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32.3 – Métodos de ensino dos Sofistas.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

32.3 – Métodos de ensino dos Sofistas.

 

Diz Guthrie:

 

Conferências públicas ou "exibições" (epideixeis) [Vocabulário sofístico: Epideixesis: conferências públicas ou “exibições”]

Platão narra um encontro, fictício, por certo, na "casa de patrono como Cálias, o homem mais rico de Atenas”.

Pródigo ocupa antigo armazém que Cálias teve que transformar em dormitório devido ao grande número dos que ficavam na casa.

[Também se nossa autoridade for de duvidosa confiabilidade para o fato real, o autor sabia provavelmente que tais ocorrências aconteciam.]

habilidade e descaramento,

...roupa de púrpura. …

[Isócrates comenta sobre o fato de que os primeiros fundadores dos grandes festivais instituíram só os torneios atléticos, e elogia Atenas como uma cidade onde se podem ver "torneios não só de velocidade, força, mas também de discurso e perícia e outras realizações, para os quais se dão recompensas de grande valor" (Paneg. 1ss, 45). Isócrates escreveu o seu discurso na idade de 92 anos, cerca de seis anos depois da morte de Platão, mas cf. a crítica de Crêon dos atenienses em Tucídides (3.38.4, agonothetountes... theathai ton logon).]

[Plutarco, Mal. Hdt. 862, fala de Heródoto lendo suas obras aos atenienses. Tuc. 1.21.1 e 22.4 comenta o efeito de ouvir a obra de logógrafos e ouvir sua própria (Nestle, VMzuL, 260 com n. 41).]

Para Protágoras, qualquer discussão é “batalha verbal”, na qual deve sair vencedor e o outro vencido, em contraste com o ideal expresso de Sócrates da “busca comum”, um ajudando o outro para que ambos possam chegar mais fácil à verdade. Tucídides contrapõe-se aos sofistas quando diz que sua obra não visa a ser "peça de competição para uma só ocasião" mas possessão para todo tempo. Como amiúde, Eurípedes faz suas personagens falar em verdadeiro estilo contemporâneo sofista como quando o arauto de Crêon canta o elogio da monarquia como oposta à democracia e Teseu responde (Sup. 427s): "Uma vez que tu mesmo começaste esta competição, ouve-me; pois foste tu que propuseste uma batalha de palavras". (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 44-45).

 

Kerferd ensina:

 

A principal instrução dos sofistas, contudo, não era dada, com toda a certeza, nem em preleções públicas, nem em debates públicos, mas em classes menores, ou seminários, como o descrito na casa de Cálias quando o jovem Hipócrates vem buscar conhecimentos com Protágoras. Aqui, Hípias estava sentado numa cadeira no pórtico, discursando para um grupo de ouvintes, aparentemente sobre a natureza e questões de astronomia, e respondendo a perguntas. Pródicos está numa despensa convertida em sala de aula, falando em voz alta e retumbante, enquanto Protágoras anda de um lado para outro no pórtico de entrada, acompanhado por toda uma multidão de atenienses e estrangeiros pressurosos à sua disposição. Muitos desses tinham deixado suas cidades para acompanhar Protágoras nas suas viagens; se, nesses casos, a pensão era suprida por Protágoras, isso explicaria por que alguns de seus preços eram tão altos. Certamente parece haver aí certa ênfase na íntima associação do professor com o aluno, numa espécie de viver junto como parte do processo de educação [Osório diz: isso põe por terra o simples pagamento, embora isso seja besteira]. O resultado disso terá sido, naturalmente, que os estudantes ganhavam não só com o íntimo contato com a mente e a personalidade do sofista, mas também com o estímulo intelectual da associação de uns com os outros, num grupo de jovens, todos interessados nos mesmos estudos. Sem dúvida esse era um dos motivos da intensa excitação que podemos suspeitar no jovem Hipócrates ante a perspectiva de entrar para o grupo de estudantes associados a Protágoras; uma excitação tão intensa que ele não pode esperar o tempo normal, mas vai à casa de Sócrates, todo nervoso e agitado com suas emoções, quando Sócrates ainda está na cama [Osório diz: esse comentário põe por terra o de Platão ao dizer que não existia vínculo entre mestre e discípulo! Há, também, aí, uma clara demonstração da importância e influência de Protágoras sobre todos, inclusive o próprio Sócrates que sai da cama para ir ter com ele, mostrando que Protágoras tinha algo a dizer, pois caso fosse um qualquer Sócrates não acompanharia Hipócrates tão cedo da manhã para ir ao encontro de um “velho” conhecido!]. Isso leva, naturalmente, à (2) questão dos métodos de ensino. Primeiro, havia a preleção preparada sobre um determinado tema. Algumas delas eram essencialmente exercícios retóricos sobre um tópico mítico, tais como as obras existentes de Górgias, Helena e Palamedes. Mais diretamente relacionado com o treinamento dos futuros oradores nos tribunais, ou nas assembleias [Osório diz: locais para os quais os estudantes eram ensinados a fazerem uso do que aprendiam], eram os exercícios retóricos do tipo que chegou até nós na coleção das Tetralogias de Antífon — cada uma delas consiste em um conjunto de quatro discursos: discurso do acusador, resposta do defensor, depois um segundo discurso de cada lado. São como que modelos esquemáticos de discurso; a segunda Tetralogia trata o tema já mencionado — a questão da responsabilidade quando um rapaz é acidentalmente atingido por um dardo quando estava como espectador num ginásio. É claro que exemplos de discurso desse tipo eram dados para os estudantes estudarem e imitarem. [Osório diz: este parágrafo expõe mais uma contradição de Platão: se era só pagar, por que o jovem Hipócrates foi se socorrer de Sócrates para “pedir-lhe uma vaga”?].

Cícero, no Brutus (46-47), nos presta mais informações valiosas que extraiu de uma obra perdida de Aristóteles, provavelmente sua coleção de antigos manuais de retórica conhecidos como a Technôn Synagogê:

 

Protágoras preparava discussões escritas de assuntos importantes, agora chamados lugares-comuns (loci communes). Górgias fazia o mesmo, compondo elogios e invectivas contra determinadas coisas, porque considerava que era especialmente função do orador ser capaz de aumentar o mérito pelo louvor e diminuí-lo de novo pela invectiva. Antífon de Ramnonte tinha composições semelhantes escritas por extenso. [Osório diz: o uso da escrita pelos sofistas!] [Osório diz: foram os sofistas os criadores dos lugares-comuns, e não Aristóteles, como diz o Prof. Tercio]

Não há por que duvidar de que sejam lugares-comuns desse tipo que os alunos de Górgias eram obrigados a aprender de cor (DK 82B14), em vez de discursos inteiros como às vezes se afirma, e é de se supor que seriam, depois, desenvolvidos em exercícios práticos sob a supervisão do mestre [Osório diz: os lugares comuns].

Isso a que Cícero se refere, em latim, como locus é, em grego, o topos ou "lugar"; no seu sentido mais geral é provável que originalmente significasse a posição ou ponto de vista a partir do qual se ataca o oponente ou se defende a própria tese. Outros, contudo, restringem-no a designar simplesmente o lugar onde o orador encontra um argumento necessário. Aristóteles, no seu tratado Tópicos, apresenta uma espécie de cartilha de dialética, mostrando como se pode defender uma tese tomando como pontos de partida premissas apropriadas que já eram geralmente aceitas [Osório diz: Aristóteles sofista!]. Tópicos são, para ele, linhas de argumento, tais como argumentos tirados dos contrários, argumentos tirados de definições e argumentos tirados de enganos. Sua abordagem é formal, e seus tópicos não são os mesmos que os loci communes a que se refere Cícero. Mas a conclusão do Sophistic Elenchi mostra que ele estava bem consciente da existência deles também, e seu Retórica II, 23 dá exemplos, tais como a citação de Eurípides, do Tiestes: "Se os homens têm o hábito de dar crédito a afirmações falsas, deve-se também crer no contrário, que os homens muitas vezes descrêem do que é verdadeiro".

Muitos desses lugares-comuns eram de caráter antitético, e parece que se faziam coleções escritas deles. Protágoras escreveu uma Techné Eristikôn ou Arte de Erística, que era igual aos dois livros conhecidos como Antilogiai ou Antilogikoi, ou semelhante a eles, mas distinta deles, e há boas razões para supor que um dos dois, ou ambos, continham "lugares-comuns" em forma antitética, como sugere o nome, Antilogiai, prontos para ser usados pelos estudantes, ou na vida real. Quantas dessas coleções de passagens pode ter havido, não sabemos. Mas certamente havia outras, e Platão se refere também à prática de Eueno de Paros (DK 80A26), que inventou Insinuação, Louvores Indiretos e, como dizem alguns, Censuras Indiretas, compondo-as em verso, para ajudar a memória, presumivelmente mais como exemplos para os alunos do que para que ele mesmo pudesse se lembrar.

Um outro método de ensino muito usado era o de pergunta e resposta. Este era frequentemente associado a um outro tema, a habilidade de falar de maneira breve. Assim, ambos eram considerados a marca do homem que conhece a verdade sobre as coisas, no tratado conhecido como o Dissoi Logoi 8.1 e 8.13 (DK 90). Em vários dos diálogos de Platão, Sócrates é apresentado fazendo objeções a longos discursos e exigindo respostas breves às perguntas. No Protágoras, ele enfatiza bem que Protágoras é igualmente hábil e à vontade em cada um desses dois métodos de ensino (329b l-5, 334e4-335a3), sendo que poucos eram os que tinham o domínio do segundo método. Exatamente a mesma asserção é feita a respeito dele mesmo, em outro lugar, por Górgias (Gorg. 440cl-8) [Osório diz: e Sócrates nem era sofista <:] e, possivelmente, a respeito de Polo (461d6-462b3). Somos informados, no Fedro (267a6-b9), que ambos, Tísias, o retórico siciliano que tinha ensinado Górgias [Osório diz: professor de Górgias], e o próprio Górgias

 

compreendiam que probabilidades merecem mais respeito do que as coisas que são verdadeiras, e além disso faziam com que as coisas pequenas parecessem grandes e coisas grandes parecessem pequenas pelo poder da linguagem, e coisas novas parecerem antigas e vice-versa, e descobriram tanto a concisão em argumentos como tratamento muito longo sobre todas as coisas. E, quando Pródicos ouviu isso, riu e disse que ele, e só ele, tinha descoberto o que a arte exige dos discursos — nem longos, nem curtos, mas moderados... Mas estamos esquecendo Hípias? Acho que o homem de Elis também juntaria o seu voto ao de Pródicos. [Osório diz: probabilidade e verdade].

 

O testemunho dessa passagem é importante por vários, motivos. Mostra que Platão sabia que havia dois métodos reconhecidos de instrução, no período sofista. Mais do que isto, porém, mostra que havia debate sobre os seus respectivos méritos, entre os chamados sofistas. As referências ao poder de mudar o modo como as coisas aparecem, trocando a sua importância, combina claramente com a técnica do argumento sofista. Como se verá abaixo, no seu devido tempo, essa é a técnica de transformar o argumento mais fraco no mais forte. Como vimos, a partir de outro testemunho, antes de citar a passagem de Fedro, o método de falar brevemente estava muito claramente relacionado, por Sócrates, ao método de pergunta e resposta (ver Prot. 329b3-5,334d4-7,335a6, bl-2) — de fato, é de se perguntar como poderia ter sido diferente, sobretudo com um sofista, o menos inclinado, entre todos os homens, a querer falar brevemente, na discussão, e depois ficar calado [Osório diz: Kerferd está dizendo que Sócrates era sofista?]. Conseqüentemente, não é plausível a sugestão de que a brevidade no discurso de Protágoras e Górgias era simplesmente um estilo lacônico, "de pôr uma coisa no menor número possível de palavras", e não uma técnica de investigação. No mínimo, se não era uma técnica de investigação, era certamente uma técnica de argumentação e de ensino [Osório diz: boa defesa dos Sofistas por Kerferd].

Eis um assunto que, para alguns, oferece muita matéria a ser discutida. Pois a técnica em questão é a base do que conhecemos como a tradição socrática em educação; na realidade Diógenes de Laércio recorda a tradição segundo a qual Protágoras foi o primeiro a desenvolver o método socrático de argumentação [Osório diz: o antes veio depois! Não seria que Sócrates desenvolveu o método protagórico?]. O que foi considerado uma tentativa de roubar de Sócrates o crédito por esse feito suscitou, talvez e inevitavelmente, forte sectarismo. É o que vem à tona, muito claramente, na discussão de Henry Sidgwick. A seu ver, se Protágoras tivesse realmente inventado a disputa metodológica de perguntas e respostas curtas, seria "absolutamente incrível” que pudesse jamais ser representado assim como o representa Platão no diálogo que leva o seu nome. Ele estava a pensar que a arte de disputa, mais tarde atribuída aos sofistas em alguns dos diálogos de Platão, tais como o Eutidemo e o sofista, originou-se inteiramente com Sócrates, e que ele é totalmente responsável ao menos pela forma dessa “segunda" espécie de sofística. [Osório diz: Sócrates seria segunda sofística!!!]

[Osório diz: vejam o que diz, segundo Guthrie, o sectário “Henry Sidgwick em 1872, que assim sintetizou a opinião corrente acerca dos sofistas:

 

Eram uma súcia de charlatães surgida na Grécia no séc. V, ganhando muito bem a vida impondo-se à credulidade popular: professando ensinar a virtude, ensinavam na verdade a arte do discurso fanático [Osório diz: isso depõe contra Platão que, sob o pálio de dizer que a virtude não era passível de ser ensinada, vedada o ensino de qualquer coisa! Ou será que ele dizia que apenas o que é ruim é passível de ser ensinado?], propagando doutrinas práticas imorais. Gravitando em redor de Atenas, o pritaneu da Grécia, Sócrates os encontrou aí e os derrotou, expondo o vazio de sua retórica, revirando de dentro para fora os seus sofismas, e defendendo triunfalmente princípios éticos sadios contra seus sofismas perniciosos. [p. 16, da obra de Guthrie]

 

Essa opinião é frequentemente citada com aprovação, seja com ou sem restrições. Que eu saiba, a mais cuidadosa discussão recente dessa questão é a de Norman Gulley. Ele tem consciência, eu diria, de que a opinião de Sidgwick simplesmente não se sustenta, e que os sofistas realmente desenvolveram um método de argumentação por pergunta e resposta. Esta, eu diria, é a única opinião possível com base no testemunho que temos. Mas Gulley se sente obrigado a reforçar a conclusão o mais possível, argumentando da seguinte forma: o procedimento dos sofistas era provavelmente um desenvolvimento bastante tardio, influenciado, na sua formulação, pelo método de exame por perguntas e respostas de Sócrates. É provável que qualquer elemento de questionamento no método de Protágoras fosse um elemento quase incidental, e tivesse uma importância mais dramática do que filosófica. Portanto, conclui ele, seria mais prudente seguir Platão e chamar o método de Sócrates de "dialético" em contraste com o método "erístico" dos sofistas. [Osório diz: quem disse que em filosofia não existe o jeitinho brasileiro?]

O contraste entre os termos "dialética" e "erística" será discutido mais adiante. Quanto ao resto das controvérsias mencionadas acima, simplesmente não há nenhum indício, nada que possa sugerir que o método de Protágoras, e dos outros sofistas, fosse posterior ao de Sócrates. Mas temos motivo para associar o método de Protágoras com a sua doutrina dos Dois Logoi, um oposto ao outro. De fato, Platão, no Sofista, numa passagem a ser discutida logo mais (232b), destaca um aspecto como distintivo de todos os sofistas como tais, a saber, que eles eram Antilogikoi, que opunham um logos a outro. Isto significa que o que estamos chamando de método de Protágoras tem fundamento na própria teorização de Protágoras, e isso certamente sugere que é mais provável que o método seja mesmo dele do que simplesmente de Sócrates. Portanto, a seguinte esquematização do “método de Protágoras" tem considerável plausibilidade, embora seus detalhes vá um pouco além dos testemunhos: (1) um estilo de exposição formal seja na preleção ou no manual, (2) troca oral num pequeno grupo de discussão informal, e (3) a formulação antitética de posições públicas e o estabelecimento de princípios a serem seguidos pelos membros do grupo. O que podemos dizer com certeza é que temos todos os motivos para atribuir a Protágoras o uso de um método tutorial para suplementar exposições esteriotipadas, e que não há razão para supor que isso se tenha originado com Sócrates. [Osório diz: o método socrático é protagórico]

Por isso, para resumir, eu diria que em certo sentido o problema está longe de ser tão importante quanto tem parecido. O método socrático, mesmo que possa ter se originado com Sócrates, não obstante originou-se a partir de dentro do movimento sofista, porque o próprio Sócrates fazia parte desse movimento [Osório diz: Sócrates era sofista]. Uma vez reconhecido que outros sofistas, além de Sócrates usaram, de fato, o método de pergunta e resposta, e isso certamente temos de reconhecer, então o grau de originalidade de Sócrates e o grau em que ele foi influenciado por outros sofistas são, ao mesmo tempo, uma questão sem resposta e também de importância subordinada, sob todo e qualquer ponto de vista que não seja o do sectarismo socrático.” [Osório diz: para o sectarismo socrático tudo é socrático!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 54-62).

 

 

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