é, o dialético ou experto em discussão.

[Osório diz: o Crátilo é um exemplo de que Platão, mais uma vez, se apropria de tese sofista sem querer dar o crédito, aliás, falando contra ela!] Daí eu pensar que ele é um tirador de sarro. Primeiro fala de “convenção/acordo” para os nomes, ou seja, que os nomes seriam dados por nomos, depois diz que eles provêm da natureza, ou seja, seriam dados pela phýsis!]

O final do Crátilo permite outro rápido olhar fascinante (…) sobre o modo como Sócrates virava argumentos sofísticos para seus próprios objetivos [Osório diz: o que prova que ele era um deles, como demostra Aristófanes, que, no caso, não se enganou!].

Pergunta de repente a Crátilo se, concedido que palavras são imagens de coisas, não é melhor aprender da realidade que a imagem expressa antes do que somente da imagem. Crátilo não pode negá-lo, Sócrates o leva daí ao seu próprio “sonho” de formas absolutas e imutáveis de beleza, bondade e o resto, que só se pode dizer ser real e louvável, e são diferentes de suas representações fugazes num rosto ou numa boa ação. Crátilo ainda está inclinado a se fixar em sua própria posição heracliteana, e o diálogo termina, como tantos outros, num acordo de pensar mais sobre o tema depois [Osório diz: somente dos sofistas são exigidas explicações completas, conclusivas. Platão/Sócrates nunca concluem nada e ninguém lhes pede mais do que dizem! E a isonomia?]. Mas na mente do leitor foi semeada a semente. [Osório diz: Infelizmente, ou felizmente, o leitor Aristóteles resolveu o problema ao dizer, no livro Gama de sua Metafísica, que “existem mais coisas no mundo do que nomes para designá-las”! Aliás, toda a exposição sobre o tema já devia iniciar-se assim: “Leia se quiser esse diálogo, mas ele está superado pelo ensinamento de Aristóteles que diz: '...'”. O que fazem os autores é encher linguiça!]

(“Eu vejo um cavalo”; ...), mas não podem ser explicados, ou sabidos tal como Sócrates e Platão entenderam o conhecimento, para os quais significava a capacidade de dar um logos da essência da coisa conhecida.

[Osório diz: Platão tentou, com seu Sócrates, fazer o argumento fraco (o dele) transformar-se em forte? Sim! Quando ele não tinha mais racionalidade para apelar, ele apelou para o invisível, deus!]

Tudo isso pode ter pouca conexão direta com a história da filosofia, mas, junto com o racionalismo dos filósofos naturais e dos sofistas contribuiu para a atmosfera em que cresceu Platão e que o levou a construir em oposição uma teologia filosófica baseada numa teoria da origem e do governo de todo o universo e do lugar do homem nele.

Platão, considerado comumente como o mais fanático e implacável dos teístas, (…) Admite que o ateísmo não leva necessariamente a conduta imoral, e reconhece um tipo um tanto semelhante aos dos humanistas éticos de nossos dias. A passagem atinente é Leis 908b-e:

 

Embora um homem possa ser inteiramente descrente na existência dos deuses, se ele tiver caráter reto detestará os malfeitores, e, por repugnância à maldade, não terá nenhum desejo de cometer atos errados, mas evitará o que é injusto e será atraído ao bem. Mas há outros que, em acréscimo a sua crença de que não há deuses absolutamente, caracterizam-se por uma falta de autodomínio nos prazeres e dores, combinada com vigorosa memória e inteligência penetrante [Osório diz: Platão e os ateus! / Penso que exemplo disso é o Platãso siracusano. / Ademais, a recíproca é verdadeira: há os crentes que praticam as piores maldades. É via de mão dupla!]. Ambos os tipos têm em comum a doença do ateísmo, mas com respeito à injustiça para com outros um faz muito menos mal do que mal que (p. 228) o outro. Um terá, sem dúvida, uma maneira bastante livre de falar sobre deuses, sacrifícios e juramentos, e por ridicularizar outros talvez possam fazer alguns convertidos se não for retido pela punição; o outro, porém, apóia as mesmas opiniões, mas com a reputação de ser homem dotado, cheio de manhas e perfídias – esta é a espécie que produz teus adivinhos e peritos em toda sorte de charlatanismo. Às vezes também produz ditadores, demagogos, generais, inventores de mistérios privados e os ardis dos que são chamados sofistas [Osório diz: vejo o próprio Platão em Siracusa e no seu mundo das ideias]. Existem assim muitos de ateísta mas dois que merecem a atenção do legislador. Os pecados dos hipócritas merecem mais de uma morte ou até duas, mas os outros exigem advertência e confinamento.

No sentir de Platão, o primeiro e maior crime contra a religião não é o ateísmo aberto, mas o estímulo à superstição [Osório diz: que o que ele, Platão, faz! Contradição sempre! Penso que é ou o contrário (a religião que causa a superstição) ou via de mão dupla!]. Também antes, na República (...) ele censurara os pseudo-sacerdotes e profetas que espoliam os ricos e ingênuos com espúrios livros órficos que prometem imunidade de punição para todos os que pagam por seus ritos e encantações. Uma personagem em Eurípides chama a profecia de “coisa sem valor, e carregada de mentiras”. As chamas do sacrifício, pensa ele, e os gritos de pássaros nada têm a nos ensinar. Bom senso e bom conselho são os melhores profetas. Mas isso não é ataque dos deuses, pois ele acrescenta: “Sacrifiquemos aos deuses e oremos pelo bem, mas abandonemos a profecia”. Também Platão não condena toda profecia igualmente. Ele respeitava inteiramente o oráculo de Delfos, o porta-voz do próprio Apolo [Osório diz: mais uma contradição de Platão: só que ele apoiava era bom! Ele se achava o dono da verdade ou seus seguidores o acham tal dono!], mas a arte mântica tem suas formas elevadas e baixas, e havia toda uma multidão de adivinhos mercenários, pretendendo dizer a vontade dos deuses pela aparência dos sacrifícios e pelo vôo dos pássaros, ou coletâneas escritas de oráculos forjados (tais como são ridicularizados nos Pássaros de Aristófanes [Osório diz: aqui Aristófanes não errou!!!! É conveniente com a tese esposada) que levavam ao desprezo da religião. Platão oferece ainda ulterior documentação da necessidade de distinguir tentativas de purificar a religião de ataques à religião mesma.

Depois de mencionar Sócrates pelo nome como defensor de que autodomínio, coragem e justiça são os mesmos para a mulher como para o homem, Aristóteles continua (…): “Os que falam em termos gerais, dizendo que virtude é 'o bem-estar da alma' ou 'ação correta' ou coisa semelhante, estão errados. Enumerar as virtudes, como fez Górgias, está muito mais perto do alvo do que fazer esse tipo de definição”. [Osório diz: Aristóteles contra Sócrates e a favor de Górgias!]

Para Sócrates é tão legítimo perguntar por uma definição geral de virtude como o é pedir uma definição de um inseto e objetar quando uma lista de insetos é oferecida em vez disso; a Meno talvez não se deva inteiramente censurar quando ele diz que pode entender a pergunta enquanto assim aplicada ao gênero natural, mas não pode captá-la tão facilmente quando ela se transfere à virtude, que ele sente que não é inteiramente paralela com os outros casos mencionados por [p. 236] Sócrates (72d, 73a). [Osório diz: misturar lista de “virtude” com lista de “insetos”, já aparenta um absurdo, mas podemos aceitar para não perder o amigo, mas fazer a comparação entre o “gênero natural” (inseto) e a virtude!]

3. Os sábios da Grécia teriam ensinado sua habilidade aos que lhes eram próximos e queridos. (Assim Sócrates argumenta em Protágoras 319 que Péricles não podia ensinar sua sabedoria a seus próprios filhos e em Meno 90 que nenhum grande estadista a ensinou). [Osório diz: aqui o autor não diz quem eram tais estadistas! Parece um lugar comum! Todos sabiam! Mas o mais grave: isso vai contra a oligarquia em cujo seio a criança aprende com os seus! Suprema contradição de Platão]

4. Alguns foram aos sofistas e nada conseguiram de bom pelo fato. (Em Meno 92, Anito afirma que os sofistas fazem mais mal do que bem a seus alunos) [Osório diz: Anito aqui é queridinho! Outra suprema contradição: se os caras não serviam para nada, por que se preocupar com eles? Volto à pregunta: apenas o oposto da virtude, a “desvirtude”pode ser ensinada?]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 15,16, 17 97, 98, 99, 100, 101, 102, 168, 169, 181, 193, 228, 236).

 

E acrescenta Guthrie:

 

Platão seguidor de Parmênides.

 

Na epistemologia, a filosofia, iniciada por Parmênides e elaborada por Platão, mostra irrestrita confiança nos poderes da razão no homem e em Deus. Parmênides rejeitou inteiramente os sentidos, e não lhe daria papel mais elevado que o papel de ponto de partida que a mente deve deixar atrás o mais depressa possível. Se a eles se dá atenção demasiada, só podem ser empecilho para a compreensão da realidade. O conhecimento só mereceria o nome se fosse absoluto e universal, e para atingir tal conhecimento era necessário transcender a experiência, penetrando o véu do sentido e levando à consciência verdades que estavam latentes na mente porque aquela essência imortal já tinha concedido uma visão direta delas em seu estado desincorporado.

Este relato é tirado de fontes inglesas contemporâneas, mas sua derivação será óbvia a qualquer leitor de Platão; e, embora o autor continue mencionando Descartes, com sua visão de uma “ciência matemática universal”, como protótipo destas noções, os racionalistas do séc. XVII sabiam que também eram de Platão, e sem dúvida o consideravam como seu primeiro predecessor. Esta idéia da matemática como modelo de ciência exata e racional não está, com efeito, ausente de suas obras. É a filosofia platônica que Macaulay destacou com razão como dominante até a época em que Francis Bacon lhe imprimiu nova direção.” (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 12 e 13).

 

Afirma Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Grote foi, sem dúvida, o primeiro a suspeitar que o Trasímaco do Livro I de A República não se coadunava com o Trasímaco histórico. Apoia-se no fato de que a exaltação da violência que Trasímaco opõe exaltadamente às teses de Sócrates não teria sido aceite por um auditório ateniense; também o elogio da tirania que pronuncia teria fortemente chocado a opinião pública da democrática Atenas e não teria sido tolerado.

A Sofística consiste, na verdade, em viver dominando os outros em vez de os servir, como queria a lei”. (Leis, 890a). Encontramos, portanto, nas análises de Platão uma sistematicidade que fazem dos textos do Górgias e de República I uma demonstração anti-sofística e não um testemunho histórico [Osório diz: excelente observação].

O testemunho de República I não deve, no entanto, rejeitar-se em bloco; o que é necessário tentar determinar é o momento em que intervém exatamente a distorção platônica. Temos, felizmente, um fragmento de Trasímaco sobre a justiça que não é tirado de A República, mas de um discurso do sofista, em que diz isto: “os deuses não olham para as coisas humanas; com efeito, não deixariam de se preocupar pelo maior dos bens entre os homens – a justiça. Ora, vemos que os homens não a praticam[Osório diz: esse fragmento é um milagre!]. Trasímaco verifica, não sem profunda amargura, que o mundo, como vai, está abandonado por Deus e que a justiça não reina como soberana na realidade de todos os dias. Já antes de Sade, verificou as infelicidades da virtude e as prosperidades do vício e sente-se o eco do seu próprio desânimo numa passagem de A República: “Ó ingênuo Sócrates, não tens mais do que ver que o homem justo fica em todo o lado em desvantagem relativamente ao injusto”. Mas Trasímaco vai mais longe ainda, e é isto que provoca o sobressalto de Platão. Dedica-se, como Antífon, como Lícofron, como Alcidamas, a uma acerba crítica do nomos, a uma verdadeira desmitificação da lei que, longe de servir de muralha contra a injustiça, como se julga, se encontra contaminada por ela e pervertida; a lei é instrumento do poder e não o enunciado racional que pretende ser. É por isso que é sempre, de fato, partidária e não respeita a neutralidade que a justiça exigiria no sentido não político do termo, que se opõe à justiça legalista [Osório diz: para que serve e a quem serve a lei] que Trasímaco define assim:

Todo o governo estabelece sempre as leis no seu próprio interesse, a democracia, as leis democráticas; a monarquia, leis monárquicas e os outros regimes a mesma coisa; depois, feitas estas leis, proclamam como justo para os governados o que é o seu próprio interesse e, se alguém as transgride, castigam-no como violador da lei e da justiça. Eis, meu excelente amigo, o que pretendo dizer sobre a justiça uniforme em todos os estados: é o interesse do governo constituído. Ora, é este poder que tem a força; donde se segue para todo o homem que sabe raciocinar que por todo o lado é a mesma coisa que é justa, quero dizer, o interesse do mais forte.” [Osório diz: para que serve e a quem serve a lei].

A lei tornou-se a expressão da própria injustiça porque é violência feita ao indivíduo e instrumento da vontade de poder dos homens no poder; ela já não pode ser o que era outrora, a garante da moralidade. A consciência atormentada de Trasímaco ataca a boa consciência que sempre legitima os regimes em presença; o sofista dá a sua palavra ao espírito do tempo num período de crise profunda e de desânimo. Trasímaco procura a justiça e não depara senão com a justificação, isto é, o esforço por legitimar, já tarde, um poder de fato, em síntese, para transformar uma força em direito [Osório diz: o esforço por legitimar!]. Os poderes estabelecidos produzem não normas, mas normalizações, o aparelho dos códigos e leis encobre interesses particulares camuflados com o interesse geral. A forma da justiça que o pensamento crítico de Trasímaco quer atingir é a justificação.

Estamos já em condições de dizer onde intervém exatamente a distorção platônica ou, como escreve E. L. Harrison a “manipulação” de Trasímaco na República I. Trasímaco denuncia um estado de fato, de que a amargura dos seus juízos prova bem que ele não se alegra, e Platão finge acreditar que transforma este fato em direito, e se faz campeão do direito do mais forte, até fazer a apologia da tirania. Ora, não possuímos o menor fragmento de Trasímaco em que este justifique a força; temos, pelo contrário, um fragmento em que este trata com um grande desprezo o tirano da Macedônia, Arquelau: “Nós, Gregos, serviremos de escravos a Arquelau um bárbaro?” Platão acaba por fazer de Trasímaco o justificador da justificação, quando este foi precisamente o denunciador apaixonado. Trasímaco desespera da política; a oposição de Platão não tem talvez outra fonte, já que toda a sua obra é um credo a favor de uma solução política da crítica ateniense, solução de que A República precisamente constitui a carta. Para ele, a justiça pode triunfar mesmo ao nível do fato e mostrar-se mais forte do que a injustiça; ela é uma necessidade do mundo, e a sua eficácia prática deve ser reconhecida pelo próprio homem injusto, como o demonstra Sócrates com um argumento célebre: “Julgas que um Estado, um exército, um grupo de salteadores, de ladrões, ou qualquer mau intento poderiam ter um mínimo de êxito, se violassem entre si as regras da Justiça?” [Osório diz: o que essa afirmativa prova é que o ladrão também é justo, já que obedece as regras de justiça do seu grupo ou entre o seu grupo, como demonstra a “justiça entre si”! Ademais, se todos, inclusive os ladrões, obedecem a justiça (mesmo entre si), por que lutar pela obediência de todos à justiça? Contradição total!] Não há que desesperar do nomos que pode ser bom, já que é obra da razão [Osório diz: como se a razão somente produzisse o bem! O que desmente, também, a afirmativa socrática de que o homem somente faz o mal pensando que faz o bem! O homem é mais safado que a própria safadeza]. Platão identifica ética e política [Osório diz: como Parmênides identificava dizer e ser. (Parmênides não pode servir à tese de Protágoras/Antístenes? Nunca há contradição)]; quer fazer política ética e uma ética política. Pelo contrário, Trasímaco foi, sem dúvida, um dos primeiros a opor tão nitidamente a ética à política e a dissociá-las; aqui está a origem do seu descontentamento e também da sua atualidade. Trasímaco terá encontrado, como Antífon e Hípias, na natureza a norma universal capaz de ultrapassar as leis partidárias das inumeráveis e minúsculas Cidades-Estados da Grécia antiga? Não possuímos nenhum fragmento seu que vá neste sentido. Trasímaco descobriu o lugar em que a ética se poderá conservar quando desertar da cidade? Quando o campo do político se encontra inteiramente dominado pela imoralidade, a justiça conserva efetivamente um refúgio: a consciência do indivíduo; esta consciência deve poder definir-se como interioridade ética e constituir o abrigo do valor injuriado. Se os Sofistas são os descobridores do indivíduo e dos seus direitos, chegaram – com Trasímaco – a defini-lo como interioridade ética? Sem dúvida que não, porque se o lado negativo do pensamento de Trasímaco, a crítica da lei política, estivesse aliado a um lado positivo, a interpretação platônica do seu pensamento não teria sido possível. Trasímaco ficou sem dúvida no momento do divórcio entre a ética e a política; o pensamento da interioridade não estava maduro, daí o seu pessimismo, o seu desespero.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 72 a 75).

 

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