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46.3 – As três teses de Górgias.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

46.3 – As três teses de Górgias.

 

Górgias é o sofista do qual possuímos o maior número de escritos, e os mais longos! Ao fim do nosso estudo, todos esses escritos já estão transcritos acima.

No Elogio de Helena, o sofista se propõe a inocentar a mulher que foi a causa da guerra entre Gregos e Troianos, e, para isso, levanta as seguintes hipóteses:

 

Com efeito, ela fez o que fez

Primeira: ou por vontade do destino e pelas decisões dos deuses;

Segunda: pelos decretos da Necessidade ou arrebatada à força;

Terceira: ou persuadida pelos discursos;

Quarta: ou submetida pelo amor.”

 

Já no Tratado do não entre, Górgias vai expor e explicar as suas três famosas teses sobre o ente. Diz-nos:

 

Primeira: nada existe;

Segunda: se algo existe, não pode ser conhecido;

Terceira: se algo pode ser conhecido, não é transmissível outros.

Tudo isso, mesmo que se admitisse que algo existe, que fosse cognoscível, não poderia ser comunicado a outrem, pois as palavras não são as coisas, e, pela linguagem, apenas se transmitem imagens sonoras, inaptas a veicular realidades que lhe são estranhas e relevam de outros campos sensoriais heterogéneos.

 

NADA É: GÓRGIAS desafiado por ARISTÓTELES:

 

Para Górgias, há um abismo inseparável entre palavras e coisas: o discurso não significa coisa alguma, ou seja, é inútil buscar, na linguagem, formas proposicionais capazes de nos oferecer atribuições genuínas, que correspondam a conexões objetivamente válidas. Para compreendermos em profundidade por que Górgias é levado a essa posição, é importante avaliarmos alguns dos resultados a que chega Aristóteles em sua defesa do princípio de não-contradição em sua obra Metafísica [em IV, 4]. Nela o Estagirita, demonstrando indiretamente o princípio de não-contradição, confronta a negação de toda ontologia de Górgias.

Em resumo, a estratégia de Aristóteles é a seguinte: em primeiro lugar, Aristóteles anuncia a tese segundo a qual Ninguém realmente crê que o princípio de não-contradição é falso. Esta afirmação servirá de base para um silogismo dialético cuja primeira premissa é a sua problematização: Alguém realmente crê que o princípio de não-contradição é falso? Aristóteles, então, propõe a segunda premissa do silogismo: Se alguém crê nisto, então terá de falar contraditoriamente (falar de algo indeterminado) e ser compreendido por outras pessoas.

Para fundar indiretamente o princípio, Aristóteles terá que demonstrar a impossibilidade de falar contraditoriamente e ser compreendido. Ora, só pode ser compreendido aquele que profere uma voz significativa convencional com significação única. Esta necessidade cria um novo problema: Qual é o fundamento da unidade de significação? Nossas exigências linguísticas pressupõem um mundo não contraditório? Correlativamente, um mundo contraditório permitiria a unidade da significação?

Aristóteles, então, distingue entre dois tipos de predicação: a predicação essencial e a predicação acidental. Estas, por sua vez, para se aplicarem ao mundo real, pressupõem um mundo de entes essencialmente unos e acidentalmente múltiplos. O Estagirita demonstra indiretamente que os seres do mundo são essencialmente unos e acidentalmente múltiplos colocando dois problemas.

O primeiro problema é dirigido contra Antístenes: Toda predicação é apenas essencial? O mundo é composto apenas por essências? Aristóteles afirma a absurdidade de que toda predicação seja essencial. Pois, por exemplo, se dissermos que ‘Sócrates é homem’ e ‘Sócrates é grego’, grego e homem e todos os outros inumeráveis predicados de Sócrates serão sinônimos e significarão a mesma essência. Mas se dissermos que ‘homem é animal’, é evidente que também todos os inumeráveis atributos de homem significarão a mesma essência e serão sinônimos. Obviamente, tal infestação de sinonímia acabará por atingir todos os termos, e todas as palavras serão finalmente sinônimas e significarão uma mesma e única essência.

O segundo problema é dirigido contra Górgias: Toda predicação é apenas acidental? O mundo é composto apenas por acidentes? Aristóteles vê também isto como um absurdo, pois, primeiramente, para que pudéssemos significar alguma coisa, teríamos de enumerar todos os seus acidentes ¨C o que é impossível, pois os acidentes são em número indeterminado. Além disto, prossegue Aristóteles, dois acidentes só podem predicar-se reciprocamente se remetidos a uma essência determinada, pois os acidentes não podem ser sem a essência. Por fim, um mundo de acidentes seria tragado inteiramente pelo não-ser, pois um único ente que não dispusesse de uma essência determinada seria todas as coisas ao mesmo tempo e, a seguir, nada. Isto porque, segundo Aristóteles, se um único sujeito não dispõe de essência, sendo constituído inteiramente de acidentes, este único objeto seria todas as coisas ao mesmo tempo e, a seguir, nada: com efeito, ao reduzir o discurso às predicações acidentais, paradoxalmente cada predicação acidental significará a essência, uma essência que possuirá uma infinidade de nomes, que corresponderão a infinitos acidentes. Portanto, bastaria um único objeto contraditório para, por assim dizer, “devorar” todo o mundo e atirá-lo na indeterminação e no não-ser absoluto, pois um único objeto contraditório envolveria todo o espectro possível de predicações e, assim, seria tudo. E tudo seria informe e sem características. E tudo seria nada.

Num mundo composto só de acidentes, que só são em relação a uma essência, não há a possibilidade de se proferir uma voz significativa convencional com sentido determinado, já que não haverá ninguém para falar a outrem, nem nada para se falar sobre, pois num mundo de acidentes nada é.

Entretanto, paradoxalmente, a defesa de Aristóteles do princípio de não contradição pode ser combatida a partir da própria posição de Górgias.

A premissa menor da demonstração indireta (qual seja: “Se alguém crê que o princípio de não-contradição é falso e, consequentemente, como vimos, “Se alguém crê que este mundo não é composto de seres essencialmente unos e acidentalmente múltiplos”¡ª terá de falar contraditoriamente e ser compreendido por outros homens”) contém um elemento que é rechaçado por Górgias, a saber: a compreensão mútua entre os homens através da linguagem (i.e., compreensão em sentido estrito, via universais ou elementos estáveis que caracterizariam as coisas do mundo).

Para Górgias, as palavras produzem seu efeito não por serem significativas, mas por seu poder persuasivo e por verossimilhança. Aristóteles vê as palavras como símbolos (signos convencionais) que se remetem imediatamente a afecções da alma, as quais, graças à capacidade da alma de apreender os universais, refletem fielmente os entes do mundo em sua universalidade. Górgias, por sua vez, vê as palavras como coisas sensíveis com enorme poder, operando persuasivamente na mente dos ouvintes. Além disso, Górgias não vê na mente humana qualquer capacidade de apreender o suposto ser estável das coisas. Portanto, Górgias poderia simplesmente ter argumentado não crer numa comunicação entre os homens em sentido estrito, evitando assim a premissa menor do silogismo dialético.

Quanto à demonstração indireta de que a linguagem se reduz a predicações essenciais e acidentais e de que estas remetem a um mundo de seres acidentalmente múltiplos e essencialmente unos (argumentação que obviamente pressupõe os conceitos aristotélicos de essência e acidente), o problema que é dirigido por Aristóteles contra Górgias apresenta como absurda uma tese que é peculiar ao próprio Górgias, a saber: Nada é. Ora, num argumento dialético, a absurdidade de uma premissa tem de ser reconhecida pelo interlocutor e não imposta por aquele que argumenta. Sendo assim, a defesa de Aristóteles do princípio de não-contradição não teria qualquer efeito sobre o próprio Górgias, já que a afirmação ontológica do princípio de não-contradição depende certamente de uma ontologia e Górgias nega a realidade de toda e qualquer ontologia”. (Fonte: Aldo Lopes Dinucci, CADERNOS UFS - Filosofia/Universidade Federal de Sergipe. - Vol. VI Nº 1 - Fascículo 3. São Cristóvão Editora da UFS, 2004. 122 p. 12/14).

 

Seria o princípio de não contradição o garantidor da estabilidade necessária para que exista qualquer ciência. É que ciência pressupõe uma realidade estável, que não mude constantemente, para que, assim, possa ser contada, medida, pesada mais de uma vez, para que possa existir os testes comprobatórios, uma vez que algo que muda o tempo todo não permite tais atividades sobre ele.

Mas o que é a ciência?

Uma das frases preferidas dos estudiosos afetados é: "isso é científico", com a qual aprovam um trabalho; também adoram o sentido oposto da mesma frase: "isso não é científico", que funciona como o atestado de óbito de um entendimento. A primeira sentença é um endeusamento de um pensamento, o seu oposto é a condenação ao fogo do inferno, esquecendo-se, aqueles que as utilizam, que a própria ciência é um trabalho humano, logo...

O que se entende tradicionalmente por ciência é aquela atividade (humana) que conta, mede e pesa, à qual alguns querem agregar as ciências ditas sociais. Porém, é difícil enfrentar um grande e elementar problema: como medir o grau de satisfação da admiração que tenho pela atriz de minha preferência, por exemplo?

Não se deve esquecer que o método com que se mede, conta-se ou pesa-se, fazendo-se o que se entende por ciência, é uma criação humana: a matemática, que já foi chamada a linguagem dos deuses, aquela com a qual eles se comunicam com o homem, como se os deuses, até cerca do ano 1.200 d. C., tivessem vivido sem conhecer o zero, pois somente nesta data que o zero foi descoberto e usado como número! Ou você já viu o número zero no algarismo romano?

A máquina mais inteligente inventada pelo homem trabalha com o sistema binário (0 e 1), ou seja, aceso e apagado. Portanto, com duas informações, apenas. Seriam duas palavras?

Pois bem, os gregos, por volta de dois mil e quinhentos anos antes da era atual perceberam que podiam dividir a matéria. Assim, apanharam uma barra de chocolate suíço e começaram a dividi-la:

Metade para Leucipo e a outra metade para Demócrito, disse o mais velho deles, Leucipo.

Leucipo, mestre de Demócrito, comeu somente a metade da metade que lhe coube, guardando a metade que sobrou. No dia seguinte, voltaram a dividir aquela parte que Leucipo guardara. Novamente, o mestre voltou a dividir sua parte e comera apenas uma delas, guardando a outra.

O traquinas do Demócrito, no dia seguinte, sugeriu ao mestre nova divisão, no que foi atendido. E isso repetiu-se aos de vários dias.

Um mês depois, quando tentaram uma nova divisão, viram que tal era impossível, pois o pedaço que sobrara da barra de chocolate era tão pequeno que eles não conseguiam mais dividi-lo, sequer chegavam a vê-lo. A esse pedaço indivisível deram o nome de átomo (átomo, em grego, quer dizer, indivisível). Átomo, assim, passou a ser entendido como a menor partícula que compõe a matéria (ou de que a matéria é constituída).

O cientista Inglês Robert Hook propôs ao seu conterrâneo Newton a explicação da matéria, especialmente dos gases, pelo movimento e colisão dos átomos. Daí em diante, a ciência não abandonou mais a existência dos átomos, muito pelo contrário, conseguiu dividi-lo (tal fato se deu em 1939, e foi efetuado por cientistas alemães). Demonstrou-se que o átomo é composto por várias partículas: elétrons, prótons, nêutrons e quarks.

Outros gregos, especificamente os epicuristas, tinham proposto que os átomos estão em constante movimento. Os físicos atômicos modernos tiveram que admitir a existência do movimento das partículas quânticas, movimentos esses que não seguem uma trajetória pré-definida e constante, ao contrário, é totalmente aleatória.

Em 1927, o alemão Werner Heinsenberg propôs que é impossível medir uma grandeza, especialmente porque, em partículas quânticas, a própria força do instrumento utilizado para medir faz com que o objeto a ser medido se desloque, impossibilitando, assim, qualquer medição!

Eis algumas explicações para o que hoje é conhecido como Princípio da incerteza de Heisenberg:

 

"O princípio de Heisenberg é bem simples, filosoficamente até desce redondo, faz muito sentido: o simples fato de observar altera a natureza do observado". (Fonte: http://www.thinksofter.com/2007/02/o-princpio-de-heisenberg.html, acesso em: 28.11.09).

 

E,

 

"O físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976) foi o primeiro a descobrir este princípio básico de incerteza, que leva o seu nome. O princípio de incerteza de Heisenberg afirma que não se pode medir, pesar, contar com exatidão, ao mesmo tempo, a posição, o tamanho, o peso e a velocidade de um objeto, seja este objeto o que for. Essa impossibilidade não deriva de que nossos instrumentos de medição, contagem ou pesagem não sejam suficientemente refinados e precisos, senão da natureza mesma das coisas, da natureza da própria matéria.

Esta incerteza é muito relevante quando se trata de objetos com massas muito pequenas, como átomos ou partículas. A mecânica de Newton somente se aplica ao mundo das coisas grandes, como os planetas ou as pessoas. No caso de uma coisa muito pequena, o objetivo de, digamos, medir a velocidade de elétron empurrará e moverá dito elétron de modo que sua posição não poderá ser calculada, nem sequer teoricamente. Essa incerteza se encontra também em outros pares de elementos de observação, como a energia e o tempo. Se se busca medir exatamente a quantidade de energia que irradia o núcleo instável, por exemplo, não se poderá medir a duração do sistema instável, embora faça sua transição para um estado mais estável.

(...)

 

O que está em jogo aqui não é uma questão teológica senão a assunção fundamental que subjaz a todo o tipo de ciência. Fizemos bem em mencionar a hipótese original de Tales mais de uma vez e não é demais repeti-la: o universo exterior está conformado à semelhança de nossa mente e imaginação e, em consequência, o intelecto humano é capaz de compreender o mundo. Existem tantas razões para crer que essa teoria é correta, desde o resplendor da bomba atômica em Hiroshima às criações da engenharia genética, que parece que colocá-la em dúvida nos deve conduzir à loucura. Porém a teoria do Big Bang faz com que me pergunte acerca de nossa capacidade de compreender o verdadeiro núcleo das coisas. Podemos descrever o acontecimento inclusive até seus detalhes matemáticos mais belos, porém o compreendemos? Tem algum sentido? E se não o tem, então tem em último termo, sentido o próprio universo?"

 

(Fonte: Breve Historia del Saber (La cultura al alcance de todos). Charles Van Doren. Planeta. Barcelona: 2006, p. 479-481).

 

E,

 

"Resumidamente, pode-se dizer que tudo se passa de forma que, quanto mais precisamente se medir uma grandeza, forçosamente mais será imprecisa a medida da grandeza correspondente, chamada de canonicamente conjugada.

Algumas pessoas consideram mais fácil o entendimento através da analogia. Para se descobrir a posição de uma bola de plástico dentro de um quarto escuro, podemos emitir algum tipo de radiação e deduzir a posição da bola através das ondas que ‘batem’ na bola e voltam. Se quisermos calcular a velocidade de um automóvel, podemos fazer com que ele atravesse dois feixes de luz, e calcular o tempo que ele levou entre um feixe e outro. Nem radiação nem a luz conseguem interferir de modo significativo na posição da bola, nem alterar a velocidade do automóvel. Mas podem interferir muito tanto na posição quanto na velocidade de um elétron, pois aí a diferença de tamanho entre o fóton de luz e o elétron é pequena. Seria, mais ou menos, como fazer o automóvel ter de atravessar dois troncos de árvores (o que certamente alteraria sua velocidade), ou jogar água dentro do quarto escuro, para deduzir a localização da bola através das pequenas ondas que baterão no objeto e voltarão; mas a água pode empurrar a bola mais para a frente, alterando sua posição". (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_incerteza_de_Heisenberg , acesso em: 28.11.08).

 

E,

 

"Um dos pilares da Mecânica Quântica é o princípio da incerteza de Heisenberg. De acordo com este princípio, para prever a posição e velocidade futuras de uma partícula é necessário poder medir a posição e velocidade atuais. Para se observar a partícula é necessário fazer incidir sobre ela um raio de luz, por exemplo.

Se o comprimento de onda do raio (fóton) for longo, ou seja, menos energético, perturbará menos o movimento da partícula e será possível conhecer a sua velocidade com alguma precisão. Todavia, não conseguimos determinar a posição da partícula com maior rigor do que a distância entre cristas de onda sucessivas. Sendo o comprimento de onda longo, essa distância será maior e, portanto, maior será também a incerteza quanto à posição da partícula. O oposto ocorrerá se fizermos incidir um raio com um comprimento de onda mais curto: perturbará mais o movimento da partícula (tornando mais incerta a sua velocidade), mas permitirá localizá-la com maior precisão.

O princípio da incerteza tem implicações profundas na forma como vemos o mundo. É impossível prever acontecimentos futuros com precisão, dado não ser possível medir com precisão o estado do Universo. A Mecânica Quântica prevê vários resultados possíveis para uma observação, cada um com a sua probabilidade e, portanto, informa-nos acerca das probabilidades de cada um dos futuros estados possíveis do mundo". (Fonte: http://www.dsc.ufcg.edu.br/~gmcc/mq/incerteza.html, acesso em: 28.11.08).

 

Ampliando o princípio para estendê-lo às ciências humanas, temos:

 

"HEISENBERG Werner Karl (1901-1976) é um dos mais importantes físicos alemães. Por seus trabalhos sobre a mecânica quântica recebeu o Prêmio Nobel em 1932.

Do ponto de vista filosófico, seus trabalhos contestaram o modelo determinista. Em 1927, Heisenberg formula suas ‘relações de incerteza’, que tentam regular as relações entre a previsão teórica do movimento das partículas elementares e a medição experimental.

Heisenberg mostra que uma partícula é afetada por um componente de posição e por um componente de movimento. Quanto mais se procura conhecer com precisão um desses dois componentes, mais difícil fica conhecer o outro. A localização absoluta de uma partícula acarretaria uma indeterminação total quanto ao movimento dessa partícula, e vice-versa.

Heisenberg mostrou que essa limitação do saber nada tem que ver com a imprecisão dos instrumentos de medição. As limitações quânticas do conhecimento incidem sobre qualquer experiência possível na área dos fenômenos microfísicos. A relação de incerteza é inevitável. Não é questão de dispositivo. Trata-se de um limite às nossas possibilidades de conhecimento.

Heisenberg constata que o processo de medição deve ser pensado como interação entre um objeto quântico (a partícula) e um objeto macroscópico (o dispositivo de medição). As relações de incerteza delimitam a modificação imprevisível do movimento das partículas acarretado por essa interação. A experimentação não fornece, pois, dados objetivos, mas constitui uma intervenção subjetiva do cientista no curso dos fenômenos. Logo, o conhecimento supõe um desarranjo, uma perturbação do fenômeno que ele almeja atingir. Portanto, só há conhecimento no desarranjo.

O que Heisenberg mostra é que a limitação do conhecimento já não provém dos limites do sujeito. A limitação do conhecimento constitui uma lei física cuja fórmula produzimos, demonstramos e verificamos. A limitação não é um ‘conhecimento menor’, é um conhecimento positivo, parte necessária da determinação positiva das leis dos sistemas microfísicos. [Osório diz: Ouso discordar, isso com fundamento nas teses de Górgias! Entendo, por isso, que o sujeito acaba sendo limitado, pois não é capaz de “mostrar” ou “demonstrar”, nem de “perceber”, pois é impossível provar o “diálogo” entre dois sujeitos].

Assim, Heisenberg produziu uma teoria dos dispositivos de experimentação; essa teoria pode ser estendida ao campo das ciências humanas, nas quais a relação perturbadora do pesquisador com relação ao seu objeto tem ao menos a mesma importância que nas ciências físicas. A análise da implicação do pesquisador com relação ao seu objeto se torna uma condição da pesquisa das ciências humanas. Não é possível aceitar uma proposição sociológica ou psicológica sem ter a perspectiva do lugar de onde foi emitida. Aí também, o dispositivo de pesquisa modifica o que ele estuda."

(Fonte: Dicionário dos Filósofos. Pierre Vancraeÿenest. Organizador Denis Huisman. Martins Fontes. São Paulo: 2001, p. 479-480).

 

Como se pode ver, embora sem querer dar razão aos céticos (pois até eles, contraditoriamente têm uma certeza: a de que o conhecimento é impossível, no que se chama, em lógica, de autocontradição performativa), a afirmativa de inclusão/exclusão (é ou não é científico) está longe de ser científica, pois, se a linguagem que mais se aproxima das "certezas", que se admite como científica, não é capaz sequer de medir a matéria, é melhor reciclarmos nossos julgamentos.

Como explicar, por exemplo, que uma ponte, construída com todos os cálculos matemáticos possíveis e imagináveis, caiu? Como explicar que uma nave espacial explodiu? Por que os programas da Microsoft não rodam, já que são construídos por milhares de engenheiros em linguagem matemática?

A experimentação é uma das grandes chaves do conhecimento, embora devamos também saber que experiência e resultado nem sempre dão certo. Exemplo: escravidão nos Estados Unidos.

Grandes descobertas ditas científicas ocorrem por acaso. A pólvora, pelos chineses, e o raio-x, por exemplo. Tudo a demonstrar que primeiro vem a prática, depois os esforços da teoria para justificar.

De Lucrécio já foi dito que ele "não cometeu o erro de humilhar seus leitores e seguidores, pela simplicidade" com que expôs seu pensamento. Isso me levou ao "pentelho" do Sócrates que era um chato tão grande que acabou como acabou, e sabem por quê? Por ser um irritante e inconveniente por tudo querer saber. Como seus (nossos) interlocutores não sabiam (sabem) responder aos seus desconcertantes questionamentos, deixando transparecer a máscara da ignorância, decidiram que era melhor matar quem vê que o rei está nu!

Filósofos, quando chegam ao limite de seus conhecimentos e não sabem mais explicar o assunto, começam com a embromação do falar ininteligível. Com os religiosos não se passa diferente, já que entregam o inexplicável nas mãos de deuses.

Platão acertou quando disse que o filósofo é apenas "amigo" da sabedoria (quer conhecê-la), já que ela pertence mesmo apenas à divindade, no que ele acabou por juntar-se aos religiosos e ter a acolhida que teve no cristianismo.

Não quero com isso dizer que as religiões não são necessárias, pois são, já que conseguem pôr um freio em grande número de celerados, que sem a religião não se contentariam em respeitar os demais.

Eu nunca deveria ter lido o livro Teoria do Conhecimento, de Johannes Hessen, pois ele consegue desconstruir e destruir qualquer pretensão que se tenha, até a data da leitura, de certeza do conhecimento. O livro, contudo, serve para rirmos daqueles que posam de donos da verdade, seja em seus escritos, seja nas suas palestras.

Também é um túmulo para a teoria da linguagem o livro Filosofia Aristotélica da Linguagem, de Fausto dos Santos.

As duas obras me fecharam as portas a qualquer pretensão ao saber e à admiração por quase todos os mestres que passaram pela minha vida pregando a existência da verdade. Pobre de mim!

Resta-me, contudo, a certeza pela incerteza, o que não deixa de ser um consolo, uma tábua de salvação para o oceano de dúvidas em que me encontro!

O importante, até hoje, na história do conhecimento, é saber perguntar, já que ninguém ainda conseguiu às coisas mais simples responder.

Disse tudo isso para afirmar que nossos julgamentos estão prenhes de ideologia, em que o viés político (és ou não partidário das minhas idiossincrasias?) é que determina a aceitação ou não do pensamento de outrem.

Acredita-se que o cientificismo todo acaba por dificultar inovações, em especial por parte dos novatos que ousam questionar pensamentos consagrados de nomes respeitáveis, daí decorrendo o O DESAFIO DE INOVAR O PENSAMENTO FOSSILIZADO

O academicismo, paradoxalmente, tem sido apontado, desde há muito, como um empecilho à “divulgação” de pensamento novo. Cervantes, por exemplo, ao trazer ao mundo sua obra imortal, o D. Quixote de La Mancha, se queixava de não ter nenhuma pessoa renomada na qual pudesse apoiar o seu escrito. Graças a Deus não tinha, pois deu no que deu, o Quixote está aí em plena juventude, depois de 500 anos, tendo sido eleito o melhor livro de todos os tempos.

Hoje, ao lermos qualquer obra acadêmica (monografia, na graduação; dissertação para o mestrado e tese no doutorado), bem como os livros voltados para o mundo do Direito, o que vemos é uma repetição infindável de citação de outros autores, em cujo pensamento o novo autor busca encontrar apoio para o seu próprio pensamento. Com essa prática cria-se um círculo vicioso: fulano cita cicrano, que cita beltrano, que cita fulano...

E o novo? E as inovações?

Os próprios mestres chegam a não valorizar as inovações, isso quando leem os trabalhos de seus orientandos. Costumam, simplesmente, recomendar a supressão das partes que não estejam asseguradas por autoridade de autor renomado.

É claro que é muito difícil criar, embora não seja impossível. Podemos constatar essa dificuldade desde os primeiros escritores gregos, que também expunham seus pensamentos sempre contrapondo-os aos pensamentos de outros gregos. Zenão, com seus paradoxos, nada mais fazia que combater as teses que defendem o movimento e a multiplicidade dos seres, ou seja, valia-se, aí, também dos pensamentos dos outros, embora para contradizê-los.

Como sair desse círculo?

Creio que isso deva ser buscado com a aceitação do novo, do diferente, e até do absurdo. O que, reconheço, não é fácil, principalmente no último caso. Mas Galileu Galilei não disse o “absurdo”, quando asseverou que a terra não era o centro do universo?

Uma questão de difícil resolução é, também, saber o que é o novo, principalmente na exposição de pensamentos. É que, inúmeras vezes, acreditamos, com a mais pura honestidade intelectual, estar dizendo algo inovador, absolutamente ímpar, original, quando, na verdade, estamos, simplesmente, repetindo o que outro pensador já dissera há bastante tempo! É uma frustração, embora reste-nos o consolo de sabermos que pensamos igual a outrem, sem que do pensamento dele tivéssemos conhecimento. Isso é mais comum do que se imagina.

Outro fator de inibição da exposição de pensamentos na cultura latina, acredito, deve-se, ainda, a Cervantes, que impregnou a mente de muitos com a afirmativa genial para seus propósitos quixotescos, mas verdadeiramente tola para a vida, que estudar (ler) muito pode ser causa de loucura, já que o Quixote ficou louco de tanto ler!

Na verdade o cérebro, que funciona como um winchester (disco rígido) de um computador, dele se diferencia, dentre vários outros aspectos, pela sua capacidade infinita de armazenar dados (informações).

Logo, podemos ler a vontade e o quanto pudermos, sem medo de enlouquecer, pois é a leitura a principal fonte a exercitar a criatividade. É lendo que somos despertados para a abordagem de aspectos de determinado assunto até então não abordado, ou mesmo para assuntos totalmente inéditos.

Aos leitores, sugerimos paciência e perseverança na leitura dos escritos a fim de que conheçam o pensamento do expositor, bem como que exerçam a crítica sobre o material lido, pois somente assim aqueles que escreveram serão despertados para aspectos que não abordaram ou que abordam de forma equivocada ou, ainda, obscura, ou apenas por determinado ângulo, quando é possível abordá-lo por vários.

Muitas vezes pensadores abrem determinados caminhos, mas a eles, quando começam a “sair de controle” por causa de outros que resolvem continuá-los nas suas possibilidades, acabam vetando tais inovações, como a impor limites ao pensar!

Ainda não conheci nenhum autor que tenha conseguido fechar o seu pensamento. Mesmo quando ele, honestamente, acredita que tenha conseguido, logo em seguida aparece alguém mostrando onde o barco faz água.

É o limite que eu chamaria de natural do pensar, já que o pensamento humano parece que jamais estará completo, como demonstram mais de dois mil e quinhentos anos de história registrada.

Até aí tudo bem, mas existe algo mais engraçado que é o seguinte: alguns pensadores querem frear o seu pensamento quando outro o leva adiante e esse desenvolvimento não mais interessa ao pensador original (que o iniciou)! E isso é mais claro quando o desenvolvimento faz com que o pensamento se volte contra a tese do seu próprio criador.

Vejamos alguns exemplos:

Primeiro: dizem que o Comando Vermelho (CV) – organização criminosa carioca que espelhou o Primeiro Comando da Capital (PCC) paulista –, teve sua organização elaborada por presos políticos que foram colocados nas mesmas prisões e celas dos criminosos comuns. Estes aprenderam com aqueles como deveriam se organizar. E assim o fizeram.

Quando o CV passou a usar tais conhecimentos devidamente organizado em suas atividades, a sociedade, e até os presos políticos, começaram a condenar o que era fruto de seus ensinamentos!

Segundo: em São Paulo, especialmente, alguns grandes escritórios de advocacia costumam pagar os estudos de pós-graduação de pessoas (advogados) a eles ligados. Depois, esses profissionais entram no serviço público e vão, de certo modo, retribuir os custos dos seus estudos, exatamente adotando as teses de seus antigos escritórios, que, regra geral, é a de que “todos os tributos são inconstitucionais”.

Observando as práticas advocatícias, organizações criminosas passaram, com a febre das Universidades particulares, a pagar por estudo de jovens das suas “comunidades” (favelas) para que eles, no futuro, já advogados, passassem a defender o crime que lhes tinha financiado os estudos.

Sociedade e advogados passaram a condenar isso, mas aí vem a pergunta: com que moral? Melhor, com que lógica?

Em ambos os casos, as pessoas somente deram sequência a pensamentos que não foram por elas criados. Puseram em prática o pensamento (ação) de outrem e o levaram às últimas consequências.

Nos dias que corre, estamos assistindo a dois casos emblemáticos no sentido do sobredito.

Hoje tudo virou bullying (“nome novo para uma antiga realidade”, Sérgio Telles [OESP, 16 de abril de 2011]). Todos se dizem vítimas do tal bullying. Entretanto, muitos entendem que de tal escudo protetor somente se podem valer os fracos e oprimidos.

Bastou que o senador Roberto Requião dissesse que estava sendo vítima de bullying por parte da imprensa para passar a ser motivo de chacota!

Ou seja, o senador apenas deu azo ao que a imprensa alardeia de modo quase irresponsável.

Mas aí não vale!

O outro exemplo vem de que, quem não se contenta com as decisões da Justiça brasileira, e nisso quase todos nós concordamos, imediatamente leva o caso para à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). Todos podem fazer isso.

Todos não!

Bastou que dois (Breno Fishberg e Enivaldo Quadrado) dos ditos “mensaleiros” levassem seus casos para a OEA que a brincadeira perdesse a graça!

Eles não podem!

Mas não foram vocês que hoje dizem que o senador e os mensaleiros não podem que inventaram o jogo que eles querem jogar?

O mesmo vale para o tal de assédio moral. Era bom quando eu o usava contra os outros (geralmente adversários ideológicos), agora que os outros estão usando contra mim, a coisa não é bem por aí!

Ou seja, como passou a ser contra mim o “meu feitiço”, melhor dizer que não vale assim! Que não vale mais! Que o jogo acabou, pois sou o dono da bola!

Portanto, isonomia (tratar todos igualmente) e tudo mais daí decorrente vai para os ares, o importante é o autor “salvar” sua reputação, não importando o preço que tenha que pagar por sua incoerência.

A mim resta um último trago da cerveja!

Mas será que ainda resta algo a ser pensado?

Realmente, em especial se olharmos para os gregos, parece que tudo já foi pensado, sendo difícil qualquer inovação no pensamento, pois os germes já estão lá na Grécia desde de muito tempo, restando aos que vieram depois apenas desenvolvê-los e atualizá-los. Daí a dificuldade no quesito Originalidade.

"Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas." (Paulo Teixeira Pinto).

Um amigo me contou, sem citar a fonte, a seguinte história:

 

Roberto Campos sempre citava algo dizendo que o tinha dito um tal sábio chinês de nome esquisito que ele pronunciava. Certo dia, um jornalista que sempre o acompanhava, fez com ele o seguinte comentário: ‘Ministro, o senhor conhece muito da cultura chinesa, pois está sempre citando um sábio chinês!’. Ele retrucou: ‘Meu filho, na verdade em não conheço nada da cultura chinesa, mas imagine o seguinte: a China tem mais de cinco mil anos de história, tem, hoje, uma população de dois bilhões de pessoas, não é possível que alguém por lá não tenha dito o que eu afirmo que o tal sábio disse’”.

 

Esse episódio me remeteu a um outro: eu sempre tenho algumas ideias que julgo originais. Tempos depois as descubro citadas em livros bem mais velhos que eu em idade ou, até, em livros mais recentes da época em que pensei! Meu amigo vive me cobrando, em tom de pilhéria, que registre minhas ideias.

Certo é que é meio alegre e constrangedor quando vemos alguém escrever, ou já ter escrito, coisas que pensávamos que só nós pensávamos. E não estou falando sobre plágio, pois, realmente, não tínhamos nenhum contato anterior com a obra do nosso coirmão em pensamento.

Uma professora me disse, sobre isso, que as ideias estão vagando no ar e, de vez em quando, alguém, no Brasil ou na China ou em qualquer outro lugar, as puxa. Pode ocorrer de dois puxarem ao mesmo tempo. Como isso é meio platônico, e eu passei a quase detestar o pensamento do filósofo grego, especialmente depois que o cristianismo o difundiu e nos prendeu na camisa de força das palavras e ideias que inventamos, prefiro acreditar que essa coincidência de ideias decorre do “inconsciente coletivo”, do fato dos homens costumarem a viver as mesmas experiências em lugares tão diversos um dos outros quanto, por exemplo, Índia e Suíça. É que a cor vermelha, por exemplo, é vermelha tanto lá quanto cá. Assim, quem fizer um poema sobre o vermelho, pode usar ideias iguais em ambas as partes do mundo, pois o aumentativo de vermelho (vermelhão) será plenamente similar.

Desde que me enveredei pelo mundo da filosofia grega, percebi que a atualidade é apenas uma atualização do passado, como indica a própria palavra!

Exemplo? Tente fazer filosofia, ou falar sobre filosofia, excluindo os gregos!

Tenho dito que: os gregos inventaram a fotografia, os que vieram depois apenas a coloriram! (Eles podem até não ter sido originais, mas os babilônicos não registraram seu saber!).

Antes eu caminhava pelas trilhas do Direito, e o que via lá não difere do que vejo hoje em todos os quadrantes do saber dos quais me aproximei: tudo é uma simples repetição do que alguém já disse há milhares de anos, apenas com uma roupagem nova, é a repaginação ou a releitura!

Cervantes já tinha observado isso: o desejo de quem escreve de arranjar alguma “autoridade” na qual possa fundamentar seu próprio pensamento, assim o entendemos mais forte, por alguém já tê-lo dito!

O advento da internet torna isso mais patente.

Encontramos, por exemplo, alguns textos em prosa ou em versos, que são realmente lindos e dignos de serem lidos e cultuados, e que são atribuídos a renomados autores, mas, quando vamos conferir, descobrimos, espantados, que os textos não são de autoria daqueles que constam como seus autores! Alguns leitores ficam desolados, eu, ao contrário, fico com o texto em si, pois eles têm vida própria. Sem contar que alguns canalhas já escreveram textos fantásticos, por isso não podemos confundir obra e autor.

Dizem (faz muito tempo que li, e não guardei a fonte!) que Khalil Gibran Khalil era um sovina de marca maior!

Sobre as malandragens e mesquinharias de Pablo Neruda temos o livro de Jurema Finamour (“Pablo e Dom Pablo”). É um libelo acusatório!

Por que alguém que escreve textos maravilhosos prefere atribuí-los a alguém já famoso? Mistério...

Quem vive da arte de escrever – e eu as vezes me arrisco a fazer alguns rabiscos poéticos –, já tinha percebido: não é nós que fazemos poesias, é a poesia que se faz em nós!

Uma vez fiz um poema para uma pessoa admirada. Ela gostou e, no dia seguinte, estávamos num shopping em Manaus e ela me pediu que eu lhe fizesse outro poema. Peguei papel/guardanapo e caneta e tentei, mas não estava inspirado e a poesia não veio. Ela insistiu (me chicoteou com palavras ao me pressionar) e eu, mesmo querendo fazer um poema para agradá-la não fui além de seu nome no que seria o projeto do meu futuro acróstico que não aconteceu. Ela ficou frustrada, e eu também.

Dia desses, lendo alguém com mais experiência, Ferreira Gullar, que deve estar também repetindo alguém mais experiente, ao falar sobre “criação poética”, disse ele:

 

O poema não tem plano. Escrevo meio cego. É uma descoberta passo a passo, algo que vai sendo revelado a mim mesmo a cada momento. Eu nunca presto atenção no modo como construo um poema. O poema, para mim, é a grande aventura de como fazer. Costumo dizer em palestras para estudantes que, quando vou escrever um poema, a página está em branco, e isso significa que todas as possibilidades estão abertas, são infinitas. No momento em que sorteio uma palavra, reduzo as possibilidades, o acaso é menor. Mas não sei o que vai acontecer.”.

 

Agora, acabo de ler o seguinte:

 

Insiste em ti mesmo

 

Insiste em ti mesmo; nunca imites. A todo o momento, podes exibir o teu próprio dom com a força cumulativa de toda uma vida de estudo; mas do talento imitado de outro tens apenas posse parcial e momentânea. Aquilo que cada um sabe fazer de melhor só pode ser ensinado por quem o faz. Ninguém sabe ainda o que seja, nem o pode saber, enquanto essa pessoa não o demonstrar. Onde está o mestre que pudesse ter ensinado Shakespeare? Onde está o mestre que pudesse ter instruído Franklin, ou Washington, ou Bacon, ou Newton? Todo o grande homem é único.”. Ralph Waldo Emerson, in Essays’".(Fonte: http://www.citador.pt/pensar.php?op=10&refid=200703220905&author=44, em 13.03.11).

 

Uma leitora, Manuela Silva, comenta o sobredito:

 

Todo o grande homem é único’ e todo o pequeno também é único, e cada pessoa é única. Pena é que, hoje em dia, mais do que no tempo de Emerson, muita gente se queira imitar, e mais pena ainda é que se queira imitar nos menores e nos mais baixos interesses.”.

 

Ainda bem que a Manu, sabiamente, resolveu não generalizar, pois alguns buscam imitar nos maiores e mais altos interesses.

Isso tudo me remete ao problema dos Direitos autorais.

Afinal, a quem pertence a exploração de uma obra de arte?

Li, há algum tempo, algo sobre o “horroroso” herdeiro de James Joyce, que nunca produziu nada mas vive da herança maldita do pai (Maldita? Quem tentar ler o tal de Ulisses, saberá a razão do uso do termo).

A obra Ulisses, pertence a Joyce ou a Homero?

Não é sabido que o escocês se inspirou na Odisseia do grego?

O fato do mais novo ter feito uma releitura o torna dono do que antes era de todos, isso não é uma apropriação indébita? Todos não temos o direito de saber onde Joyce copiou as ideias de Homero?

Um outro grego, Anaxágoras de Clazômenas, já afirmou que: mesmo no mais branco floco de neve, está presente uma ínfima semente da cor preta, já que em cada coisa há uma porção de cada coisa...”).

Parece que isso ocorre também em literatura. Vejamos:

Os romances “Judas”, de Carlos Heitor Cony, “O cantor de tango”, de Tomás Eloy Martinez, “Justine”, de Lawrence Durrell e, “Dois irmãos”, de Milton Hatoum, têm um fio condutor comum, a existência, em todos eles, de “um dedo duro”!

O escritor que escreveu primeiro poderia processar ou demais por violação de direitos autorais?

Meu conhecimento vai só até Durrell, o que publicou por primeiro, mas será que ele não se inspirou em outro(s)?

A vida é muito curta para tanta literatura, como podemos dizer parafraseando Protágoras (“Sobre os deuses, nada posso afirmar, nem que existem nem que não existem, pois esse é um assunto muito complicado, e a vida é muito curta.”)!

Hoje, mesmo que eu viva três vezes mais que o Oscar Niemayer, que morreu com mais de 100 anos, não serei capaz de ler todos os livros do meu acervo bibliográfico, isso eu lendo vinte e três horas por dias, 7 dias por semana etc.

De tudo isso quero deixar duas coisas, a partir de Emerson:

- insistamos em nós mesmos, quem sabe...

- eu não sei onde estão os mestre que ensinaram Shakespeare, Franklin, Washington, Bacon e Newton, mas posso afirmar o seguinte: eles não criaram a partir do nada, antes deles já tinha toda um manancial de sabedoria consolidado ao longo dos milênios. Exemplo básico: o “ser ou não ser” não é shakespiriano, mas do grego Parmênides, e assim por diante.

Aliás, nem sequer sabemos se o tal Shakespeare existiu, e essa razão nos leva a afirmar que a obra é bem maior que seu autor, levando mesmo a concluir, nesse instante, que ela existe por si mesma, está flutuando no ambiente da convivência, só faltando quem a possa observar e fixar no papel.

Papel?

Acorda, rapaz, estamos no mundo digital, me dirá alguém.

Portanto vitória dos Sofistas nesse round!

Mas vamos a outros pensamentos corroboradores dos pensamentos de Górgias:

 

A crença derradeira é acreditar numa ficção, que você sabe ser ficção, nada mais além disso; a espantosa verdade é saber que se trata de uma ficção, e que você acredita nela por vontade própria.”. (Fonte: Wallace Stevens, Revista Língua Portuguesa, Ano 9, nº 96. Outubro de 2013, Editora Segmento, p. 5).

 

É a essa crença que nos leva Górgias!

Górgias, até pelo material que dispomos, será o grande manuseador do lógos, das palavras, do discurso, da retórica, finalmente.

Se a psicanálise sustenta que Édipo sofre do complexo de Édito, pode-se afirmar que a Fábulas chinesas, abaixo é gorgiana, se tiver sido composta antes de Górgias!

 

A felicidade dos peixes Zhuangzi

 

Um dia Zhuang Zi e Hu Zi estavam atravessando uma ponte sobre um rio. Zhuangzi olhou para as águas e disse:

- Olha como os peixes estão nadando felizes! Huizi ficou surpreso:

- Como você sabe que eles estão felizes? Você não é um peixe!

Zhuangzi não deixou por menos:

- E você não é eu. Como sabe que eu não sei que os peixes estão felizes?

A situação pareceu complicar-se.

- Claro que eu não sou você - falou Huizi - e eu não sei o que você pensa. Mas tenho certeza de que você não é um peixe. Assim, não sendo peixe, nunca poderá saber se o peixe está nadando feliz.

Zhuangzi esperou que Huzi acabasse de falar, permaneceu em silêncio por instantes e disse, como se encerrasse a conversa:

- Veja bem, quando você me perguntou como eu sabia que os peixes estavam felizes, já sabia que eu sabia que os peixes estavam felizes. E eu tinha certeza disso através de meus sentimentos, observando os peixes do alto da ponte. (Fábulas Chinesas, organização e tradução Sérgio Capparelli & Márcia Schmaltz, L&M, Porto Alegre, 2007, p. 35).

 

A despeito do que já se consignou sobre verdade, Górgias nos obriga a sempre voltar a esta questão, pois ele é o autor que contesta, diretamente, a possibilidade de sua existência.

 

Verdade” (definição): Estoicos e epicuristas continuam admitindo que a verdade é a correspondência entre o conhecimento e a coisa. (Sexto Empírico, Adv. math., VIII, 38; II, 9).

 

Hegel dizia: "A ideia é a verdade: porque a verdade é a correspondência entre a objetividade e o conceito. Não no sentido de que se as coisas externas correspondem às minhas representações: estas são, nesse caso, apenas representações exatas que eu tenho como indivíduo. Mas no sentido de que todo o real, enquanto verdadeiro, é a ideia e só tem verdade por meio da ideia e nas formas da ideia" (Enc., § 213). Em outros termos, a Ideia é "a objetividade do conceito", a racionalidade do real, mas à medida que se manifesta à consciência na sua necessidade, ou seja, como saber ou ciência (System der Philosophie, ed. Glockner, I, p. 423; Wissenschaft der Logik, ed. Glockner, II, p. 275): e o saber e a ciência são a automanifestação da Ideia, vale dizer, sua autêntica e completa revelação.

Mas existem outras verdades: as criadas, como são as jurídicas, por exemplo. Nessa se não se conseguir provar, o ladrão, mesmo sendo ladrão, é declarado inocente (e ninguém nem usa o “declarado inocente juridicamente”).

Entende-se que aos Sofistas não interessa a verdade, pois entenderam eles, desde logo, a impossibilidade de sua existência, portanto, que essa ideia e a busca por ela deveria ser abandonada, além de não assumirem nenhum compromisso para prová-la. Pode-se dizer que o que os orienta é: não sabemos a verdade, mas podemos provar que o que você tem como ou por verdade não é verdade, que você está errado. Nós não sabemos o que é a verdade, nem podemos construir uma, apenas destruir as que forem construídas, inclusive essa nossa aparente verdade de que podemos destruir todas as verdades, pois não sabemos até quando ela se imporá, se é que ela se impõe. Nossa verdade é mutante, fluída, somente vale enquanto não surgir outra melhor, sempre possível, desejável e a caminho. Portanto, não nos cobrem a verdade, cobrem a vocês mesmos que admitem sua existência. Não queiram nos dar um encargo que é de vocês, senhores donos da verdade.

Podemos dizer que os Sofistas foram os primeiros desconstrutores e não Derrida?

Sócrates, dizem, era técnico em inverter as coisas: queria que os outros provassem o que ele dizia que sabia sob o manto do “só sei que nada sei”. Todos seus seguidores são unânimes em dizer que ele, Sócrates, sabia, no mínimo que sabia perguntar, e é com perguntas que se pode destruir qualquer verdade!

Não podemos esquecer que as palavras podem funcionar, e funcionam, como verdadeiras barreiras a impedir tanto que delas se sai, como a impedir ações materiais da vida. Podemos citar como exemplo a placa onde está escrito: Proibido ultrapassar. Por ali, onde a placa estiver aposta, inúmeras pessoas deixarão de passar em obediência as palavras escritas, numa demonstração de que ela, a escrita, funciona! Mesmo que a placa tenha sido colocada por assaltantes para que ninguém impeça suas ações. Algumas pessoas não ultrapassam mesmo! Outro exemplo é a tarja de “Confidencial” apostar sobre o que é público. Como confidencial se é público? E continua a funcionar para muitos!

Teríamos aí a verdade da mentira!

E os que mentem e os outros que creem nessa mentira?

Como saber a verdade quando das “mentiras solenes”, como posses em cargos, casamentos etc., onde as maiores mentiras recebem o beneplácito da verdade? Alguém pode dizer: as mentiras-verdades valem naquele momento, trazem em si a cláusula “rebus sic stantibus” (cujo significado pode ser: “enquanto as coisas permanecerem desse jeito, assim será, mas, mudadas as condições, o jeito será outro”). Mas há de se perguntar: então a verdade tem local e prazo de validade?

Poucos são também aqueles que trabalham com a noção de verossimilhança, em vez de verdade, embora ela seja a mais usada e adequada para a vida.

Assim, aos que querem nos impor verdades, podemos contra eles usar as palavras do poeta:

 

Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: "vem por aqui!" (Fonte: José Régio, Cântico Negro).

 

Nalguns casos chega-se a afirmar que a verdade é inconveniente, como seria o caso de uma pessoa que sequer soubesse “mentir socialmente”, dizendo tudo, em relação a todos, o que pensa, do corte de cabelo ao sapato, passando por roupa e cor da pele etc.

Assim é que temos uma inconveniência da verdade!

Numa iniciativa inédita na história do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, cobrou dos presidentes das três principais associações de juízes maior responsabilidade em suas reivindicações e manifestações públicas. ‘Os senhores não representam o Conselho Nacional de Justiça. Os senhores não representam o Superior Tribunal de Justiça. Os senhores são representantes de classe. Só isso’, disse ele.

O motivo da reprimenda foi a Emenda Constitucional que cria quatro novos Tribunais Regionais Federais (TRFs), aprovada pelo Congresso. A mais alta Corte do País era contra essa medida, que praticamente duplica a segunda instância da Justiça Federal. Apesar disso, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho se mobilizaram em favor da PEC, que foi aprovada sem que órgãos de cúpula do Judiciário fossem ouvidos pelo Congresso.

Para Joaquim Barbosa, a PEC foi aprovada graças a ‘pressões feitas na surdina por entidades que não representam a Nação, mas apenas interesses corporativos’. O ministro também acusou as associações de juízes de induzirem os parlamentares a aprovar uma medida ‘irresponsável’, pois a criação dos TRFs não tem justificativa técnica e aumenta as despesas de custeio da Justiça Federal em mais de R$ 1,3 bilhão. Na audiência com o presidente do STF, os dirigentes das associações cometeram a imprudência de levar acompanhantes - e quando um deles tentou justificar a expansão da Justiça Federal, Barbosa passou-lhe uma descompostura. ‘A Constituição não dá poderes à Ajufe. Isso não faz parte das exigências constitucionais. Não confunda a legitimidade que o senhor tem como representante sindical com a legitimidade dos órgãos de Estado. Órgãos importantes do Estado não se pronunciaram sobre a PEC. Vocês participaram de forma sorrateira na aprovação dela’, disse o ministro.

No STF, como nos demais Poderes, as audiências costumam ser fechadas. Quando autorizou a presença da imprensa nesse encontro, Joaquim Barbosa pretendia que suas críticas ao corporativismo da magistratura fossem ouvidas por todos seus 17 mil integrantes. O ministro também não fez questão de esconder sua irritação com a Ajufe. Às vésperas da votação da PEC, a entidade distribuiu uma nota informando que o número de juízes federais de 1.º grau cresceu 668%, nos últimos quinze anos, enquanto o número de desembargadores aumentou 89%.

O presidente do STF chegou a encaminhar aos dirigentes do Congresso um ofício refutando essas informações e afirmando que o aumento das despesas da Justiça Federal fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. Advertiu para o risco de inchaço do Judiciário. E lembrou que os cinco TRFs já existentes têm 36,4 mil servidores - quantidade que classificou como ‘exagerada’. Na audiência com os presidentes das associações de juízes, Barbosa aumentou o tom das críticas, afirmando que, além de serem instalados ‘em resorts e praias’, os novos TRFs ‘darão emprego pelo quinto constitucional’.

O Executivo - que também era contrário à PEC - invocou argumentos semelhantes, classificando como ‘incalculáveis’ as despesas que os novos TRFs vão acarretar. Pelas estimativas do presidente do STF e do site Contas Abertas, feitas com base nas despesas dos cinco tribunais já existentes, os novos tribunais custarão de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões, uma vez que, além das contratações de milhares de servidores, haverá a aquisição de sedes e veículos para desembargadores.

São despesas desnecessárias. Como lembrou Joaquim Barbosa, para desafogar a segunda instância bastaria à Justiça Federal instalar Câmaras Regionais ligadas aos TRFs já existentes - medida prevista pela Constituição. Além disso, como a Emenda n.º 45 introduziu vários mecanismos processuais para reduzir o número de recursos nas instâncias superiores do Judiciário, qual o sentido de aumentar o número de TRFs, se a tendência é de redução da carga de trabalho dessas cortes?”. (Fonte: O Estado de S.Paulo, 10.04.13.).

Esse linguajar claro e direto repercutiu bastante e custou críticas contundentes ao seu autor.

 

E,

 

Temos um outro exemplo na matéria “Lula e a falta de ética”.

 

Sob o comando de Lula, o PT antecipou o início da campanha presidencial, cuja eleição se realiza daqui a 17 meses, de modo que tudo o que as lideranças do partido e do governo fazem e dizem deve ser considerado de uma perspectiva predominantemente eleitoral. E desse ponto de vista ganham importância as mais recentes declarações do chefe do PT que, do alto de seu irreprimível sentimento de onipotência, anda sendo acometido por surpreendentes surtos de franqueza. No lançamento de um livro hagiográfico dos 10 anos de governo petista, Lula garantiu que não existe político ‘irretocável do ponto de vista do comportamento moral e ético’. ‘Não existe’, reiterou. Vale como confissão.

Lula está errado. O que ele afirma serve mesmo é para comprovar os seus próprios defeitos. Seus oito anos na chefia do governo foram de uma dedicação exemplar à tarefa de mediocrizar o exercício da política, transformando-a, como nunca antes na história deste país, em nome de um equivocado conceito de governabilidade, num balcão de negócios cuja expressão máxima foi o episódio do mensalão.

É claro que Lula e o PT não inventaram o toma lá dá cá, a corrupção ativa e passiva, o peculato, a formação de quadrilha na vida pública. Apenas banalizaram a prática desses ‘malfeitos’, sob o pretexto de criar condições para o desenvolvimento de um programa ‘popular’ de combate às injustiças e à desigualdade social. Durante oito anos, Lula não conseguiu enxergar criminosos em seu governo. Via, no máximo, ‘aloprados’, cujas cabeças nunca deixou de afagar. O nível de sua tolerância com os ‘malfeitos’ refletiu-se no trabalho que Dilma Rousseff teve, no primeiro ano de seu mandato, para fazer uma ‘faxina’ nos altos escalões do governo.

O que Lula pretende com suas destrambelhadas declarações sobre moral e ética na política é rebaixar a seu nível as relativamente pouco numerosas, mas sem dúvida alguma existentes, figuras combativas de políticos brasileiros que se esforçam - nos partidos, nos três níveis de governo, no Parlamento - para manter padrões de retidão e honestidade na política e na administração pública.

O verdadeiro espírito público não admite mistificação, manipulação, malversação. Ser tolerante com práticas imorais e antiéticas na vida pública pode até estigmatizar como réprobos aqueles que se recusam a se tornar autores ou cúmplices de atos que a consciência cívica da sociedade - e as leis - condenam. Mas não há índice de popularidade, por mais alto que seja, capaz de absolver indefinidamente os espertalhões bons de bico que exploram a miséria humana em benefício próprio. Aquela tolerância, afinal, caracteriza uma ofensa inominável não só aos políticos de genuíno espírito público que o País ainda pode se orgulhar de possuir, como à imensa maioria dos brasileiros que na sua vida diária mantêm inatacável padrão de honradez e dignidade.

Não é à toa que as manifestações públicas de Luiz Inácio Lula da Silva, além das manifestações de crescente megalomania, reservam sempre um bom espaço para o ataque aos ‘inimigos’. A imagem de Lula, o benfeitor da Pátria, necessita sobressair-se no permanente confronto com antagonistas. Na política externa, são os Estados Unidos. Aqui dentro, multiplicam-se, sempre sob a qualificação depreciativa de ‘direita’. Mas o alvo predileto é a mídia ‘monopolista’ e ‘golpista’ que se recusa a endossar tudo o que emana do lulopetismo.

Uma das últimas pérolas do repertório lulista é antológica: ‘Acho que determinados setores da comunicação estão exilados dentro do Brasil. Eles não estão compreendendo o que está acontecendo’. Essa obsessão no ataque à imprensa, que frequentemente se materializa na tentativa de impor o ‘controle social’ da mídia no melhor estilo ‘bolivariano’ - intenção a qual a presidente Dilma, faça-se justiça, tem se mantido firmemente refratária -, só não explica como, tendo a conspirar contra si todo o aparato de comunicação do País, o lulopetismo logrou vencer três eleições presidenciais consecutivas. O fato é que Lula e seus seguidores não se contentam com menos do que a unanimidade. (Fonte: O Estado de S. Paulo, 17.05.13).

 

E,

 

Tem-se, ainda as Falas irresponsáveis:

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, endossou o que a grande maioria dos brasileiros acha do Congresso Nacional e dos partidos políticos. O Congresso, disse ele segunda-feira em palestra na faculdade onde leciona, em Brasília, é ineficiente e inteiramente dominado pelo Poder Executivo. Isso porque os partidos são de mentirinha, desprovidos de consistência doutrinária e querem o poder pelo poder. No mesmo dia, uma ministra de Estado, Maria do Rosário, titular da Secretaria dos Direitos Humanos, escrevendo no Twitter, culpou a oposição pelos boatos sobre a extinção do Bolsa-Família que no fim da semana levaram centenas de milhares de pessoas em pânico aos postos de pagamento da Caixa Econômica Federal em 13 Estados, em meio a tumultos e depredações.

A fala do ministro e a mensagem da ministra, em que pesem as óbvias diferenças entre eles na ordem das coisas - sem esquecer que o primeiro enunciou um punhado de prováveis verdades, enquanto a segunda fez uma acusação sem provas -, se caracterizam, ambas, pela irresponsabilidade. O caso de Barbosa é o mais grave. O presidente da mais alta instância do Judiciário simplesmente não pode dizer em público o que pensa das demais instituições em que se estriba o Estado Democrático de Direito e a ordem republicana do País. Pouco importa se a sua avaliação tem fundamento. Seria um escândalo se, por exemplo, o presidente do Congresso saísse a criticar o sistema de decisões do STF e a integridade de seus componentes. Jamais o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, a qual serviu de paradigma para a congênere brasileira, se permitiria a incontinência de verberar as mazelas do Capitólio e dos políticos que nele têm assento.

O comportamento de Barbosa contém ainda duas agravantes. Em primeiro lugar, devido à sua conduta no julgamento do mensalão, ele conquistou entre a opinião pública prestígio decerto sem precedentes entre os seus pares, a ponto de ser falado como o presidente da República ideal para o Brasil. O eco de seus pronunciamentos, naturalmente, é proporcional ao apreço de que desfruta. Em consequência, a esta altura não serão poucos os que, além de verem respaldado o seu desdém pelos políticos, devem estar aplaudindo a franqueza do ministro, sem se dar conta da transgressão institucional que cometeu. A segunda agravante é o efeito ‘gasolina no fogo’ das palavras de Barbosa. Congresso e STF, como se sabe, andaram-se estranhando mais do que de costume nas últimas semanas.

Horas depois de a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovar o vingativo projeto de um deputado petista para usurpar poderes que a Constituição confere ao Supremo, como cláusula pétrea, o ministro Gilmar Mendes acolheu o pedido de um senador para sustar a tramitação de uma proposta que dificulta, na prática, a criação de novos partidos. As tensões diminuíram com a decisão do presidente da Câmara de enterrar o projeto provocador e a promessa de Gilmar Mendes de submeter em breve a sua liminar ao plenário do STF. Agora, as observações de Barbosa deram azo a que o vice-presidente da Câmara, o petista André Vargas, o atacasse com alegações toscas. O titular da Casa, Henrique Alves, por sua vez, considerou a manifestação do ministro desrespeitosa e prejudicial à harmonia entre os Poderes.

Barbosa retrucou que falara como acadêmico, sem emitir juízos de valor. Teria sido apenas um ‘exercício intelectual’. Membros do STF não vestem ou tiram a toga quando lhes aprouver. Ela está como que colada à sua pele. Obriga-os a calar sobre política quando esta não transborda para o âmbito de suas funções. E, se a referência a partido ‘de mentirinha’ não é um juízo de valor, o que mais poderá ser? Guardadas as proporções, a defesa de Barbosa se equiparou à da ministra Maria do Rosário. Depois de enquadrada por ordem da presidente Dilma Rousseff por ter atribuído os boatos sobre o fim do Bolsa-Família a uma ‘central de notícias da oposição’, ela voltou ao Twitter para se retratar: “Não tenho nenhuma indicação formal da origem dos boatos”. O que teria feito, acrescentou pateticamente, foi expressar uma ‘singela opinião’. (Fonte: O Estado de São Paulo, 23.05.13.).

 

É que a palavra é o material mais tenaz, duro, resistente, não quebradiço, informe, invisível, pesado, cortante a ser manejado e transformado!

Quem quer que com ela se depare, terá que ter em si qualidades que foram espalhadas entre vários!

 

Do pintor terá que ter o pincel.

Do pedreiro a colher e o prumo.

Do carpinteiro o serrote e a plaina.

Do escultor o cinzel.

Do joalheiro a lima.

Do engenheiro a régua.

Do astrônomo o compasso.

Do carregador o guindaste.

 

Mas não bastam os instrumentos, a eles tem que se juntar o fundamental: o talento para manuseá-los, pois é este que será o arremate do uso perfeito.

Mas a proximidade da perfeição é só o início, pois a necessidade do trabalho é contínua e ininterrupta, assim, jamais será suficiente o plainar, o lixar, o esmerilar, o envernizar, o polir, pois embora esse conjunto de atividade aponte para a perfeição, esta, como disse Salvador Dali, “é inalcançável”!

  1.  

  2. Disso tudo comprovamos a difícil arte de “manusear” as palavras.

A algum tempo, por intermédio de Tercio Sampaio Ferraz Jr., venho percebendo como é difícil a arte de manusear as palavras, se é que isso é possível.

O sofista Górgias, por exemplo, era taxativo ao afirmar a impossibilidade da comunicação. Dizia ele que o homem é incapaz de comunicar conhecimentos adquiridos por seus próprios sentidos entre eles mesmos. Afirmava que as palavras não podem transmitir à audição, por exemplo, um conhecimento adquirido pela visão.

Dizia o sábio que: o ente não existe, se existir é impossível conhecê-lo, e se chegar a existir e for possível conhecê-lo, é impossível comunicar esse conhecimento a outrem!

Keynes fez uma afirmação:

 

As palavras devem ser um pouco selvagens, para que sejam o ataque do pensamento ao não pensado” (ou "Words must be a little wild, for they are the assault of thoughts on the unthinking"). Fonte: http://www.ross.ws/sg.php?f=fun/quotes/writing.html).

 

Tal frase recebeu duas versões em português:

 

"As palavras precisam ser um pouco selvagens, pois representam o ataque do pensamento contra aqueles que não pensam".

 

E,

 

As palavras devem ser um pouco selvagens, porque são ataques dos pensamentos ao não-pensado”.

 

Martin Heidegger, mais delicadamente, dirá que a “fala é expressão e comunicação sonora de movimentos da alma humana”. E acrescenta: “a expressão do homem é uma representação e apresentação do real e do irreal”.

Pois bem! Se temos todas essas dificuldades, por que e como conseguimos sobreviver e nos “comunicar”?

Pragmaticamente conseguimos, mas sempre com ruídos, diria alguém. O problema estará no emissor (ou destinador) ou no receptor (ou destinatário) ou no referente (constituído pelo contexto, pela situação e pelos objetos reais aos quais a mensagem remete) ou no canal de comunicação ou na mensagem ou no código usado. Vejam quantas dificuldades existem e que teriam que ser superadas para se debelar os chiados!

É o que aconteceu aqui e vive a acontecer comigo! (creio que não é diferente com os demais).

Recentemente tive o prazer de reencontrar, pessoalmente, com um colega com quem fui falar sobre algo que “batizei” de “kit concurso”, que nada mais é que a indicação de livros a serem estudados por quem vai submeter a determinado concurso público.

O colega me disse que tinha ficado chateado comigo por eu ter dito, após a divulgação da prova objetiva de Direito Constitucional, no qual ele é examinador, que iria “ficar rico”!

Afirmou que não li seus livros, daí ter sido injusto com ele, pois as questões não foram formuladas a partir de suas obras.

No referido “kit” sempre afirmo a quem pergunta que é muito importante a qualquer candidato conhecer o pensamento (?!) dos examinadores, via suas obras publicadas. Como o colega é autor de inúmeras obras, daí veio a minha afirmação. A qual, portanto, continua válida, quero crer, e sem nenhuma conotação ofensiva ao examinador/autor, muito pelo contrário.

Mesmo com a explicação, pedi desculpa ao colega e reiterei meu propósito de vida de buscar jamais ofender as pessoas, embora esteja sempre disposto a delas divergir, até para que, com isso, possa aprender.

Como costumo fazer quando alguém se diz por mim ofendido em particular, faço de público o pedido de desculpa que fiz em particular, pois, reafirmo, “não tenho compromisso com o erro”, embora, como disse, não acredito que seja o caso no episódio acima narrado, tudo se devendo a ruídos comunicacionais.

Mas isso é apenas um exemplo simples da dificuldade existente no manejo da linguagem.

Platão, em tema ao qual voltaremos, tentou discutir a linguagem e destruir os sofistas no quesito linguagem, não sem desqualificá-los, na sua obra Teeteto, especialmente por, embora não abrace a tese, sua aquiescência fica subentendida, ele adere aquela que entende que para cada coisa existe uma palavra correspondente. Esse entendimento, de que ele adere a tal tese, é confirmado por Aristóteles quando diz que no mundo “existem mais coisas que palavras, e, com isso destrói tudo que disse Sócrates/Platão no Teeteto.

Sobre existirem mais coisas no mundo que palavra, gosto de exemplificar com a palavra manga, que tem os seguintes significados:

 

1. Fruto tropical, oriundo da mangueira.

2. Peça da camisa que cobre o braço.

3. Filtro para líquidos.

4. Indicador da direção e intensidade dos ventos.

5. Terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo mangar.

6. Peça do motor onde trabalha o pistão.

7. Peça de vidro do candeeiro.

 

Quantos, não?!

De tudo isso pode-se dizer que o problema fundamental (ou não!) é a impossibilidade de conferirmos se o nosso conhecimento é igual (bate) ao conhecimento alheio, de outro, do nosso interlocutor, do nosso auditório!

No namoro, apenas para usar um exemplo, não costumamos mostrar quem somos (dizer a “verdade”), ao contrário, nos refugiamos no engano, na mentira, pois a “verdade”, dita de chofre, pode levar ao inverso do pretendido.

Como é que alguém sabe que um daltônico é daltônico? Mas todos nós aceitamos que existem daltônicos!

Certa vez disse-me um amigo:

 

Uma vez que, segundo teus ensinamentos, não há nenhuma realidade, nem sequer a possibilidade de falar validamente sobre ela se ela existisse (você parece se declarar gorgiano...), como poderíamos mudar o que não existe, ou mesmo lembrar do que não existiu ou sonhar com o que não existirá? E se pudéssemos, como poderíamos transmitir esses nossos delírios a outros, se a comunicação não possui, segundo você, nenhum conteúdo cognitivo ou mesmo comunicativo real?”.

 

Ao que respondi: como eu disse eu sou só estudante, e como transcrevi, o ensinamento (ou não) é de outro, eu apenas penso sobre ele.

Como sobredito: o problema fundamental (ou não!) é a impossibilidade de conferirmos se o nosso conhecimento é igual (bate) ao conhecimento alheio! Como se pode saber se o sabor do chocolate é o mesmo para todas as pessoas? Não se dispõe de nenhum parâmetro.

Acrescentei: eu não sou coerente com nenhuma verdade, pois, como disse, elas não existem (parece), mas, como disse, podemos estabelecer consensos, em especial no que é “superficial”!

É um conhecimento superficial pesar, medir, contar! Entretanto, quando nos aprofundamos sobre medir, por exemplo, chegamos ao princípio da incerteza de Heisenberg. Então, o que era uma “verdade matemática” se esboroa, se fragmenta ou até se evapora!

Assim, pode-se falar, superficialmente, sobre o que entendemos sobre o que é a realidade, mas se aprofundarmos o tema, teremos sérias dificuldades (ou não).

Popper diz:

 

A aparência, porém, é tudo o que podemos alcanças”. (Fonte: Karl Popper, O mundo de Parmênides, UNESP, tradução de Roberto Leal Ferreira, São Paulo, 2008, p. 31).

 

Você conhece um “sofista” maior do que Platão? O que ele usa em seus diálogos não é o discurso (lógos) para tentar convencer os seus leitores?

Eu até poderia dizer (certo ou não) que o mundo é Sofista!

E por que digo isso? Por que não se faz ou se “conhece” o mundo se não for pelo discurso, e como se diz que tudo que os Sofistas tinham era o discurso...

Os Sofistas não negam o conhecimento! Caso contrário eles não estudariam, nem incentivariam seus discípulos a estudarem para serem “a cada dia melhor”. Aliás, ambos (Sofistas e discípulos) devem estudar cada vez mais e sempre, tudo na busca de terem respostas para qualquer questionamento, como era o caso de Hípias e Górgais que se punham à disposição do público para responder o que lhes fosse questionado. Para isso, obviamente, eles precisavam de um conhecimento enciclopédico, e este apenas se consegue com muito esforço, muito estudo. O que os Sofistas negam é a possibilidade de um conhecimento do tipo dito verdadeiro! Para eles vale a opinião (a doxa).

Ou você acha que Sócrates/Platão respondeu algo que possa ser tido como verdade? Como inquestionável?

Nem os “dois em um” e nem ninguém chegou a uma conclusão irrefutável sobre nada!

 

As três teses de Górgias são assim explicadas por Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Nada existe; e mesmo se o ser existe, então é incognoscível; e se é incognoscível, então este conhecimento do ser é incomunicável a outrem. [Osório diz: as 3 teses de Górgias]

Venhamos agora às demonstrações sucessivas das três teses:

Primeira tese – Se se aplica ao não-ser o princípio de identidade que fundamenta a afirmação “o ser é”, deve-se dizer que “o não-ser é o não-ser” [Osório diz: o não-ser não é o ser?], de maneira que o não-ser é então o ser, e que, inversamente, o ser é o não-ser. “De modo que as coisas não mais são do que não são”. Górgias põe-se, de seguida, a demonstrar que, ainda que o ser exista, não pode ser nem gerado, nem não gerado, nem uno nem múltiplo, nem em movimento. Portanto, nada existe, em conformidade com o ser tal como o define a ontologia.

Segunda tese – Mas, mesmo se um tal ser existisse, “as coisas seriam incongnoscíveis, para nós pelo menos.” Com efeito, as coisas que vemos e ouvimos existem porque são representadas. Ora, pode representar-se o que não existe, por exemplo, um combate de carros em pleno mar; portanto, a representação do ser não nos proporciona o ser e o conhecimento é impossível.

Parece que esta tese sobre a impossibilidade do conhecimento se esclarece perfeitamente se a relacionamos com a teoria da percepção que Górgias professava e para a qual Platão nos chama a atenção. De cada coisa irradia o que Górgias, seguindo Empédocles, chama eflúvios; cada sentido está constituído por poros de uma certa dimensão, que selecionam os eflúvios que lhe são proporcionados pelo tamanho. Este mecanismo explica a diversidade das mensagens sensoriais que a mesma coisa pode produzir nos diferentes sentidos. Visto que aquilo que a alma capta na percepção são os eflúvios de uma coisa e não esta coisa, e até uma parte dos eflúvios desta coisa, não pode, portanto, conhecer de uma maneira adequada. A percepção é fantasmática, e o subjetivismo de Górgias apoia-se aqui numa interpretação particular da percepção. É, pois, contra uma posição deste tipo que se insurge Aristóteles quando afirma que, no conhecimento, “a alma é, de alguma maneira, os próprios seres.”

Terceira tese – Mesmo se o ser fosse cognoscível não seria comunicável a outrem. Com efeito, tomamos conhecimento pela percepção e comunicamo-lo pela linguagem. Ora, percepção e linguagem são heterogêneas; uma manifestação não pode articular-se adequadamente e não há verdadeiramente passagem da fase à frase. Falar não é ver: “o que de fato alguém viu, como é que pode exprimi-lo pela linguagem?” A linguagem dirige-se ao ouvido e o ouvido é inapto para percepcionar as cores, que são o apanágio da vista; da mesma maneira, tudo o que constitui uma coisa, excetuando o som, é inacessível ao ouvido, portanto inexprimível pela linguagem: “o que fala diz, mas não nos dá nem uma cor, nem uma coisa”; de fato, “não diz uma cor, mas um discurso.” Falar das cores a um cego não o informa de nada; por consequência, a linguagem não transmite a experiência pela qual o real se nos dá; portanto, este é, rigorosamente, incomunicável “porque as coisas não são discursos”. Poder-se-ia objetar que a linguagem tem como missão despertar experiências idênticas nos interlocutores, e assegurar assim uma real comunicação. A isto Górgias responde que não há experiências perfeitamente idênticas, já que precisamente há dois sujeitos diferentes; se isto é assim, não há mais do que um. A Defesa de Palamedes referir-se-á explicitamente ao Tratado do Não-Ser, quando explica toda a dificuldade que há em julgar justamente uma causa: “portanto, se fosse possível por meio das palavras dar a verdade dos fatos – pura e evidente – aos ouvidos, o juízo seria sem dificuldades...” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 39-40).

 

Kerferd, assim explica as três teses de Górgias:

 

O testemunho mais importante se encontra no tratado de Górgias intitulado, segundo Sexto Empírico, Sobre aquilo que não é ou sobre a natureza. Temos dois sumários distintos dessa obra, um preservado por Sexto (ver DK 82B3) e o outro, na terceira seção de um fragmento de texto em estilo doxográfico, erroneamente atribuído a Aristóteles e, por isso, incluído no Corpus de seus escritos sob o título "Sobre Melissos, Xenófanes e Górgias" — ou, abreviadamente, De MXG. Nesse tratado Górgias apresentou o seu argumento em três estágios: (1) nada é, (2) se é, não pode ser conhecido pelos seres humanos, (3) e se é, e é cognoscível, não pode ser indicado e tornado significativo para outra pessoa.

A interpretação do que Górgias está dizendo é difícil, e o certo é que ainda não está à vista uma compreensão unânime do seu sentido geral, sem falar dos seus argumentos detalhados. Contudo, sua importância dificilmente poderá ser superestimada. Afinal de contas, é o que mais próximo temos, ou jamais teremos, de uma apresentação técnica completa de um argumento sofista articulado do século V a.C. É um texto mais técnico e mais organizado do que o Dissoi Logoi, com o qual, sob outros aspectos, pode ser comparado. O seu tratamento pelos estudiosos sintetiza, de várias maneiras, o problema da abordagem erudita do movimento sofista como um todo. Houve basicamente três estágios6. Durante muito tempo pensou-se que não tinha intenção séria, mas fora composto simplesmente como uma paródia ou uma pilhéria sobre filósofos, ou, na melhor das hipóteses, um exercício puramente retórico de argumentação [Osório diz: se é destruidor não sendo sério {se fosse o fosse!} é opinião de quem não consegue enfrentá-lo]. De modo geral, é provável que essa visão não mais impere, embora ainda tenha defensores. Por isso Guthrie pôde escrever, a respeito do argumento apresentado na primeira das três seções da obra: "É tudo, claro, uma bobagem interessante" [Osório diz: como diria qualquer bobo sem resposta]. Um segundo estágio é alcançado por aqueles que estão preparados a levá-la a sério e a tomaram como um ataque geral e cuidadosamente orquestrado contra as doutrinas filosóficas dos eleáticos e, por extensão, contra as doutrinas de certos filósofos físicos entre os pré-socráticos. Esse tipo de interpretação toma o verbo "ser", no tratado de Górgias, no sentido de "existir". A primeira parte, então, argumenta que Nada existe, e passa a demonstrar isso argumentando que Não-ser não existe, tampouco Ser existe. Isso é dirigido contra a asserção de Parmênides de que somente o Ser existe e Górgias, com os seus argumentos, chega a uma posição de niilismo filosófico. Parmênides tinha destruído o mundo multiforme das aparências, mas reteve o mundo unitário do Ser Verdadeiro; Górgias apagou a lousa inteira, e ficou com simplesmente — Nada. [Osório diz: Górgias versus Parmênides].

Um dos atrativos desse segundo estágio na interpretação do tratado de Górgias era o fato de colocar Górgias firmemente, mesmo se um tanto destrutivamente, dentro da corrente principal da história da filosofia. Creio que isso permanece como requisito para uma interpretação correta. Mas, entrementes, houve algumas mudanças algo radicais em consequência das quais talvez estejamos à vista de uma melhor compreensão do curso geral da história da filosofia grega. Resumindo, nossa abordagem de Parmênides e dos eleáticos tende a ser, agora, um tanto diferente do que era há um século ou mesmo há meio século. Isso resulta, em parte, de um exame mais atento dos fragmentos existentes e da tradição doxográfica, no caso de Parmênides, e em parte de uma reavaliação mais geral da interpretação filosófica do verbo "ser" no grego, tanto antes como depois dos sofistas. Numa importante pesquisa começando por Homero, Charles Kahn notou a dificuldade de fazer qualquer distinção sintática firme entre o uso do verbo de forma absoluta, isto é, sem nenhum predicado, como em "X é", e a sua construção predicativa, como em "X é Y". E contestou o uso do primeiro, ou o uso absoluto, como "existencial". De fato, ele tende a tratar ambos os usos basicamente como sinais de asserção, reduzindo ambos, o uso "existencial" e o uso "predicativo", a um uso mais fundamental que está muito mais próximo do "predicativo" do que do "existencial". Depois, num artigo de importância fundamental, G. E. L. Owen argumentou que no diálogo Sofista de Platão, a discussão não inclui, nem obriga nenhum isolamento de um verbo existencial, e que ele se revela como sendo primariamente um ensaio em problemas de referência e predicação. Em terceiro lugar, essa nova abordagem foi aplicada diretamente a Parmênides, sobretudo por A. P. D. Mourelatos, com a conclusão de que Parmênides não estava interessado diretamente na existência e não-existência, mas antes em distinguir, entre duas vias, uma positiva na qual dizemos "x é F", e uma negativa na qual dizemos "x não é F". É a segunda via que Parmênides está condenando em favor da primeira como a única via possível.

Tudo isso importa em uma enorme mudança de ênfase. Da opinião de que boa parte da filosofia grega se preocupava primariamente com problemas de existência, passa-se para a opinião de que a preocupação, nesses casos, era mais com o que chamaríamos de problemas de predicação, que eles tendiam a tratar mais como problemas da inerência de qualidades e características dos objetos no mundo real à nossa volta. Isso me leva ao que eu gostaria de considerar o terceiro estágio na abordagem do tratado de Górgias, a saber, sua interpretação à luz dos problemas de predicação. Essa abordagem é relativamente nova, e é controvertida. Não posso tentar justificá-la, aqui, com análise e argumentação detalhada11. Mas após alguma reflexão concluí que seria melhor apresentar simplesmente minha interpretação do tratado como um todo, sem mais explicações, mesmo que não tenha valor. Direi simplesmente que, mesmo que venha a ser julgado totalmente errado nessa questão, não estaria, de forma alguma, em conflito com o caráter antilógico do tratado. A discordância não seria sobre a questão do argumento de Górgias ser construído sobre contradições inferidas e logoi opostos — de fato é, claramente — mas somente sobre a natureza e as aplicações dos logoi opostos.

Nessa opinião, é principalmente no uso predicativo do verbo "ser" que Górgias está interessado, e com as contradições que isso parece gerar. Ele está argumentando que não há como aplicar o verbo "ser" a um sujeito sem que surjam contradições, e está pensando principalmente nas declarações acerca de fenômenos. Essas contradições, os eleáticos tinham identificado no caso de declarações negativas; para Górgias elas também se verificam nas declarações positivas [Osório diz: com o que está preocupado Górgias quando trata do verbo ser].

Para a primeira parte do tratado, é provável que o texto do De MXG seja uma representação mais fiel do original do que a versão dada por Sexto. Nas duas versões, a primeira parte se iniciava com a afirmação de que nada é. No De MXG é dado um argumento especial para estabelecer isso, imaginado pelo próprio Górgias — não é possível a qualquer coisa ser ou não ser. Suponha que algo seja capaz de não ser, o fato de que é (capaz disso) significa que é. Mas se é (tomado como uma alternativa à suposição de que é capaz de não ser), aí nos defrontaremos com uma série de opções — ou é um, ou é muitos, ou é não-gerado ou é alguma coisa que foi gerada. Argumentos derivados, em parte, de Zenão e Melissos, são aduzidos para mostrar que nenhuma dessas quatro opções é possível. Se não é nenhuma das alternativas emparelhadas, também certamente não são ambas as alternativas juntas. Se não é nenhuma dessas três possibilidades, não é absolutamente nada, visto que só há essas três possibilidades. [Osório diz: Romilly]

O que é isso de que se está falando aqui? Parece-me haver claras indicações de que Górgias está interessado em cada uma e todas as coisas, não importa o que, incluindo-se, acima de tudo, os objetos fenomenais. Isso é fortemente sugerido pelo uso da palavra pragmata ("coisas") no plural (979a27-28), apoiado por mais duas referências gerais em Isócrates, que diz, no Helena (X, 3): "Pois poderia alguém superar Górgias, que ousava declarar que nenhuma das coisas que são é", e no Antidosis (XV, 268), onde menciona Górgias como o último de toda uma série de "velhos sofistas, dos quais um disse que a soma das coisas é feita de um número infinito de elementos, Empédocles de quatro... Parmênides e Melissos de um, e Górgias de nenhum" (ambas as passagens em DK 80B1)12. Esta última passagem, especialmente, fortalece a opinião segundo a qual Górgias estava interessado não só em atacar os eleáticos mas também os pluralistas entre os pré-socráticos.

A segunda parte do tratado argumenta que, mesmo que disséssemos de alguma coisa que ela é, ela seria incognoscível e impensável por qualquer ser humano. A maneira como isso é discutido é, filosoficamente, de considerável interesse e a questão de sua real validade é apenas parte desse interesse, talvez uma parte relativamente pequena. Não podemos dizer que as coisas sendo pensadas são — se disséssemos isso teríamos de dizer que todas as coisas sendo pensadas são, e que são tal como são pensadas, isto é, possuem as qualidades presentes a elas no pensamento. Assim, se pensarmos em um homem voando, ou em carros apostando corridas no mar, seguir-se-ia que um homem está de fato voando ou que carros estão de fato apostando corrida no mar. Assim, de modo geral, se supomos que qualquer coisa que alguém pense é, então não haveria mentira. Portanto, concluímos, não se pode dizer que o que um homem pensa é. A partir disso se argumenta que o que é não é capaz de ser pensado. Portanto, se alguma coisa é, não será pensável.

Talvez o principal interesse desse argumento seja a maneira como ele abre um contraste, de fato um fosso, entre atos mentais cognitivos (pensamentos, percepções etc.) e os objetos que eles conhecem ou pretendem conhecer. Parece que se está dizendo que para que qualquer coisa seja conhecida ou pensada a mente deve ter (isto é, repetir ou reproduzir e, portanto, ela mesma possuir) as características próprias do objeto conhecido. Objetos brancos, se pensados, requerem pensamentos brancos e objetos que são requerem, se pensados, pensamentos que são. As implicações dessa opinião e as objeções a ela são de considerável interesse, mas este não é o lugar para discuti-las. O que é mais relevante para a minha argumentação são algumas outras considerações. Foi argumentado, na Parte I do tratado, que nada é. Agora, hipoteticamente, somos solicitados a considerar as consequências de supor que, de fato, as coisas são. Essas consequências são declaradas inaceitáveis por causa do que se seguiria em relação às coisas e ao nosso pensamento sobre elas. Não há nenhuma tentativa de abolir o pensamento; somente se nega que possamos dizer dos pensamentos que eles são — assim como não há tentativa de abolir as coisas. De fato, o argumento todo depende completamente da retenção de ambos, pensamento e coisas. Além disso, está até implícito que pensamentos podem ser verdadeiros (assim como falsos). Isso significa que Górgias não está aceitando a opinião que eu, antes, atribuí a Protágoras, segundo a qual não é possível dizer o que é falso. Em segundo lugar, toda a Parte II do tratado se ocupa do pensamento sobre os fenômenos. Começa supondo que os fenômenos são. Isso confirma a sugestão feita anteriormente de que a Parte I também se ocupa dos fenômenos.

A opinião segundo a qual deve haver uma correspondência entre as características do pensamento e as características dos objetos de pensamento é repetida e desenvolvida mais nas implicações da Parte III do argumento de Górgias. Aqui se argumenta que mesmo se alguma coisa é, e é cognoscível, não pode ser comunicada a outra pessoa. O único método de comunicação preferido para a discussão é o discurso (logos). O método de transmissão do logos de uma pessoa para outra é por sons vocais ou fala. Claramente audíveis e, também, claramente não-visíveis. Portanto, se estamos interessados na comunicação concernente a coisas visíveis, por exemplo, cores, essas coisas não podem ser transmitidas por sons incolores e não-visíveis. Há, portanto, um fosso fundamental entre o logos e as coisas, ou pragmata, que vêm a nós de fora de nós mesmos. Esse fosso não deve ser visto como transposto pelo fato de o logos, pelo menos quando expresso em sons vocais, audíveis, ser ele mesmo algo da mesma categoria das pragmata — ele vem a nós de fora de nós mesmos, é verdade, mas através de um órgão do sentido diferente daquele através do qual recebemos impressões visuais.

Mas talvez o fosso deva ser transposto de outra maneira. Há um sentido pelo qual o logos vem a nós das pragmata fora de nós. Pois o logos é formado a partir delas quando são percebidas por nós — assim, do nosso encontro com o sabor surge em nós o logos que é a expressão que corresponde a essa qualidade, e da incidência da cor o logos que corresponde à cor. Mas isso também não resolve a questão. O logos não tem a função de exibir o objeto externo, é o objeto externo que nos fornece informação acerca do (a significação do) logos. Aqui parece que temos o início de dois diferentes sentidos para logos: (1) como algo gerado em nossas mentes, resultante de nossas percepções, e (2) como um som fonético audível, isto é, uma palavra "falada". Que uma distinção desse tipo estava sendo feita é confirmado pela linguagem usada em De MXG, onde nos é dito que é impossível a uma pessoa transmitir à outra, por palavras ou outros sinais, alguma coisa que ela mesma não possui no seu próprio pensamento. Isso sugere uma análise em três estágios — o próprio objeto com suas qualidades, o que obtemos desse objeto, e as palavras faladas com as quais tentamos, inevitavelmente falhando, segundo Górgias, passar adiante (o conhecimento de) um tal objeto para mais alguém.

Deve-se enfatuar que o relato do tratado de Górgias, dado acima, está sujeito a discussão em muitos de seus detalhes, embora represente razoavelmente bem o que eu mesmo creio que Górgias estava dizendo. Mas as condições do texto, especialmente na versão De MXG, são tão más e as dificuldades de interpretação, tanto no caso da versão de Sexto como na De MXG, tão grandes que há muito trabalho a ser feito antes que possamos esperar chegar a qualquer compreensão detalhada segura13. Mas isso não tem muita importância para meus atuais propósitos. Pois quaisquer que sejam as correções e os refinamentos, ou mesmo alterações fundamentais do relato acima que estejam ainda por serem feitas, a importância e o interesse filosófico do que Górgias tinha a dizer já estão suficientemente enfatizados. Primeiro, olhando para trás no tempo, é claro que ele está dividindo e separando três coisas que Parmênides tinha identificado no seu fragmento 8.34-36, a saber, ser, pensar e dizer. Na interpretação tradicional de Parmênides essas linhas podem ser entendidas assim: "O pensar e o pensamento que ele é são um e o mesmo. Pois você não encontrará o pensar sem o ser no qual ele é expresso". Na primeira parte de seu tratado, Górgias tinha negado o ser aos fenômenos; na segunda e na terceira partes ele tinha argumentado que, mesmo que se concedesse o ser aos fenômenos, ainda se deveria separar o ser do pensar e das palavras nas quais o pensar é expresso, seja para si mesmo ou para um outro. [Osório diz: Górgias versus Parmênides]

Isso basta quanto à importância retrospectiva da doutrina de Górgias. Muito maior é a sua importância prospectiva, pois Górgias está suscitando, por implicação e, diria eu, em boa parte conscientemente, todo o problema de significação e referência. Não vamos nos preocupar demais com as inadequações de seu tratamento da questão, o importante é que ele estava começando a ver que há um problema, e problema muito sério. Se as palavras são usadas para se referir às coisas, e parece óbvio que essa é a função primordial para a qual são usadas, como é que uma palavra é aceita como se referindo às coisas às quais dizemos que ela se refere, e não às outras coisas às quais dizemos que ela não se refere? Seria conveniente que pudéssemos dizer que é devido a alguma coisa em relação com a própria palavra, e seria mais simples se houvesse alguma coisa na palavra que espelhasse ou reproduzisse dentro da própria palavra os aspectos distintivos das coisas às quais ela se refere. Mas, exceto talvez para as palavras que são especificamente onomatopaicas e que, pelos seus próprios sons, reproduzem os sons das coisas às quais se referem, esses aspectos não são aparentes nas palavras. Somos levados a tentar desenvolver uma doutrina da significação vinculada às palavras, de forma que, em virtude dessa significação, elas possam então ser entendidas como se referindo às coisas às quais supomos que elas se refiram. Mas essa significação terá de ser alguma coisa distinta dos meros sons das palavras em questão. Esse é o ponto de partida de Platão em Crátilo e, diriam alguns, de toda a sua carreira filosófica. Questão semelhante se levanta em relação aos atos cognitivos, aos pensamentos e às percepções que, dizemos, expressamos em palavras. Palavras, pensamentos e coisas, qual é a relação entre eles? [Osório diz: Górgias matando a pau! Criação ou mostra do problema significação e referência]

Mas não é só isso. Uma vez separadas essas três coisas [Osório diz: palavras, pensamentos e coisas] umas das outras, embora insistindo ainda que deve haver algum tipo de correspondência entre todas as três como requisito para verdade e conhecimento, nos defrontamos com o problema da melhor maneira de entender logos em relação justamente a essas três coisas. Pois, como foi dito no início deste capítulo, logos parece ter, de fato deve ter, uma espécie de pé plantado em cada uma dessas três áreas. O logos de uma coisa é: (1) o princípio, ou a natureza, ou a marca distintiva, ou elementos constituintes da própria coisa; (2) o que nós entendemos que ela é; e, finalmente, (3) a descrição (verbal), relato, ou definição correta da coisa. Todas as três levantam a questão do ser. Pois o logos da coisa sob o título (1) é o que a coisa é; sob (2) é o que nós entendemos que ela é; e sob (3) é o que dizemos que ela é.

Até aqui vimos que, na esfera da percepção, Protágoras tinha argumentado que todas as percepções são verdadeiras e, portanto, são de coisas que são, como são; ao passo que Górgias mantinha que não devemos dizer, de coisa alguma, que ela é. Nem Górgias nem Protágoras fizeram, então, qualquer distinção entre percepções conflitantes que pretendiam ser da mesma coisa? Contrariamente ao que se poderia esperar dele, Górgias reteve, sim, claramente, uma distinção entre pensamentos verdadeiros e falsos, embora não nos diga como é que analisava a diferença entre eles; ele parece ter suposto que a percepção envolve a recepção de "eflúvios" próprios dos objetos físicos (DK80B4). Para Protágoras, não pode haver distinção em termos de verdade entre percepções diversas e conflitantes. Mas para ele também havia, claramente, distinções que precisam ser, agora, consideradas.

Será conveniente começar com o testemunho de uma importante passagem de Aristóteles em Retórica, B, 24.l0-11 (1402a5-28, da qual apenas um pequeno extrato é dado no DK80A21):

 

Na Dialética, argumenta-se que o que não é é, pois o que não é é aquilo que não é; e também que o desconhecido pode ser conhecido, pois pode-se conhecer do desconhecido que ele é desconhecido. Da mesma forma, na Retórica, um aparente entimema pode surgir daquilo que não é absolutamente provável senão apenas em casos particulares. Mas isso não deve ser entendido de modo absoluto, como diz Agatão: "poderíamos talvez dizer que essa coisa mesma é provável: que muitas coisas acontecem aos homens que não são prováveis", pois aquilo que é contrário à probabilidade no entanto acontece. Sendo assim, aquilo que é improvável será provável... [mais exemplos] ... Aqui ambas as alternativas aparecem igualmente prováveis, mas uma é realmente, a outra não é provável de modo absoluto, mas apenas nas condições mencionadas. E isso é o que significa "fazer com que o pior pareça o melhor argumento". Por essa razão os homens estavam, com razão, desgostosos com a promessa de Protágoras; porque é uma mentira, não uma probabilidade real, mas aparente, que não se encontra em nenhuma arte exceto na Retórica e na Sofística [da trad. ingl. de Freese].

 

A promessa de Protágoras de "tornar mais forte o argumento [logos] mais fraco" ficou célebre com os autores posteriores. Mas deve haver já uma referência a essa doutrina em As nuvens (DK C2) de Aristófanes, onde ele faz Estrepsíades declarar que na casa de Sócrates "eles guardam ambos os logoi, o mais forte, não importa o que seja, e o mais fraco, e desses dois eles dizem que o mais fraco é o vitorioso embora expresse o que é mais injusto". Parece que Aristóteles também nos está dando exemplos reais do século V — especialmente o argumento "não é é" que foi usado por Górgias, e a citação de Agatão, cuja primeira vitória foi conquistada num concurso trágico em 416 a.C.; de modo que o que ele diz a respeito do provável poderia concebivelmente ser tirado dos próprios escritos de Protágoras. A aplicação retórica de uma doutrina concernente a transformar o argumento mais fraco em mais forte é óbvia, e é às vezes tratada como se tivesse uma aplicação apenas puramente retórica. Assim, segundo Eudoxo (80A21), como exercício da sua aplicação, Protágoras ensinava seus alunos a louvar e condenar o mesmo argumento. Mas Aristóteles, que naturalmente considera esses argumentos apenas retóricos e sofísticos, diz que as pessoas estão desgostosas com a promessa de Protágoras "porque é falsa". Isso pode sugerir que Protágoras afirmava que sua doutrina não era meramente retórica, mas envolvia, de alguma forma, um grau de validade ou verdade. Como vimos (acima, p. 147), o tratado no qual ele expressou a sua doutrina do homem-medida era aparentemente conhecido sob os dois títulos: Sobre a verdade ou Escritos demolidores. [Osório diz: além de Aristófanes, Xenofonte, no Econômico, também fala do argumento forte e fraco].

Mas se todas as percepções e todos os julgamentos morais devem ser aceitos como igualmente verdadeiros, como é possível que um logos qualquer que expresse julgamentos morais e perceptivos possa jamais ser descrito como superior a um outro logos? Não são todas as verdades simplesmente iguais quanto à sua verdade? Talvez, mas pode ser que haja outros modos pelos quais logoi possam ser classificados como superiores ou inferiores. Um modo óbvio é em termos de sua relativa capacidade de persuasão, e a bem elaborada doutrina da persuasão desenvolvida por Górgias já foi considerada. Mas persuasão consiste em fazer com que uma opinião pareça preferível a outra, pelo menos em algum aspecto. Um modo era classificar o argumento preferido como orthos "justo", "reto", certo" — ou orthoteros "mais justo", "mais correto", e assim por diante, e é claro que o conceito de orthotés e de um ortho logos era importante. Assim, conta-se que quando Péricles passou um dia inteiro discutindo com Protágoras o caso de um atleta acidentalmente morto por um dardo nos jogos atléticos, o argumento girou em torno de saber se era o dardo, ou o homem que o atirou, ou os organizadores dos jogos que deviam ser julgados culpados "segundo o argumento mais correto" — o orthotatos logos (DK80A10J, isto é, o mais correto dos três logoi mencionados. Quando Antífon quer rejeitar a opinião segundo a qual as coisas dolorosas são mais benéficas para a natureza do que as coisas prazerosas, ele defende sua opinião como sendo de acordo com o orthos logos (Dl 87B44 Fr. A Gol 4). [Osório diz: eles, os sofistas, trabalhavam com a ideia de melhor, e não de correto e/ou verdadeiro!]

Essa maneira de falar sobre as coisas era familiar, ao que parece tanto a Sócrates como a Platão. No Críton, quando Críton roga a Sócrates que se salve fugindo da prisão, Sócrates responde (46b):

 

Meu caro Críton, seu interesse é valiosíssimo se for acompanhado pela orthotés; se não, quanto maior for ele, mais difícil de suportar. De modo que devemos examinar a questão se devemos fazer isso, ou não. Pois sou, não somente agora, mas sempre, um homem que só segue o logos que, após consideração, me parece o melhor [beltistos]. E não posso, agora, jogar fora o logoi que usei anteriormente. [Osório diz: Sócrates e o discurso melhor! O discurso e a coerência]

 

Tomada isoladamente, a referência à necessidade de seguir o beltistos logos pode parecer meramente casual e formulada de modo geral, embora eu suspeite que têm razão os que supõem que, por trás de seu caráter geral, haja, pelo menos, uma referência bem específica à terminologia que era sofista. [Osório diz: eu também! Sócrates era um dos sofistas]

Seja como for, não deveria haver muita dúvida quanto a uma discussão mais detalhada do problema posta na boca de Sócrates, no Fédon. É a famosa discussão do "novo método", que ocupa a seção toda de 89c11-102a1. Apenas alguns pontos podem ser selecionados aqui, visto que a nossa preocupação imediata não é com a interpretação de Platão, nem tampouco a relação com a teoria das Formas platônicas, mas com a relação entre o que Sócrates está dizendo e o debate sofista com o qual ele está intimamente envolvido na passagem toda. A parte inicial da passagem já foi resumida na nossa discussão anterior do antilogikoi. Recapitulando: Sócrates se distingue daqueles que simplesmente opõem um argumento a outro — isso leva à misologia, um ódio de todos os logoi — embora, ao mesmo tempo, ele aceite que, no nível fenomenal, não há, de fato, nada sólido ou seguro, mas que todas as coisas estão em processo de ser reviradas para cima e para baixo, como no Euripo, e não subsistam em coisa alguma por qualquer duração de tempo. [Osório diz: Sócrates e o fluir heraclitiano!]

O que é necessário, diz Sócrates, é a habilidade adequada para lidar com logoi (90b7). Pois pode ser que nem todos logoi sejam do tipo flutuante, incapazes de serem apreendidos intelectualmente (90c8-d7). Faltando-lhe essa habilidade, no período em que se interessava pela ciência física, Sócrates se viu movendo-se para baixo e para cima (96bl) exatamente como os fenômenos. Depois que todas as tentativas de alcançar a verdade pela contemplação direta dos fenômenos falharam, ele decidiu refugiar-se nos logoi e, neles, examinar a verdade das coisas que são (99e4-6). Assim prosseguiu por essa via [Osório diz: Sócrates e sua fuga no logos]. Estabelecia sempre, como ponto de partida (o grego diz "fazia uma hipótese"), o logos que julgava ser o mais forte e postulava, como verdade, as coisas que lhe pareciam estar de acordo com esse logos. O que ele tinha em mente é explicado por uma série de exemplos. No caso das coisas que são belas devemos levantar a hipótese da existência da Forma da Beleza como a fonte, explicação e causa dos vários belos. Esse procedimento é o caminho seguro que uma pessoa inexperiente deve seguir; isso evita a confusão na qual se envolvem os antilogikoi. O erro deles é tentar discutir sem distinguir entre a fonte e as consequências que procedem da fonte (101el-3 cf. Rep. 476d2-3). O que os antilogikoi fazem, na opinião de Sócrates, é misturar "causas" com efeitos, ao confundir Formas com fenômenos, e Formas “mais altas" com Formas "mais baixas". Ao fazer isso eles geram uma pluralidade de logoi, cada um oposto ao resto. O caminho seguro evita as contradições envolvidas na doutrina dos dois logoi opostos, a qual, é preciso sublinhar, na opinião de Platão se aplica somente aos fenômenos. As contradições não se aplicam às Formas, e as contradições encontradas nos fenômenos desaparecem quando passamos dos fenômenos para as Formas. [Osório diz: isso só no mundo de e criado por Platão! Kant também ficou com os fenômenos e a impossibilidade do conhecimento das coisas em si!]

Essa, então, é a resposta de Platão aos antilogikoi, para a questão da doutrina dos dois-logoi-opostos. Como é expressa em termos da teoria das Formas, não é provável que tenha sido expressa pelo próprio Sócrates, pelo menos em nada parecido com esse modo mais desenvolvido. Mas a frase "o logos tido como o mais forte" (100a4) nos faz lembrar do logos melhor ou mais correto das discussões sofistas. Platão representa Sócrates como sempre buscando relatos ou logoi satisfatórios, sobretudo das várias virtudes; e, como já vimos, Aristóteles atribui especificamente ao Sócrates histórico a busca pelos logoi epactic. Sem dúvida ele participava ativamente, podemos razoavelmente concluir, da busca sofista pelo logos melhor ou mais forte, nos casos de um conflito de logoi.” [Osório diz: Sócrates e o logos melhor!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 159-177).

 

Diz Barbara Cassin:

 

1.2. O dedo de Crátilo

Crátilo, declara Aristóteles, "acreditava que não se deve dizer nada, e apenas agitava o dedo”. Gostaria de interpretar tanto o seu silêncio quanto o seu gesto.

O contexto nos ensina muito. Trata-se do capítulo 5 do livro Gama da Metafísica, onde Aristóteles tenta estabelecer o primeiro princípio da ciência do ser enquanto ser, célebre pelo nome de princípio de não-contradição. Ora, esse princípio primeiro, tão conhecido que "aquele que busca compreender um ente, qualquer que seja, o possui necessariamente", esse princípio então, não apenas alguns mal-educados pedem que seja demonstrado, como também, mais paradoxalmente, todos os grandes ancestrais filosóficos e literários, à exceção de Platão, recusaram-no pura e simplesmente.

O capítulo 5 propõe uma taxinomia desses adversários do princípio. A cisão maior passa-se entre "os que falam sob o efeito de uma aporia" e que podemos convencer "por persuasão", e "os que falam pelo prazer de falar", que podemos somente "coagir" refutando "o que é dito nos sons da voz e nas palavras" (1009a 16-22). Estes últimos são marginalizados, relegados aos confins da humanidade: sofistas puramente sofistas tão improváveis quanto plantas que falam. Mas os primeiros, que Aristóteles quer vencer em combate leal, quer dizer, racional, se distinguem por sua vez dependendo de duas eponímias [Osório diz: Nome das coisas tirado doutras coisas ou pessoas] diferentes: Heráclito o físico e Protágoras o sofista. A aporia chega aos físicos como Anaxágoras e Demócrito quando crêem observar que "os contrários pertencem ao mesmo tempo aos mesmos objetos". Ela chega aos sofistas, como Empédocles, Demócrito, o próprio Parmênides, Anaxágoras, Homero, desde que suponham que "todos os fenômenos são verdadeiros". A superposição dos exemplos faz por si só compreender que essas duas posições dão na mesma. Elas têm a mesma causa: é preciso e é suficiente, da parte do sujeito, fazer equivaler pensamento e sensação, quer dizer alteração (1009b 12s.: dia to hypolambánein phrónësin mèn tén aísthësin, taúten d'einal alloío-sirí) e, da parte do objeto, entes e sensíveis (1010a 2s.: tá d'ónta hypélabon eïnai tá aisthëtá mónorí). Têm também o mesmo efeito desesperante:

 

Em que um dos mais penosos é a consequência, pois se os que mais fixaram os olhos no verdadeiro e em sua possibilidade; e aqueles dos quais acabamos de falar são bem os que o buscam e o amam mais; se esses têm semelhantes opiniões e fazem essas declarações sobre a verdade, como exigir que os que empreendem filosofar não percam a coragem? Pois procurar a verdade seria perseguir pássaros em pleno voo (1009b 33-1010 a l). [Osório diz: Aristóteles está apenas desesperado na tentativa de salvar a filosofia/ciência! Nem que para isso ele não tenha argumentos racionais e concatenados, mas reste apenas uma quase “agressividade”, que o faz lutar pelo fim (salvar) e não pelo meio (como salvar)].

 

Crátilo se cala algumas linhas depois:

 

Vendo essa natureza totalmente em movimento, e nada que muda no domínio, em todo caso, do que muda em todos os pontos e de todas as maneiras, não se pode, pensa eles, dizer verdade. Foi bem sobre esse modo de tomar as coisas que floresceu a opinião mais extrema sustentara por todos aqueles dos quais falamos, a dos que declaram heraclitizar, e tal como devia ser a de Crátilo, que acreditava que não se deve, afinal, nada dizer, mus apenas agitava o dedo; ele reprovava Heráclito por dizer que não podemos entrar duas vezes no mesmo rio: nem mesmo uma, acreditava.

 

O que significa, antes de mais nada, o heraclitismo de Crátilo?

 

É preciso notar previamente a prudência de Aristóteles acerca do Heráclito histórico, como se o Obscuro estivesse sempre a distância de discípulo, a distância de interpretação. Assim, desde o capítulo 3, logo após o enunciado do princípio e para confirmar que é "o mais firme de todos", Aristóteles acrescenta que "é impossível que quem quer que seja sustente que o mesmo é e não é como alguns pensam que Heráclito diz; pois não é necessário que, o que alguém diz, ele o sustente também" (1005b 23-26). Duplo distanciamento nesse caso: entre o que Heráclito disse verdadeiramente e o que alguns pensam que disse, de um lado, e depois entre o que Heráclito poderia ter dito, e o que verdadeiramente assumiu pensar.

Aqui mesmo trata-se, com um hápax [Osório diz: “uma só vez”], daqueles que declaram "heraclitizar". Assim, o julgamento aristotélico se põe em questão. Heráclito tem na verdade Crátilo como objeto: Crátilo, representando a opinião mais extrema, seria mais heracliteano que Heráclito. Ele retomaria a citação heracliteana mas para lhe censurar sua pusilaminidade e para ir ainda mais longe. Como entender essa citação: "não podemos entrar duas vezes no mesmo rio" (potamôi ouk éstin embênai dïs tôi autôï)! Trata-se de um fragmento transmitido por Plutarco por outra via (Sobre o E de Delfos, 392b = 91b DK), mas que o próprio Sócrates utiliza no Crátilo (402a). Invocando a propósito dos nomes de Cronos e Réia "os antigos e sábios ditos" de Heráclito e de Homero, ele continua: "Heráclito diz em algum lugar que tudo passa e nada permanece e, comparando os entes ao correr de um rio, diz que não poderíamos entrar duas vezes no mesmo rio". Sócrates aceitou cratilizar para Hermógenes: trata-se para ele de encontrar — como diz perfeitamente Gérard Genette retomando Proust — "os nomes escondidos nas palavras", ou ainda descobrir as eponímias sob as etimologias e de mostrar assim que as palavras "manifestam efetivamente a essência do objeto" (393d); assim Réia "flui" (rheí) e a citação heracliteana está aí para confirmar a correção natural da linguagem.

Ora, parece que a função dessa citação na boca do Crátilo de Aristóteles é absolutamente contrária. Ela serve, não para fundar a correção natural da linguagem, mas para demonstrar sua inadequação radical: se o mundo é heracliteano, então nada se pode dizer de verdadeiro e, conseqüentemente, o filósofo deve se calar. Dizer que não poderíamos entrar duas vezes no mesmo rio é dizer simplesmente, validando a equivalência entre os entes e o fluxo, que não poderíamos perceber duas vezes os mesmos entes. Resta entretanto o rio propriamente dito: se não é "o mesmo rio", porque fluem sem cessar as águas do devir, não deixa de ser sempre um "rio". Para Sócrates, a esse ponto de seu cratilismo, todos os nomes dizem com efeito o fluxo, Réia como epistémé, a ciência, seguidor fiel de pistas; e é assim, pela forma como o lógos faz sempre aparecer o mesmo no outro, que poderíamos interpretar a tensão heracliteana entre os contrários. Dizer agora, como o Crátilo aristotélico, que não poderíamos entrar aí "nem mesmo uma vez", é dar a entender que é impossível demarcar o rio, ou que o fluxo não tem margens: não apenas os entes, quer dizer, os sensíveis fluem, mas também o pensamento, quer dizer, a sensação, se altera. Não há identidade no fluxo, no voo do que é: não somente não há lugar para uma predicação, um julgamento de conhecimento, mas não há nem mesmo lugar para essa atribuição mínima de identidade que é o nome, designando um objeto e pronunciado por um sujeito. É então preciso interpretar com determinação o extremismo de Crátilo: seu "não se deve, afinal, dizer nada" tem o rigor de um imperativo filosófico. Isso ocorre porque Crátilo se situa na exigência aristotélica de adequação entre dizer e ser, porque ele é um verdadeiro filósofo que só pode se calar, e seu silêncio faz dele o mais consequente dos pré-socráticos.

Resta ainda interpretar seu gesto do dedo. Em uma das duas outras ocorrências3 em que evoca Crátilo, Aristóteles apresentar-nos, para ilustrar que os "detalhes são persuasivos porque os fatos que conhecemos tornam-se símbolos daqueles que ignoramos”, os fatos", um Crátilo furioso: "Esquines diz de Crátilo que ele partiu sibilando (diasízõri) furiosamente e agitando os punhos" (!<"" iheroín diaseíõn) (Retórica, III, 16, 1417b 1-3). O silêncio de Crátilo, ruidoso e agitado, deixa assim ouvir um evitar da fala. Silêncio e gesto são ainda mais minimais, ou radicais, na Metafísica: Crátilo "apenas agita o dedo" (tòn dáktylon ekínei iiionon). Onde, em uma palavra-valise que uma "viagem à Cratília" nos autorizaria a forjar, ressoa sob Kratylos, Crátilo, Kratylos, dáctilo "o dedo", e mesmo alguma coisa como krateï dákíylos, o dedo que comanda, ou a potência do dedo. Podemos imaginar — com a condição de afastarmos as interpretações cínicas que, por serem obscenas, não seriam talvez sem pertinência — dois gestos. De início, para nós, o do "shhh!". Indicador diante da boca para impor e se impor silêncio; Crátilo consequente se cala e ordena que se faça o mesmo. Mas, de forma mais verossímil, o gesto da deíxis: o indicador, ao menos ele bem nomeado, apontado para o que passa, não designa sequer o pássaro, nem mesmo seu voo, mas sua transformação, seu desaparecimento.

Hegel, no capítulo da Fenomenologia do Espírito, intitulado "A certeza sensível, ou o isto e minha visada do isto", descreveu magistralmente a auto-refutação, a autocontradição constitutivas da deíxis, e a maneira pela qual a certeza sensível que aparece como o conhecimento mais rico "se revela expressamente como a mais abstrata e a mais pobre verdade": "O aqui é por exemplo a árvore. Eu me volto, essa verdade desapareceu e se transformou em verdade oposta: o aqui não é uma árvore, mas antes uma casa"4. O fluxo que derruba a deíxis está ligado à inadequação radical da linguagem ao sensível:

 

Eles visam esse pedaço de papel... mas o que visam, eles não dizem. Se, de um modo efetivamente real, quisessem dizer esse pedaço de papel que visam e se quisessem propriamente dizê-lo, então isso seria uma coisa impossível, porque o isto sensível que é visado é inacessível à linguagem que pertence à consciência, ao universal em si (ibidem, p. 91).

 

Hegel conclui: "é a linguagem que é o mais verdadeiro". E é por isso que um Crátilo consequente, que "quer propriamente dizer" o mundo de Heráclito, deve dar-se por vencido e baixar os braços.

Do silêncio de Crátilo e do seu sentido filosófico encontram-se as marcas, como uma prova antecipada, no diálogo platónico que leva seu nome. Crátilo fala pouco aí: um quinto do diálogo (entre 428b e 440c). No resto do tempo, fazem-no falar. É em primeiro lugar Hermógenes, que prefacia ao enunciar para Sócrates a tese de Crátilo, e lamenta que Crátilo não explique nada:

 

quando eu questiono e desejo saber o que ele quer dizer, ele não explica nada e me trata com ironia, fingindo meditar alguma coisa em seu foro interior, como se tivesse sobre isso um saber que, se ele quisesse enunciá-lo claramente, faria com que eu lhe desse meu acordo e dissesse o mesmo que ele diz (383b-384a).

 

Crátilo, segundo todas as aparências, pensa, sabe, mas quase não fala; e, quando fala, não é como um filósofo mas como um oráculo que se deve interpretar (ten Kratylou manteían: 385a 5), não menos do que Sócrates aliás, quando se põe a cratilizar (cf. 411 b, 428c). Pois é em seguida não mais Crátilo mas Sócrates quem cratiliza para Hermógenes e se deixa levar pelo entusiasmo dos nomes. Depois, quando Sócrates entra efetivamente em diálogo com Crátilo em pessoa, arrebata-o no fluxo heracliteano a ponto de transformá-lo em Hermógenes ("Não é verdade que concordas contigo mesmo e que a correção do nome se torna para ti uma convenção?", 435b). Assim deportado pela maré das palavras socráticas, Crátilo, uma vez mais se cala: "Tomarei, diz Sócrates, teu silêncio por aquiescência".

Mas é sobretudo o final aporético do diálogo, seu adiamento campestre, que exige análise. Sócrates acaba de estabelecer sua própria tese aparentemente modesta, que é preciso partir não dos nomes, mas das próprias coisas — e Crátilo concorda com isso (439b). Propõe então a Crátilo reexaminar o "turbilhão" heracliteano à luz do "devaneio" (439a) socrático do belo em si, da ideia. Se tudo passa, não se pode atribuir corretamente a nada (proseipein auto orthBs, 439d) nem nomeação ("é isto": hóti ekeïno estiri) nem predicação ("é assim": hóti toioütori). Não se trata mais apenas de uma projeção da vertigem do sujeito sobre o objeto, turbilhão, catarro (440d, cf. 411b-c), mas de uma tripla impossibilidade radical: se tudo se transforma, quer dizer, muda de forma, de eidos, então não poderia haver nem conhecimento (ouk àn eíë gnÕsis), nem conhecedor (oúte to gnõsómenon), nem conhecido (oúte to gnõsthêsómenori àn eíe, 440b). Eis o heraclitismo levado ao extremo que professam na Metafísica os extremistas como Crátilo. Ora, Crátilo, que Sócrates nesse momento trata à moda normanda* [Osório diz: “significa responder nem sim nem não”] e afaga como a um cavalo ("pode ser que sim, pode ser que não", "examina com coragem", "não te rendas facilmente", "tu és jovem", "na flor da idade", "conduz a investigação e se encontrares", etc.) persevera: "Prefiro bem mais o que Heráclito diz". Cai então a conclusão socrática: "Vai aos campos! De resto, Hermógenes acompanhar-te-á" (440e). Pois se não se trata apenas de emitir ou de escutar sons, mas de dizer alguma coisa e de conhecer, se a linguagem deve dizer o que é, seja por natureza ou por convenção, para Sócrates como para o Crátilo consequente de Aristóteles, a posição heracliteana é insustentável, quer dizer, muda: férias filosóficas, longe da agora, no vazio do campo. [Osório diz: diálogos de Platão que têm os sofistas como “personagens” principais: Górgias, Protágoras, Sofista, Hípias, Hípias Menor, Crátilo...]

Mas por que Crátilo não se cala por si mesmo, em Platão como em Aristóteles? Dito de outro modo, qual é a cada vez sua relação com a sofística?

Aristóteles coloca Crátilo ao lado de Heráclito e de Protágoras, entre aqueles que ele necessariamente conseguiu persuadir da verdade do princípio. A demonstração por refutação é, com efeito, tão econômica que é preciso e é suficiente que o adversário do princípio satisfaça à definição do homem, "animal dotado de lógos", para ser refutado: é suficiente que ele fale, quer dizer, segundo a série das equivalências aristotélicas, que "diga alguma coisa" (légoi ti, 4, 1006a 22), quer dizer ainda que ele "signifique alguma coisa para si mesmo e para outrem" (sema-neínein gê ti kal autõi kal állõi, 4, 1006a 21). Convencer-se-á assim todo partidário do mobilismo ou do relativismo de que alguma coisa ao menos escapa à mudança: a palavra que ele pronuncia, que não pode ter e não ter ao mesmo tempo o mesmo sentido.

Temos aqui, a meu ver, um ponto de clivagem maior entre Platão e Aristóteles. Na verdade Sócrates propõe abandonar aí as palavras para falar das coisas, e sonha com o bom em si "sempre semelhante a si mesmo": o modelo da identidade platônica é a ideia. Aristóteles, reconhecendo naturalmente que "o mesmo vinho é ora doce, ora não doce", seja porque o vinho ou porque o bebedor tenha mudado, estipula que "não é certamente o doce, tal como é a cada vez que é, que tenha jamais mudado" e que "o que for doce terá necessariamente tal natureza" (5, lOlOb 23-26): o modelo da identidade aristotélica é o sentido da palavra. De Platão a Aristóteles: do Doce em si ao "doce" entre aspas.

Daí a importância da posição de Crátilo, visto que, se Crátilo se cala, o dispositivo aristotélico desaba. Há assim duas maneiras de escapar à persuasão de Aristóteles. A primeira é esse silêncio obstinado de Crátilo que não dá margem à refutação. Mas o preço a pagar é exorbitante: "um tal homem enquanto tal é de saída semelhante a uma planta" (1006a 15). Crátilo não é mais especificamente um homem, mesmo se permanece genericamente um vivo; descortês e associal, é inumano por vontade filosófica. [Osório diz: por aí se ver que as palavras transformam uma coisa em outra!]

A segunda escapatória é o ruído não menos irredutível dos que falam sem intenção de significar. Na verdade, mesmo que façamos com que a refutação tenha como objeto os sons que eles pronunciam, ela — já que é um silogismo que deve concluir pelo contraditório — não poderia valer contra os que "estimam ter o direito de dizer coisas contrárias desde que eles as digam" (6, 1011a 16). Mas o preço a pagar é sempre o mesmo: "Não é possível para esse tipo de homem nem pronunciar nem enunciar (oúte phthénxasthai oúte eipein), pois ele quer dizer simultaneamente isto e não-isto. E se nada sustenta, mas crê tanto quanto não crê, em que diferiria ele dos seres puramente naturais (pephykótõn) das plantas (phytori)?” (1008b B-12). Só que, à diferença de Crátilo, esses verdadeiros sofistas são inumanos não por cegueira filosófica, mas por decisão ética, por "intenção" justamente (1004b 24s.), e seu discurso imbatível é prezado demais na cidade. Falar sem dizer nada é uma maneira vantajosa de se calar; face a eles, o Crátilo aristotélico permanece a encarnação; da idiotia filosófica.

Ora, é bem importante que seja o Crátilo falante de Platão, Crátilo e não Sócrates, quem instaure por conta própria a cisão entre falar como um homem e fazer ruído como um sofista. A pergunta de Sócrates: "Será que todos os nomes são estabelecidos corretamente?", sabe-se que Crátilo responde: "Ao menos todos os que são nomes" (429a, fim). Nesse ponto, Sócrates reconhece a já batida tese sofística de que é impossível dizer falsidades (pseudê légein., 429d). Tese que Crátilo sustenta de boa vontade à maneira de Antístenes, de Górgias, de Eutidemo, de Dlonisodoro, do Estrangeiro, no modo ontológico: "Dizer isto que se diz, como não seria dizer (d)o ente?" (429d 4; grifo meu)5. Mas Sócrates faz com que ele abandone aí essa argumentação esnobe ou chique demais (kompsóteros: 429d 8), não sem lhe fizer uma pergunta suplementar (tósonde, 429d 9), que parece, como frequentemente, ainda mais sutil: "Se não te parece possível dizer falsidades, não te parece possível entretanto proferi-las?"

O que introduz então essa substituição? Trata-se, para Sócrates, de esquivar a equivalência parmenideana do légein ao eînai, do dizer e do ser, que torna possível a demonstração sofística6: ao banir o légein por demais filosófico em benefício de uma série de verbos cada vez mais contextualizados, cada vez mais pragmaticamente marcados, ele tenta deslocar a problemática, da ontologia para uma prática da enunciação. Há aqui um redobrar de sutileza, já que, se o sofista combateu de início a filosofia com a ajuda das próprias armas da filosofia, é agora o filósofo que busca combater o sofista com a ajuda das próprias armas da sofística [Osório diz: Contradição Platônica]. Assim se deve, creio, interpretar a sequência quase intraduzível: légein, verbo parmenideano, ontológico, filosófico ("dizer"); phánai, não no sentido veritativo ("afirmar", trad. Méridier), mas como chamando a atenção para o ato de "proferir", para a presença da enunciação mais do que para a validade do enunciado; eipeîn, que implica uma comunicação com outrem, até mesmo um diálogo ("falar"), precisado por proseipeîn, "dirigir a", que coloca sem equívoco possível, em situação concreta, face a um interlocutor determinado; dirige-se uma saudação e esse é justamente o exemplo tomado por Sócrates: "Bom dia, Hermógenes", dirigido a Crátilo. Como Crátilo assim implicado não se sentiria obrigado a confessar que essa saudação ao menos se engana de endereço?7 Para compreender o jogo socrático, é importante não separar, como faz por exemplo Méridier em sua tradução, essas diversas modalidades de enunciação que Sócrates reúne como equivalências: o homem que te saúda assim com o nome de Hermógenes "diria essas palavras, ou proferi-las-ia, ou enunciá-las-ia, ou dirigi-las-ia assim não a ti mas a Hermógenes que aqui está, ou a ninguém?" Sócrates, introduzindo ao mesmo tempo a modalidade e o alvo da enunciação, seu "como", consegue com esse subterfúgio uma refutação da demonstração sofística tão batida quanto ela. Se com efeito sempre se diz o ente, é necessário ainda, para dizer a verdade, dizê-lo como é preciso, ou como ele é. Opera aqui, no plano da pragmática, uma análise do falso e do não-ser como alteridade, análoga à que leva o estrangeiro ao plano sintático-semântico interno à frase ("Teeteto, voa", cf. Sofista, 263a-d).

Só que a resistência de Crátilo é notável e, por uma vez, sem dúvida a única em todo o diálogo, vitoriosa. Ele recusa sucessivamente cada um desses verbos que implicam uma enunciação, logo também um sentido enunciado, e propõe em seu lugar phlhéngesthai, "emitir sons". Essa saudação não é dirigida, ele protesta, mas terá sido apenas "emitida como ruído". E quando Sócrates tenta, contentando-se com esse verbo minimal, reintroduzir a problemática da verdade — "Serão verdades ou falsidades que ele emite?" —, Crátilo a recusa para ir ainda mais longe, phthéngesthai parecendo-lhe, como para Aristóteles ainda há pouco8, demasiado humano. Ele se refugia em psophein, "ressoar", como uma porta, pedras, um instrumento musical, mas sem nenhum dos acentos da voz humana, dessa phônê, que se arrisca sempre, mesmo apesar dela a ser semantikê: aquele que saúda assim "ressoa vibrando a si mesmo em vão, como se vibrasse algum vaso de bronze ao bater nele". Operação estritamente física: o sino de Crátilo vale bem a planta da Metafísica.

Será necessário concluir daí que Crátilo o heracliteano já é, em Platão, aristotélico? Vejamos antes a principal consequência da posição de Crátilo no diálogo: se todos os nomes são correios, todos os que ao menos são nomes, então "pode-se dizer absolutamente que, quando sabemos os nomes, sabemos também as coisas" (453d 5s.). A exclusão dos falsos nomes da classe dos nomes permite se ater apenas aos nomes. Ora, que os nomes, ou as palavras, sejam suficientes, é exatamente a posição — não de Aristóteles, que não cessa de trabalhar para dissipar a homonímia constitutiva da linguagem e fonte principal dos sofismas9 — mas realmente do sofista aristotélico, daquele que fala lógou chárin, contentando-se com as palavras como se existisse apenas linguagem. Na realidade, a hýbris ontológica de Crátilo, perfeita correção dos nomes, perfeita adequação da linguagem, não é senão o avesso, ou melhor, o direito filosófico, da meontologia sofística, as duas posições chegando à mesma palavra de ordem: apenas os nomes e unicamente eles. Mas a juventude platônica de Crátilo acredita ainda ser possível essa correção perfeita, enquanto sua idade aristotélica lhe impõe um silêncio não menos idealista. Assim compreendem-se ao mesmo tempo a força da injunção socrática, segundo a qual é preciso falar das coisas e não dos nomes, e a sutileza da posição aristotélica que imbrica coisa e nome no dispositivo intersubjetivo da significação. Elas nos ensinam que há duas maneiras simétricas e ligadas de abster-se do ser: sustentar até o silêncio ou até o ruído que a linguagem é o ser.

9. O mal radical da linguagem e, na verdade, que os nomes sejam necessariamente em menor número que as coisas (cf. Ref. Sof., I, 165 a 12-14). [Osório diz: a palavra folha, por exemplo, serve tanto para a folha da parreira quanto para a folha de papel! E a palavra “manga”, tem “n” acepções]. [Osório diz: é aqui que Aristóteles matou o Crático platônico]. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 27-36).

 

 

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