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45.33 – Democracia, segundo a Sofística.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

45.33 – Democracia, segundo a Sofística.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Portanto, a teoria do discurso fraco e do discurso forte não constitui, de modo nenhum, o ato de nascimento da erística, como afirma Aristóteles; não consiste em fazer viajar a evidência ao gosto da eloquência de um hábil advogado, de acordo com as necessidades da causa e o interesse da sua parte, como fez crer uma tradição obstinada. Na realidade, esta teoria parece estar em estreita relação com uma certa prática política, precisamente a da democracia ateniense. Certos indícios podem, antes de mais, encaminhar-nos para semelhante interpretação. Vimos Platão sublinhar que, aos olhos de Protágoras, o Bem não pode existir só e único como deve existir o Bem em si; Protágoras só pode pensar um Bem com facetas, disperso, multicolor, em síntese, um “Bem variegado”. Ora, esta palavra poikilon é retomada por Platão em A República para caracterizar a democracia: a constituição democrática é “como um manto multicolor”. Outro indício. No Protágoras de Platão, Protágoras mostra que a lei da cidade se aplica a todos, “obriga os que mandam e os que obedecem a conformar-se-lhe”. Ora, esta expressão é utilizada por Aristóteles para caracterizar a democracia. Este regime pensa assegurar a liberdade dos cidadãos pela alternância do poder: o cidadão é, com efeito, “alternadamente governado e governante”. É pela alternância do poder, característica da democracia, que a lei da cidade pode efetivamente aplicar-se indistintamente a todos, e tanto aos governantes como aos governados. Evocamos agora o terceiro argumento, que é mais um indício. No mito de Epitemeu e de Prometeu, Protágoras estabelece uma clara diferença entre a arte política e as restantes; uma vez que estas últimas são da alçada de especialistas, Hermes, pelo conselho de Zeus, distribuiu entre todos os homens a virtude política, cujas duas componentes são a justiça e o respeito. “Que todos dela partilhem, diz Zeus; com efeito, as Cidades não poderiam crescer se apenas uns tantos delas partilhassem, como é o caso das outras artes.” É por isso, conclui Protágoras, que os atenienses e as outras cidades democráticas estabelecem uma diferença entre os problemas técnicos e problemas políticos: para os primeiros, só admitem a opinião dos especialistas; para os segundos, pensam que todo o homem se pode pronunciar validamente. Sem a posse unânime da virtude política, as cidades não poderiam existir. A afirmação da competência política partilhada por todos caracteriza o regime democrático; será – não nos esqueçamos – recusada por Platão que, precisamente por isso, estabelecerá a arte política acima das outras e dela fará um assunto de especialistas.” [Osório diz: muito boa esta explicação em especial por mostrar o espírito antidemocrático de Platão e Aristóteles!]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 26-27).

 

Kerferd ensina:

 

A importância dessa doutrina de Protágoras na história do pensamento político dificilmente será exagerada. Pois Protágoras produziu, pela primeira vez na história humana, uma base teórica para a democracia participativa [Osório diz: Platão, certamente, odiava isso!]. Todos os homens, através do processo educacional de viver em famílias e em sociedades, adquirem algum grau de percepção moral e política. Essa percepção pode ser desenvolvida mediante vários programas formais nas escolas e com professores particulares, e também pela operação de leis deliberadamente projetadas pela polis a fim de suplementar a primeira educação de seus cidadãos. Assim todos têm algo com que contribuir para a discussão das questões morais e políticas, ao passo que nos assuntos que envolvem habilidades especiais e conhecimento específico a polis naturalmente só recorrerá ao conselho de peritos. Mas nas questões políticas e morais não é verdade que todas as opiniões e todos os conselhos são de igual valor. Segue-se daí que, na democracia protagorana, o princípio operativo concernente ao conselho será "de cada um conforme a sua capacidade"; e será necessário que a comunidade, de uma forma ou de outra, escolha entre os conselhos conflitantes. Isso vai requerer conselho sobre conselho, isto é, que conselho deveria ser aceito, e presumivelmente os mesmos princípios se aplicariam aqui também.” [Osório diz: a democracia sofística (de Protágoras)]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 246).

 

 

 

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