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47.6 – A lei (nomos), justiça e vida, por Antifonte.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

47.6 – A lei (nomos), justiça e vida, por Antifonte.

 

Diz-nos Guthrie:

 

Alternativamente, sustentou-se que não há nenhuma contradição, porque as passagens que estamos a ponto de considerar não revelam o seu autor “como o inimigo imoral de nomos e controle social, mas como seu crítico, utilitarista realista, mas socialmente intencionada”. A primeira questão pode-se omitir porque para a presente discussão basta que representem idéias correntes no séc. V. Se soa ou não imorais e hostis ao nomos deve emergir à medida que as vamos considerando. Pode antes ser que a hostilidade ao nomos seja um de seus traços constantes, que na prática pode levar, quer a preceito egoísta (“ignora o nomos em teu comportamento pessoal se podes evitar de ser descoberto”), quer a uma humanidade abrangente (“a distinção entre gregos e bárbaros é só questão de nomos”). [Osório diz: o intérprete usa a vontade!]

(Antífon fr. 44A DK): a justiça consiste em não transgredir as leis e usos (nomina) do próprio Estado. Por isso o mais vantajoso meio de manipular a justiça [Osório diz: ou seria a lei?] é respeitar as leis quando testemunhas estão presentes, mas em caso contrário seguir os preceitos da natureza. Leis são contratos artificiais, falta-lhes a inevitabilidade do crescimento natural. Daí, transgredir as leis sem ser descoberto não faz nenhum mal, ao passo que toda a tentativa de violar os ditames inatos da natureza é danoso sem considerar a descoberta dos outros, pois o dano não é apenas, como no caso do transgressor da lei, uma questão de aparecer ou reputação, mas realidade. A justiça no sentido legal está em geral em disparidade com a natureza. As leis prescrevem o que devemos ver, ouvir ou fazer, aonde devemos ir, e até o que devemos desejar [pode-se pensar nos dez mandamentos], mas, no que diz respeito à conformidade à natureza, o que proíbem é tão bom como o que mandam. [Osório diz: aqui o autor identifica justiça = lei. Para Antifonte, isso é diferente! Mas aí entram os adversários dos sofistas e dizem que eles pregavam a injustiça e não o descumprimento das leis que eles reputavam injustas].

Vida e morte são ambas naturais, uma benéfica ao homem, e a outra desvantajosa. Mas “beneficio” tal como a lei o entende é uma resistência à natureza; em seu sentido natural significa liberdade. Dores não estão presentes na natureza mais do que prazeres, e o que é verdadeiramente beneficente deve ajudar, e não prejudicar. Não se pode dizer que o que causa dor seja mais benéfico do que traz prazer... [lacuna de sete linhas no papiro]... aqueles que, embora se defendam a si mesmos, nunca tomam a ofensiva, aqueles que estimam pais que os tratam mal, e aqueles que dão a seus oponentes a oportunidade de se ligar por juramento recusando a fazê-lo eles mesmos. Muitas destas ações são contra a natureza, pois implicam mais dor do que prazer, e mau tanto quando o reverso é possível. Se as leis protegessem tal comportamento e infligissem perda aos que agem de outra maneira, poderia ser vantajoso obedecer-lhes; mas assim como é, a justiça legal não é suficientemente forte para isso. Ela não impede o ataque nem o sofrimento da vítima, e quando se busca reparação ela favorece tanto o opressor como o oprimido. A vítima deve persuadir o tribunal de que foi injustiçada, e seus atacantes têm facilidades iguais de negá-lo. [Osório diz: vítima e réu no tribunal se igualam! A vítima sofre duas vezes: a violência primeira e a prova de que a sofreu. O réu leva vantagem, pois pode até provar que a vítima é a culpada]

 

[Tomando apo em sentido partitivo (V. Lw, s. v. I 6). Manifestamente se costuma entendê-lo como causativo Cresulta das coisas benéfico..."r. Kerferd nota (loc. cit. 31) que evidentemente nem tudo que é physei é vantajoso, e a norma de Antífon deve ser restringida a ta physei tzympheronta. (C£ também Heinimann, N. u, Ph. 137). Isso parece mais razoável do que a afirmação de Stenzel (RE Suppl. IV, 36) para quem toda a ênfase está na vida, e a morte só se introduz como "expressão polar" e por antítese retórica. O argumento parece ser que tanto a natureza como a lei produzem dano ou bem (até um defensor da natureza como Antífon poderia dificilmente negar a ocorrência de desastres naturais como terremotos e inundações), e que têm critérios diferentes do que sejam bem e mal, e os da natureza se devem preferir.]

 

[Doutrina hedonística semelhante é criticada em Xen. Mem. 1.6 como de Antifon. Como diz Croiser, pode-se imaginar que destruição Sócrates faria com uma linguagem imprecisa deste tipo! [Osório diz: Sócrates seria um masoquista?] ].

 

[Kerferd (loc. cit. 29) diz, referindo-se especialmente a esta cláusula, que o que aí se menciona vai além do que exige a lei, e representa, portanto, terceiro padrão de ação distinto tanto da natureza como das leis. Mas não haveria nenhum terceiro padrão na mente de Antífon, pois um dever socialmente reconhecido como o de filhos e filhas adultas de dar apoio aos pais (um dos mais profundamente enraizados de qualquer sociedade grega) era nomos tanto quanto qualquer lei positivamente decretada. Cf. p. 58 acima).

Bignone, em sua tentativa de demonstrar que há estreita afinidade entre as doutrinas das duas obras Sobre a verdade e Sobre a concórdia, ambas representando "utilitarismo filantrópico", ignora completamente esta passagem. Em todo o seu ensaio em Studi sul pensiero antico não se menciona esta afirmação de que um comportamento, como recusar atacar a outros a não ser em autodefesa e tratar mal aos pais, é hostil à "natureza" que é o ideal de Antífon.].

Acredita-se que a justiça é algo bom, e dar testemunho verdadeiro mútuo considera-se em geral justo, da mesma foram que ser úteis nas relações humanas. Mas não será justo, se o critério da justiça é que um não deve infligir nenhuma injúria ao outro a não ser que este tenha primeiro injuriado. A testemunha, mesmo se confiável, inflige injúria ao homem contra o qual atesta, embora aquele homem não a tenha injuriado, e pode injúria sofrer em retorno. Pelo menos ele deve ter cuidado com o ódio dos outros que fez seus inimigos[Osório diz: a delicada posição da testemunha]. Assim injúria está implicada em ambos os lados, e chamar tais atos justos não se pode reconciliar com o princípio de que não é justo nem infligir nem sofrer injúria. Deve-se concluir que inquérito judicial, julgamento e arbitração não são justos, qualquer que seja seu resultado, pois uma decisão que beneficia um lado injuria o outro. [Osório diz: A “justiça legal” sempre injuria alguém!]

Basta pensar que impressão teríamos de Platão se nosso conhecimento da República se limitasse a alguns fragmentos do discurso de Gláucon (por exemplo, a sentença em 359c: "É natural a todo homem buscar a ambição egoísta como um bem, mas o nomos nos seduz para o respeito da igualdade") sem a explicação de que agia provisoriamente como advogado do diabo para que o caso fosse demolido por Sócrates. [Osório diz: Sócrates foi um personagem construído para ganhar! Era o “mocinho” de Platão!] [Osório diz: o que diz o autor serve para todos os que deixaram apenas fragmentos ou apenas para Sócrates?] Deparamo-nos aí com três noções de justiça, que às vezes se têm ensinado como irreconciliáveis e, sendo assim, necessariamente de origens diversas. [Osório diz: Qual é a de Antifonte? E se ele tivesse somente expondo uma tese para depois contestá-la? Se ele estivesse fazendo o papel de “advogado do diabo”, tal Gláucon?]

Conformidade a leis e costumes do próprio Estado. Estes, como na avaliação de Gláucon, se depreciam como questões de acordo humano. O auto-interesse exige que o homem se conforme apenas quando de outra forma fosse observado e punido. Lei e natureza têm idéias diferentes. Na natureza, vida, liberdade e prazeres são benéficos, e a morte não o é, mas a lei manda coisas que são dolorosas e impõe restrições artificiais à natureza. Estas não são verdadeiramente benéficas. Na visão esboçada por Gláucon, as virtudes aceitas devem ser praticadas por medo do pior, embora, se fosse dado o anel de Giges, ninguém seria ou deveria ser virtuoso, mas aí se crê obviamente que oportunidades não-observadas de desafiar o nomos ocorrem e se devem aproveitar. Apóia-se isso por outro argumento, o de que a lei não pode se proteger a si mesma. Ela só age depois do evento, e a chegada do pede Poena claudo [Osório diz: “o castigo claudica”, diz Horácio ao afirmar que o crime, nem sempre é imediatamente castigado.] é de pouco uso para homem assassinado. Pior do que isso, os tribunais de fato oferecerem oportunidade igual ao ofensor e à vítima [Osório diz: a lei não protege sequer a si mesma!].

A definição de justiça aí criticada soa, à primeira vista, exatamente como a citada com forte aprovação por Sócrates nos Memorabilia de Xenofonte (4.412-13), a saber, que “legal e justo são a mesma coisa”. [Osório diz: caso legal e justo fossem a mesma coisa, Sócrates poderia ter se defendido no tribunal? Não é ele que defende a obediência absoluta à lei? Logo ao que é justo!] Também se admite aí que as leis são meras criações dos cidadãos que concordam sobre o que se deve ou não se deve fazer, argumentando-se, porém, com certa amplidão em prol dos méritos deste conceito de justiça. [Osório diz: cidadãos para quem é democrata, para Sócrates/Platão bastam os ditadores!] Corporativamente, a obediência às leis produz unidade, força e felicidade, e para o indivíduo ela ganha amizade e confiança e (em direta contradição a Antífon) fornece a melhor oportunidade de vitória nos tribunais. Tudo isto se aplica às leis positivamente decretadas, mas, contrariando a Antífon, Sócrates continua inserindo as “leis não-escritas” que são de aplicação universal e aceitas por ele e por Hípias como divinamente ordenadas. Estas não são certamente os “ditames da natureza” de Antífon, pois abrangem o (p. 106) dever de honrar os próprios pais [Osório diz: mesmo que os país não honrem os filhos?] e a retribuição de benefícios, e Sócrates afirma que a obediência a eles é vantajosa e compensadora para o indivíduo, e (como Antífon com seus desconsiderar impunemente (p. 113 abaixo).

 

[Cf. também Lísias, 2.19 anthropois prosekei nomo horisai to dikaion. A equiparação de nomima e dikaia por Protágoras (em Platão, Theaet. 172a) é bastante diferente: as leis de uma cidade são dikaia para esta cidade enquanto estão em vigor, mas não são necessariamente sympheronta. Cf. 167c, e pp. 125, 162s abaixo. Bignone (Studi 74s) pensou que era Protágoras o alvo da crítica de Antífon.].

 

Nem fazer nem sofrer injúria [Osório diz: e revidar a uma injúria é injuriar?]. Sustentou-se que estas duas definições de justiça conflitam e, portanto, não podem receber adesão da parte das mesmas pessoas. Mas pode ter parecido assim para Antífon, pois o modo de ele introduzi-las no começo e no fim de sua argumentação de que testemunhar contra um homem “não é justo” implica que são idênticas ou muito semelhantes. Completa liberdade de injustiça [Osório diz: penso que o autor, Guthrie inverte e perverte! Veja-se que logo acima Antifonte diz que o ideal é “nem fazer nem sofrer injúria”, como, então, pois, a liberdade para a injustiça? / O que ele também não diz, é que Antifonte poderia estar combatendo as leis injustas! Lembremos que estávamos no início da história das leis escritas, pelo menos no Ocidente!], tanto de fazê-lo como sofrê-la, é o ideal, mas não está no poder de quem quer que seja assegurar-se de que nenhum outro homem lhe faça injustiça, de sorte que a melhor expressão prática da justiça é nunca tomar a iniciativa de fazer a injúria [Osório diz: por isso a lei não garante nada! A pena, posterior a injúria, não faz o tempo retroagir para apagar a injúria por parte de quem a sofreu]; e obviamente, se isto se observasse universalmente, seguiria a outra: se ninguém agisse a não ser em autodefesa, não haveria nenhum ataque para tornara necessária a autodefesa [Osório diz: sim, mas aí o mundo não seria mundo e o ser humano não seria humano!]. Muito provavelmente a terceira descrição de justiça era equivalente na mente de Antífon à primeira, uma vez que Platão faz Gláucon dizer que na opinião geral a lei era “acordo mútuo a não infligir nem sofrer injúria”.

Uma moralidade inculcada pela lei e pelo costume é contrária à natureza, e se deve preferir o caminho da natureza. Em OP 1364, ele alega que reprimir-se para não sofrer injustiça, exceto em autodefesa, é contra a natureza [Osório diz: e não é?], mas isto não o impede de frisar em 1797 que, se, como muitas pessoas, o aceitares como princípio de ação correta, encontrar-te-ás imediatamente em conflito com outro princípio geralmente aceito, o princípio de que quem quer que tenha informação que possa fazer um criminoso ser levado às barras da justiça tem o dever de apresentá-la. [Osório diz: as regras e as exceções. Isso não é ser moralista?]

Isso nos leva ao nível de Sócrates ou Jesus [Osório diz: as duas figuras da perniciosa religião à razão. Aliás, a religião somente é boa para os celerados dispostos a cometer injúria!], e Sócrates argumenta em seu favor mais uma vez, por exemplo, na República (335d, "Pois não é o papel do homem justo, Polemarco, prejudicar o seu amigo ou qualquer outro que seja") e Crito (49b, "Pois devemos não infligir injúria por injúria, como muitas pessoas crêem", e c, "Pois uma pessoa não deve tratar nenhum homem injustamente em revide, ou prejudicá-lo, qualquer coisa que soframos de suas mãos"). [Osório diz: e o cretino do Sócrates foi para a guerra! Isso seria Platão tirando sarro! Ou ele foi para guerra para que?] Os presentes fragmentos não oferecem nenhuma prova de que Antífon era moralista deste calibre [Osório diz: calibre vagabundo, diga-se de passagem, pois a pregação nega a prática]. Obviamente era pensador sério, e muito do que diz aqui se pode interpretar altruisticamente: a alegação de que o prazer é mais benéfico do que a dor poderia representar um utilitarismo hedonista de espécie universal, advogando uma conduta que assegurará o máximo de prazer no mundo em geral. De outra parte, porém, como quando ele deprecia o reprimir-se de agressão não-provocada como contrário àquela "natureza" que é seu ideal, parece que o hedonismo é egoísta e individualista. [Osório diz: E isto não pode ser? Onde um contraria o outro?].

 

[Para avaliar o caráter revolucionário da ética socrática, deve-se lembrar como estava profundamente enraizada na moralidade grega a doutrina de que "o autor sofrerá", que tornou a exação de revide ou vingança não só direito, mas também dever religioso. Cf. Ésqu. Ag. 1563s, Cho. 144,306- 14, Eur. H. E 727s. Outras passagens são citadas por Thompson, Oresteia, II, 185. [Osório diz: Então, todo o legal, que é justo (vide p. 119) não debe existir! Existe para quê? Se existe é por que o homem não presta!]

[Osório diz: pregunta a Sócrates: para que saber o que é o justo, se basta a edição de uma lei dizendo o que ele é?].].

 

[Na medida que Antífon está correto, esses comentários são feitos com certeza com base na suposição de que as idéias em questão são dele mesmo. Apesar dos argumentos de Bignone e Kerferd, esta ainda é minha impressão. Naturalmente, lidando com extratos assim fragmentários, preservados acidentalmente, só se podem tirar conclusões com precaução, e o propósito do presente capítulo é apenas mostrar que tais ideias eram correntes no séc. V.].

 

O “discurso”, disse Górgias (Hel. 14), “tem a mesma relação com a mente que as drogas têm para o corpo. Assim como as drogas eliminam diversos humores do corpo e algumas põem termo à doença e outras à vida, assim também as palavras podem induzir alegria ou tristeza, temor ou confiança, ou através de má persuasão, drogar e se apoderar da mente”. Esta teoria foi levada, de fato, à prática por Antífon em sua “clínica psiquiátrica” tal como se narra na Vida dos dez oradores: alugando uma sala apropriada em Corinto, ele “desenvolveu ‘uma arte de consolar’ paralela à terapia do corpo pelos médicos”.

 

[[Plut.] Vitae 833c, Antifon A 6. Sobre isto e a identidade de Antifon v. abaixo, pp. 114s. Sugere-se intuição psicológica também por seu dito (fr. 57) de que doença é férias para os preguiçosos, pois não precisam sair para o trabalho. Supus aqui o fato de que a narrativa em Vitae e verdadeira, mas v. pp. 268s, com notas.].

 

Retórica e Filosofia: outros modos de ver – ceticismo externo e moderado.

Certo Xeníades de Corinto, que só conhecemos por uma referência em Sexto, também adotou ceticismo extremo por esta época. De acordo com Sexto, “ele disse que tudo era falso, que toda impressão e opinião é falsa, e que tudo o que vem a ser vem a ser do que não é e tudo o que é destruído é destruído no que não é”. Que argumentos usou, se é que usou, para sustentar sua tese nós não sabemos, e sua afirmação vale citar simplesmente como outro exemplo de má reputação em que as teorias rivais dos filósofos naturais e especialmente a lógica de Parmênides tinham levado todo o tema da natureza da realidade e da possibilidade de mudança [Osório diz: Parmênides é outro adotado por Platão, o advogado das causas impossíveis]. Foi Parmênides que atacou expressamente a idéia de que alguma coisa podia vir ao ser do que não é (fr. 8.6ss), mas toda a filosofia pré-socrática e na verdade todo pensamento grego até hoje baseou-se na suposição não-questionada de que ex nihilo nihil fit. [Osório diz: tradução: “nada surge do nada”]

(...)

Crátilo, contemporâneo mais jovem de Sócrates (Platão, Crát. 429d, 440d-), levou aos extremos a doutrina de Heráclito do fluxo ou não permanência de tudo no mundo sensível. Aristóteles, discutindo em sua Metafísica a doutrina cética de que toda afirmação é tanto verdadeira como falsa, ou alternativamente de que não se pode fazer nenhuma afirmação verdadeira, atribui-as a uma crença de que não há nenhuma existência fora do mundo sensível, em que (i) contrários emergem da mesma coisa, e (ii) tudo está constantemente se movendo e mudando. A última observação, continua ele (10 10a 10), se desenvolveu na mais extrema destas doutrinas, a dos "heraclitizantes" e de Crátilo, que finalmente decidiu que ele não devia dizer nada em absoluto, mas apenas movia o dedo, e criticou Heráclito por dizer que não se pode pisar duas vezes no mesmo rio pelo fato de não se poder sequer pisar uma vez. Ele evidentemente pensou (como se esperaria do que se põe em seus lábios no Crátilo de Platão) que pronunciar qualquer afirmação é entregar-se à afirmação de que algo é. [Osório diz: ver Barbara Cassin sobre Crátilo]

 

[Melisso, fr. 8.3: “Parece a nós que o quente se torna frio e o frio quente, o duro se torna macio, o vivo morre, e nasce do não-vivo; que todas estas coisas mudam, e que o que era e o que é agora não são de nenhum modo iguais: o ferro que é duro é desgastado pelo contato com o dedo, como o são o ouro e a pedra e toda outra substância que parece dura, ao passo que da água vêm a terra e a pedra. Segue que nós não vemos nem reconhecemos o que é real (ta onta)”. …[Osório diz: isso sempre me leva ao dito de Lavoisier: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.]].

 

[Crat. 429d. (Presumivelmente ele não foi lógico a ponto de se negar discurso ao fazer a crítica de Heráclito). Esta argumentação é atribuída explicitamente a Antístenes. [Osório diz: que lógico nunca se contradisse ou qual deles encontrou a tal “verdade”?]].

(…)

 

Na controvérsia do séc. V sobre nomos e physis, agora ficou claro que se devem distinguir duas posições entre os que eram filósofos suficientemente sérios para se preocuparem com implicações ontológicas e epistemológicas de suas ideias. (Isto não incluía todos os controversistas, pois o próprio argumento surgiu no contexto da ação humana prática e foi usado primariamente para advogar certa atitude para coma lei e a moralidade). Era possível pensar que lei e costume, e com eles a totalidade das impressões dos sentidos, deviam ser contrapostos enquanto mutáveis e relativos com uma natureza que era estável, permanente e conhecível, opondo como Demócrito o que era "por nomos" ao que era "na realidade". Pode ser que "realmente não conheçamos nada, pois a verdade está nas profundezas" (Democr. fr. 117), mas aí está a verdade, se pudermos cavar fundo e achá-la [Osório diz: o problema é que o buraco parece não ter fim!]. Alternativamente, sustentou-se que não havia nenhuma realidade objetiva e permanente atrás das aparências, e, " portanto, visto que estas eram puramente subjetivas, não havia nenhuma possibilidade de conhecimento científico. Nenhum filósofo natural acreditava nisto, mas os sofistas aproveitaram-se das inconsistências de suas [Osório diz: dos filósofos naturais] exposições como prova de que não se podia confiar neles. (Cf. Górgias, Hel, 13, p. 52 acima). Foi a estes céticos que Aristóteles criticou por fazer toda afirmação verdadeira e falsa, ou verdadeiras afirmações impossíveis, estando em seu número Protágoras e Górgias. Afirmou-se também que Antífon estava entre eles.

 

[Assim Schmid, Gesch. 1.3.1,160: "Antífon adere ao ceticismo epistemológico de Protágoras e Górgias pelo fato de contestar a possibilidade do conhecimento real e se restringir dentro dos limites da doxa. Dentro desta moldura, ele distingue dois níveis de conhecimento: um mais elevado através da mente (gnome) e um mais baixo através dos sentidos, que a seu ver e ao ver dos eleatas e dos atomistas não pode comunicar nenhum conhecimento válido". Todavia todos os outros pensadores contemporâneos, que distinguiam entre percepção mental e sensorial, associavam uma ao conhecimento real e a outra à doxa, e, na medida que posso ver, Schmid não produz nenhuma prova, absolutamente, para a surpreendente idéia de que Antífon, embora aceitasse ambos os modos de conhecimento, viu as funções de ambos igualmente confinadas dentro dos limites da doxa.].

(…)

 

O contraste entre pensamento e sentido. Na tradução de Morrison, reza: "Quando o homem diz uma coisa não há nenhum sentido (nous) correspondente, e também o tema de seu discurso não é nenhuma coisa, quer das coisas que o mais vigoroso observador vê com os olhos, quer das coisas que o mais vigoroso conhecedor sabe com sua mente." [Osório diz: mas isso não é o que quiseram os sofistas? Eles apenas provaram os erros dos outros (caminho que era também trilhado por Sócrates) sem expor os seus! Embora seja isso o que ocorre na vida, Protágoras, no seu mito, deu a única saída possível para a vida em sociedade]

Nenhuma leitura ou interpretação pode extrair o sentido sem nenhuma sombra de dúvida, mas parece que Antífon critica a ambigüidade de linguagem e o sentido mutante das palavras, que as torna incapazes de expressar a realidade, com a implicação de que tal realidade constante exista. [Osório diz: o autor concorda para discordar?]

Ele [Osório diz: Antifonte] ilustrou o contraste entre natural e artificial, em passagem criticada por Aristóteles, dizendo que se alguém enterrasse uma cama de madeira e a madeira apodrecida lançasse um rebento, o que surgiria seria simples madeira, e não outra cama.

[Osório diz: Finalmente o autor, Guthrie, jogou a toalha para Górgias! E, ainda por cima, abandonou os estudos contestatórios do homem de Leontinos]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 103-108 e 188-189 e 189-190).

 

Kerferd arremata:

 

Nos fragmentos conhecidos antes da descoberta dos papiros, especialmente os citados de Sobre a Concórdia, por exemplo fr. 61: "Não há nada pior para os homens do que a falta de regra. Tendo isso em mente, os homens de antigamente acostumavam seus filhos a serem governados e a fazerem o que lhes era ordenado de modo que quando se tornassem homens não ficassem confusos com a grande mudança", parecia que tínhamos um Antífon que falava como um conservador de direita. Contudo, nos fragmentos de papiro parece que vemos um pensador que rejeita as leis em favor da natureza e que está pregando um verdadeiro igualitarismo de esquerda. Isso levou a pensar que o Antífon com estas opiniões não poderia ser o mesmo oligarca radical que era particularmente forte na sua oposição à democracia. [Osório diz: duas frases fora do contexto ou transcritas de um pensamento usado para refutá-lo podem não ser um grande guia!].

Finalmente, deve-se dizer que, um ou dois, ambos viveram na mesma época — nascidos talvez por volta de 470 e falecidos em 411, num caso com certeza, no outro, não muito depois, uma vez que o sofista era considerado contemporâneo de Sócrates e Protágoras. Além de Sobre a Verdade, em dois volumes, e Sobre a Concórdia, ainda atribuídos a ele, havia um Político e uma obra Sobre a interpretação dos sonhos. Vários fragmentos mostram que ele estava interessado no problema da quadratura do círculo pelo método da exaustão (DK87B13) e também em problemas físicos e astronômicos B8, 26, 28,32).

A Antífon de Ramnonte eram atribuídos manuais de retórica, talvez em três volumes, uma Invectiva contra Alcibíades, a composição de tragédias e uma curiosa Arte de evitar sofrimento (Technê Alupias). Consta que, paralelo ao tratamento dado pelos médicos aos doentes, ele teria estabelecido um tipo de consultório ou serviço de atendimento do estilo samaritano moderno, numa sala perto da praça do mercado em Corinto, anunciando-se capaz de tratar os que estavam sofrendo, fazendo-lhes perguntas e descobrindo as causas e, desta forma, encorajando com suas palavras os que estavam aflitos. Não sabemos que palavras eram usadas. Mas no Corpus Hipocrático a ansiedade é reconhecida como um estado patológico (De Morbis 2.72). Eurípides, num fragmento (964N2), faz um personagem dizer que aprendera com um sábio a contemplar de antemão as desgraças, tais como mortes extemporâneas, a fim de que não cheguem inesperadamente quando chegarem. A mesma coisa é citada como um preceito pitagórico, muito mais tarde, por Jâmblico (DK 58D6) e pode bem ter feito parte da terapia psicológica oferecida por Antífon. O interesse por problemas psicológicos é sugerido por sua obra sobre a interpretação de sonhos. Contrário à opinião segundo a qual os sonhos têm origem na percepção direta, como sustentavam os atomistas, ou têm um valor de predição direto e natural, ele seguiu a via mais tarde rotulada de divinatio artificiosa (DK 87B79). Nessa visão, os sonhos eram sinais que requeriam interpretação, não uma aplicação literal, e de fato muitas vezes poderiam significar o oposto do que pareciam dizer. Essa racionalização dos sonhos era, sem dúvida, parte do movimento contra a superstição que, vimos, estava associado ao círculo de Péricles [Osório diz: o círculo de Péricles era contra a superstição: o caso do carneiro unicórnio!]. [Osório diz: a antecipação de Freud ou onde Freud se abeberou?]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 89-90).

 

 

 

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