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54 – Contrato Social, segundo os sofistas.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

54 – Contrato Social, segundo os sofistas.

 

Nos ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Qual é, em rigor, o significado desta teoria? Karl Popper nega-se a falar, a seu propósito, de contrato social sob o pretexto de que não se apresenta “sob uma forma historicista”. É verdade que a concepção histórica moderna é estranha ao mundo grego, mas, apesar de tudo, há em Lícofron uma teoria contratual da comunidade na medida em que esta não é espontânea (natural) e tem a sua origem num pacto de aliança (lei convencional). O pressuposto da teoria é a afirmação do individualismo, o que não é para espantar num sofista. O indivíduo existe por natureza, a Cidade é uma construção. Esta construção não tem senão o alcance limitado de uma aliança, limitada no tempo, limitada pela condição de aliança. Isto explica que a lei não atinja verdadeiramente a natureza profunda do homem e que seja impotente para a modificar: “não é capaz de tornar bons e justos os cidadãos”. A política não pode, portanto, coroar a esperança que Platão nela virá a pôr: caminhar de mãos dadas com a moral, o governante íntegro elaborando leis boas, as leis boas formando governados íntegros. Esta ineficácia ética das leis não impede, no entanto, de se resolver o problema político: basta que o cidadão esclarecido se aperceba de que há interesse em respeitar, pelo menos exteriormente, o direito. Pensamos em Kant, que dirá, mais tarde, que o problema político tem solução até no seio de uma comunidade de demônios, contanto que tenham senso comum.

A natureza cria, portanto, não cidadãos, mas indivíduos. Estes indivíduos naturais são todos iguais e, por conseguinte, a nobreza (que se chama impropriamente “nascimento”) não é mais do que um efeito de sociedade e, como esta, uma pura convenção. Se a convenção social se justifica pelo utilitarismo, a nobreza não o consegue e, então, não é mais do que uma “noção completamente vazia” porque “em verdade, nada distingue os não-nobres dos nobres”. No seu escrito perdido Da nobreza, Aristóteles cita literalmente Lícofron, dando-nos assim, uma amostra preciosa da sua maneira de escrever: “Invisível a beleza da nobreza, a sua majestade reside só nas palavras”. A posição política de Lícofron está, com isto, fixada: é um adepto da democracia, pelo menos um adversário dos oligarcas. Neste sentido, integra-se perfeitamente na corrente sofística tal como nos aparece. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 56-57).

 

Já Guthrie diz “O contrato social”:

 

[Mais comumente conhecido como a "teoria do contrato social", em larga medida por influência do Contrat social de Rousseau, embora também Hume tenha escrito sobre The original contract. Mas tanto Rousseau como Hume usam termos mais gerais como "compact" e "pact" indiferentemente, e como Peter Laslett frisa (Locke's Two Treatises, 112). Locke raramente aplica a palavra "contract" a assuntos políticos absolutamente; é o "compact" ou "acordo" que cria uma sociedade. Ao falar dos gregos, pelo menos, o termo menos específico e legal se deve provavelmente preferir.

Não é preciso dizer que havia diferenças na situação histórica. Aqueles que estavam descobrindo sua identidade e determinando o lugar da monarquia depois das guerras de religião e da Reforma estavam em posição muito diversa da dos sofistas. Uma coisa que ambos têm em comum é a passagem de visão religiosa de lei a secular, da atividade de Deus à do homem. Kaerst frisou acertadamente (Ztschr. f. Pol. 1909, 506) que a teoria do contrato tem dois elementos que devem ser mantidos distintos, embora estejam combinados em algumas formulações modernas. Estes elementos são (a) a doutrina de um contrato social propriamente dito, isto é, um acordo de associação entre iguais (b) o pactum subiectionis, pelo qual o cidadão comum se liga na sujeição a uma autoridade ou soberania mais alta. Só o primeiro tem sua origem na especulação grega [Osório diz: as vezes os autores dão a impressão de quererem que os gregos tivessem dito tudo ou especulado tudo, quando eram homens e agiram como tais! O importante é a implantação do embrião]. (Para a história do conceito do mundo antigo em diante v. o artigo de Kaerts; M. D'Addio, L'idea dei contratto sociale dai Sofisti alia Riforma; J. W. Gough, The social contract).]

Diferem as opiniões até que ponto a teoria do contrato social, tal como se entendeu nos sécs. XVII e XVIII d.C., foi antecipada neste período do pensamento grego...

Uma crença antiga sobre a lei atribuía-a em última instância aos deuses. O legislador ou criador humano da constituição (cuja existência não se negava) era apenas o canal pelo qual os mandamentos do céu se tornavam conhecidos e eficazes. No poema de Tirteu (séc. VII, fr. 3 Diehl), a constituição de Licurgo para Esparta foi ditada em detalhe por Apolo em Delfos. Mais tarde, tendeu-se a dizer que Licurgo fez a constituição, mas foi a Delfos para ter a segurança de que o deus a aprovava…” [Osório diz: o início da besteira de incluir deus na história]

As leis cretenses por sua vez foram, como se disse, obra de Zeus (Platão, Leis, no iníc.). Mesmo Clêistenes, fazendo suas reformas democráticas no fim do séc. VI, recebeu os nomes de suas novas tribos de Pítia (Artist. Ath. Pol. 21-6). [Osório diz: como ficam as maldades não vistas pela lei? Deus cochilou? As lacunas legais, sempre existentes, matam isso!]

Pelo séc. V, uma natureza impessoal tinha substituído nas mentes de alguns homens os deuses como poder universal que produziu a ordem inteira de que os homens são uma parte. Para outros, como Hípias, ambos podem existir confortavelmente lado a lado, e Eurípides, quando fala em linguagem pré-socrática da “ordem perene da natureza imortal”, e alhures em sua poesia, manifesta o desejo de vê-los unidos. Quando, pois, como vimos, ganhava terreno a idéia de que a lei é instituição meramente humana visando a ir ao encontro de necessidades determinadas, com nada de permanente ou sagrado em si, ela pôde ser contraposta ou à ordem divina ou à ordem natural ou a ambas. Dentro desta contraposição, costuma-se dizer que o ato de legislação resultou de um acordo ou contrato (syntheke) entre os membros da comunidade, que “puseram juntos”, compuseram, ou entraram em acordo sobre certos artigos. [Osório diz: a lei é fragmentária] [Osório diz: origem da lei!! MUITO BOM!].

Os relatos de Protágoras não contêm a palavra "contrato", mas, quando os deuses são afastados de sua parábola (como em vista de seu agnosticismo devem ser), descrevem-se os homens perecendo por lhes faltar a arte de viver juntos em cidades e aprendendo por dura experiência a agir justamente e respeitar os direitos dos outros, e fundando assim comunidades políticas. Trata-se de questão de "autodomínio e justiça" (Prot. 322e). Protágoras, disse Ernest Barker, não era "nenhum crente na doutrina de contrato social". Em parte se o deve à convicção errônea de Barker ter "concebido o Estado como ordenação de Deus, existindo jure divino, antes do que como criação do homem, existindo ex contractu", e em parte porque "um contrato que resulta numa unidade artificial mantida por leis artificiais logo se romperia ao se formar. Aquilo de que se precisa e é tudo, é... uma mente comum para perseguir um propósito comum de vida boa". Isto é verdade, mas implicar-se-á na teoria do contrato esta artificialidade?

Não estará certo Popper quando afirma que “a palavra ‘contrato’ sugere... talvez mais do que toda outra teoria, que a força das leis está na prontidão do indivíduo a aceitar e obedecer a eles”?

As virtudes morais que tornavam possível uma vida em comum (aidos, dike, sophrosyne) eram pré-condições necessárias para a fundação de uma polis, mas, uma vez que Protágoras não acreditava que as leis eram obras da natureza ou dos deuses, deve ter crido, como outros pensadores contemporâneos progressistas, que foram formuladas como resultado de um consenso de opinião entre os cidadãos que desde então se consideravam por elas vinculados. [Osório diz: BOM! Protágoras - nascimento e manutenção das leis].

Na "defesa de Protágoras", empreendida por Sócrates no Teeteto (167c), encontramos uma teoria que só se refere às condições presentes, embora não seja discordante com uma crença num contrato original no passado. "Quaisquer atos que possam parecer justos e convenientes a determinado Estado, são-no para este Estado enquanto neles crê; mas quando em caso particular eles são onerosos para os cidadãos, o sábio os substitui por outros que parecem ser benéficos". Este dito segue da doutrina de Protágoras do "homem como medida" (pp. 173ss abaixo), e, como diz Salomon, é um dito de fato e não normativo: aquilo sobre que uma cidade concorda, é justo para a cidade enquanto continuar a considerá-lo válido (nomitze — aceita-o como nomos) [Osório diz: BOM!]. O contrato tornou justo e certo para os cidadãos observar as leis até que sejam alteradas, ainda que a cidade possa prosperar mais sob leis diferentes. De modo semelhante, Aristóteles, mais tarde, distinguindo entre justiça natural e legal, equipara esta última com "justiça por acordo". As primeiras palavras de Antífon fr. 44 A ("Digo que justiça consiste em não transgredir as leis e usos do seu próprio Estado") e a identificação de justo com legal por Sócrates em Xenofonte (Mem. 4.4.12, p. 106 acima) sugerem que esta concepção legal de justiça estava em voga entre os pensadores progressistas da época, e as várias conclusões tiradas dela estavam sob vívida discussão. Deixava aberta a questão se justiça assim definida era ou não "benéfica" (sympheron). [Osório diz: Sim, era! Pois beneficiava assim arguir até para modificá-la, se fosse o caso. Até a identificação de justo com legal poderia ser boa, se ele fosse um democrata! Mas não era!].

Podemos seguramente inserir Protágoras entre os que explicavam o surgimento de comunidades políticas em termos de contrato ou acordo. [Osório diz: ANTECIPAM Locke e Rousseau]

Hípias, para quem lei e natureza estavam em forte contraste... definiu leis explicitamente como “alianças feitas pelos cidadãos pelas quais eles promulgaram por escrito o que devia ou não fazer” (linguagem que lembra Antífon, ...), e indicou a rapidez com que podem ser mudadas como motivo para não levá-las muito a sério [Osório diz: ou para levá-las a sério sim, humanamente. Platão não entra na história por que ele fala diretamente com deus e dele recebe as leis. Moisés é o Platão da bíblia!].

Antífon, no mesmo contexto de oposição entre natureza e lei, também chama as leis de resultados de acordo, que para ele (diversamente de Protágoras) justifica ignorá-las em favor dos preceitos da natureza. [Osório diz: assim atuam os parlamentos!]

No Sísifo de Crítias, onde as leis e suas sanções são instituídas pelos homens para controlar a selvageria do estado de natureza.

As concepções de lei como contrato humano e como dom da divina providência. Mas por alguma razão sempre se atribuíram as honras a Licófron, conhecido por Aristóteles como sofista e de quem se pensava ter sido discípulo de Górgias. E até se afirmou ter sido o fundador da teoria do contrato social em sua forma mais primitiva, embora, uma vez que provavelmente não escreveu antes do séc. IV, a documentação já examinada torne isso impossível.

Nossa autoridade é Aristóteles em sua Política (128b10). Discutindo a perene questão da relação entre lei e moral, ele afirma que a meta e alvo do Estado é promover a vida boa [Osório diz: com ou sem dor? Mas isso não é hedonismo?] e, portanto, ele tem direito e dever de se interessar pela bondade moral de seus cidadãos. “De outra forma”, continua ele, “a sociedade política torna-se mera aliança, diferindo apenas quanto à localização das alianças entre países distantes; e a lei torna-se um contrato, e como Licófron, o Sofista, disse, uma garantia dos direitos recíprocos dos homens, e não meio de tornar os cidadãos bons e justos”. [Osório diz: Aristóteles não era hedonista por quê?]

Lei são "uma garantia dos direitos recíprocos dos homens"

A limitação da lei ao papel negativo de proteger os cidadãos uns contra os outros foi proclamada antes como um ideal por Hipódamo, o célebre planejador de cidades e teórico político que viveu em Atenas em meados do séc. V, [Osório diz: legal] reconstruiu o Pireu com o plano de uma grade e ocupou-se com a nova cidade colonial de Thurii para Péricles. Em seu Estado ideal, admitiria apenas três ofensas passíveis de sanção penal, que se podem traduzir por insulto, injúria (a pessoa ou propriedade) e assassínio. 10 De mais a mais, foi o primeiro a propor um supremo tribunal de apelo contra julgamentos errôneos. [Osório diz: a chamada segunda instância nas organizações judiciais].

Licófron e Hipódamo teriam concordado com J. S. Mill [Osório diz: ou foi este que concordou com aqueles!?] que o único propósito pelo qual a lei podia ser justamente imposta contra um membro da comunidade era prevenir danos a outros; seu próprio bem, físico ou moral, não era garantia suficiente. Ao ver de Aristóteles, isto ignora o real propósito da associação política, que era assegurar não só a vida, mas vida boa. Ele teria estado do lado de Lord Simons, que em 1962 declarou ser “o propósito supremo e fundamental da lei a manter não só a segurança e a ordem, mas também o bem-estar moral do Estado”, e sua concepção geral se aproxima da de Lord Devlin, segundo o qual “o que faz uma sociedade é uma comunidade de idéias, não só idéias políticas, mas também idéias acerca da maneira como seus membros devem se comportar e governar suas vidas”. [Osório diz: os gregos devem seguir os ingleses!!!].

No Crito de PIatão, Sócrates expõe na cela de sua prisão a doutrina de um acordo entre ele mesmo e as leis de sua cidade como argumento contra a tentativa de escapar do julgamento que aquelas leis proferiram contra ele. Ele não diz nada sobre a origem da lei, mas não há nenhuma sugestão de que fosse divina. A argumentação é que, uma vez que seus pais foram casados sob as leis de Atenas, Sócrates deveu seu nascimento, sua educação e seu meio de vida àquelas leis. De mais a mais, elas lhe deram liberdade, se ele achasse qualquer coisa de objetável nelas, para deixar Atenas com toda sua propriedade e ir morar alhures. Uma vez que não escolhera deixá-la, deve agora considerar-se seu filho e seu servo. Era "justo" para ele aguardar suas decisões, e, assim como tinha arriscado sua vida na batalha sob seu comando, assim também devia entregá-la agora que a exigiam dele. Este era o acordo entre eles (50c, 52d), e era necessário para a própria existência do Estado. Se indivíduos privados desprezassem os julgamentos da lei por seu próprio capricho, abalar-se-ia todo o fundamento da vida da cidade. [Osório diz: isso tira dele a possibilidade de contestar, como fez em seu julgamento, uma vez que a lei é aquilo que o julgador diz que ela é? Pode-se dizer que ele não contestou a lei, mas a acusação. Mas nem isso a ele aproveita, pois os julgadores, com ou sem sua defesa, são a boca da lei! O julgador é a lei falando! Ele contra-argumentou! Mas não precisava, os juízes sabem o direito! Além do mais, como ele mesmo disse, era conhecido de todos!].

Nas obras de Platão vimos também a concepção de leis como contrato exposto por testemunhas hostis a ela, Cálicles e os “eles” de Gláucon. Os que promulgaram as leis, diz Cálicles, são a maioria fraca; e também a justiça e o autocontrole e tudo o que milita contra uma vida de desregramento e licença são “acordos humanos contrários à natureza”. Contra elas Cálicles exalta o super-homem que estruturará seus laços e viverá uma vida de tirano auto-indulgente. “Eles”, de outro lado – a massa da humanidade enquanto pintada por Gláucon – não entretêm nenhuma destas idéias heróicas. Elas aceitam a existência do contrato como segundo bem melhor de preferência a ser capaz de fazer exatamente o que se quer, uma vez que para todos se comportarem assim é uma impossibilidade prática. O comportamento egoísta limita-se a escapar da lei quando se pode dela escapar sem medo de ser percebido. O próprio Platão é com certeza advogado do nomos, como o manifesta Crito, e em seus anos posteriores montou vigorosos ataque contra os que sustentavam que ele podia ser de alguma forma oposto a physis. Opõe-se, portanto, tanto ao ideal do super-homem que sendo lei para si mesmo segue a “justiça da natureza”, como idéia mais comum de que as leis se devem aceitar como mal necessário, mas se devem transgredir sempre que se possa fazê-lo com segurança.

[Pode ser relevante mencionar a posição pessoal de Barker, que é uma reconciliação de physis e nomos, pelo menos no plano humano. O governo é para ele "atributo essencial da sociedade política, que por sua vez é essencial atributo da natureza humana"(G. P. T. 160.).

Para ser honesto com Barker, deve-se acrescentar que em sua introdução a Nat. Law de Gierke (1934), ele foi mais cauteloso em sua expressão. Ele disse aí ...: “Pensadores da lei natural foram capazes de falar de um a-histórico ‘estado de natureza’ e de um ato histórico de contrato pelo qual os homens saíram dele... de outro lado... pensadores da lei natural não tratavam realmente dos antecedentes históricos do Estado: estavam interessados por suas pressuposições lógicas; e ainda existe uma questão a propor quanto à visão de que o Estado, enquanto distinto da sociedade, é associação legal que repousa fundamentalmente na pressuposição do contrato”.].

Cross e Woozley, cujo critério para uma teoria do contrato social é que deve expressar uma obrigação moral de obedecer às leis conseqüente à promessa do indivíduo de fazê-lo, e que qualquer fato supostamente histórico sobre a origem da lei é irrelevante a ela, insistem que o que Gláucon propõe não é "a teoria do contrato social", pela razão mesma que levou Barker a afirmar que era, ou seja, que "a ênfase recai inteiramente na proposição fatual, ou supostamente histórica, que pretende dar-se conta do que induziu os homens a emergir de um estado de natureza para a organização de uma comunidade social" [Comm. on Rep. 71ss. Como definida aí, a teoria certamente excluiria o relato de Gláucon, mas não é desorientados falar de "a teoria do contrato social?" (grifei). O que os autores mesmos dizem de Hobbes Locke e Rousseau, todos tidos por eles como contratualistas, mostra que é antes uma questão desta ou daquela teoria do filósofo de um contrato social, cada uma sustentando-a de uma forma um tanto diferente; e dificilmente se pode negar que a de Gláucon seja uma teoria contratualista (359a synthesthai allelois... nomous tithesthai kai synthekas). Dizer que a única teoria do contrato social é teoria que não se apoia em afirmação histórica, e por isso está imune das objeções levantadas contra ela naquela forma, é certamente tomar uma questão como provada. Parece mais proveitoso começar com o fato de que há duas formas principais da teoria, como Popper o faz quando distingue a forma teórica, interessada somente pelo fim do Estado (que ele mesmo vê em Licófron), da "tradicional teoria historicista do contrato social" (O.S. 114).]. [Osório diz: hipótese de trabalho]

 

teoria histórica da evolução da sociedade

 

os homens a sujeitar seus instintos selvagens

 

[Para esta teoria veja pp. 60ss e Apêndice p. 78, acima. Também (Sófocles no coro de Antígona... menciona a regulamentação legal da vida social como algo que o homem “desenvolveu para o seu próprio benefício, por seus próprios esforços”. … [Osório diz: fantástica esta obsrvação].]a ele.

Como observamos, [a teoria do contrato social] acompanhou teorias científicas pré-socráticas sobre a origem da vida física, constituindo uma reação contra relatos míticos mais antigos de degeneração humana. Protágoras e Crítias ambos sustentaram esta teoria, e ambos acreditavam no contrato social como um fato histórico.

As idéias de Antífon e (tais como relatadas) de Hípias não fazem nenhuma referência explícita a origens históricas, mas também não realizam as condições de Cross-Woozley para "a teoria do contrato social" afirmando uma obrigação moral de obedecer à lei. No seu modo de ver, o fato de que as leis não são naturais, mas meramente acordos livra o cidadão do dever de lhes obedecer em todas as circunstâncias. [Osório diz: é a mesma coisa! A lei do contrato social também é desobedecida constantemente!].

No séc. IV, o autor do discurso contra Aristógeiton [Osório diz: Demóstenes, no caso] tirou a moral oposta: as leis seriam instituídas contra a natureza porque a natureza é "desordenada" e a lei introduz imparcialidade e justiça igual para todos. Como decisões de homens sábios guiados pelos deuses, foram aceitas por comum acordo e devem-se-lhes obediência. A documentação para Licófron é pouca, mas, ao chamar as leis de "uma garantia de direitos recíprocos”, deve ter tido em mente modo semelhante de considerar.

Se aceitarmos como marca essencial de uma teoria do contrato social que não faça nenhuma afirmação histórica sobre a origem da lei, porém mantenha que todo membro de um Estado tem obrigação moral de obedecer às suas leis porque ele mesmo entrou em acordo e comprometeu-se, pelo menos implicitamente, a fazê-lo, então um seguidor indiscutível dela neste período é Sócrates. [Osório diz: mas isso já é a lei posta e sendo executada!].

Existe outra possibilidade a ser considerada, a de que um filósofo pode propor sua teoria em forma histórica sem querer que seja entendida literalmente. Ele pode apenas querer apresentar uma "definição genética”, uma análise de um estado de coisas em seus elementos constitutivos, acreditando que a melhor forma de tornar clara sua estrutura é representá-la como sendo construída peça por peça dos elementos sem implicar que tal processo de construção tenha tomado alguma vez forma temporal. [Osório diz: legal, mas idiota! Embora seja isso que ocorre] Um geômetra pode explicar a estrutura de um cubo em termos da construção de um quadrado desde quatro linhas retas e depois um cubo desde seis quadrados sem significar que linhas retas existiam antes no tempo de figuras planas, nem figuras antes de sólidos. [Osório diz: para que serve? Vida de homens não é diferente?].

Dos discípulos imediatos de Platão em diante, comentadores disputaram se ele quis que sua cosmogonia fosse entendida desta forma, ou se acreditou num processo literal de criação. A ideia de definição genética foi estendida da física para a teoria política por Hobbes. Em geral, "se alguém quer 'saber' de algo, deve ele mesmo constituí-lo; deve fazê-lo desenvolver de seus elementos individuais". Ubi generatio nulla... ibi nulla philosophia intelligitur. [Osório diz: só apontamos os furos dos nossos desafeto!).

Todavia, lendo os escritos dos teóricos do contrato social, descobrimos que a distinção entre uso literal e instrutivo de exposição genética não é absolutamente preciso. Afirmando, de um lado, que a proposição histórica, de que antes do contrato os homens viveram num estado de natureza, é irrelevante para sua teoria, parecem todavia ansiosos de lhe darem todo fundamento histórico que podem. Assim o próprio Hobbes: [Osório diz: Platão não precisa provar a existência de deus!].

Rosseau no prefácio no Discurso sobre a origem da desigualdade chama o estado de natureza de um estado que “talvez nunca existiu, e provavelmente nunca vai existir; e todavia é necessário ter idéias verdadeiras dele, para formar uma juízo adequado do nosso estado presente” [Osório diz: essa mesma observação serve para os deuses? Isso não é construir sobre o nada?]. Ele diz que fatos não atacam a questão, e que suas pesquisas “não se devem considerar como verdades históricas, mas apenas como meros raciocínios condicionais e hipotéticos, antes calculados para explicar a natureza de coisas do que apurar sua origem real”. Este parece um exemplo perfeito de definição genética, e no Contrato social achamos o seguinte: “Eu admito, por causa da argumentação, que foi alcançado um ponto na história da humanidade...” [Osório diz: a linguagem como fato de construção da sociedade política!] e “pelo contrato social entregamos a vida e a existência ao corpo político” (o grifo é meu). Todavia mais tarde, em A origem da desigualdade ele escreve: “Tal foi, ou pode ter sido, a origem da sociedade”, e, na página seguinte, depois de repetir que a causa real originadora das sociedades políticas é indiferente a esta argumentação [Osório diz: eis a palavra criando o que se tornou realidade!], ele passa a dar razões pelas quais a que ele expôs é “a mais natural” e a defendê-la contra outras. ...De modo semelhante a Locke, Cross e Woozley dizem (sem dar nenhuma referência) que “como Locke viu mais claramente do que Hobbes, a proposição de fato, mesmo que fosse verdadeira, não forneceria nenhum apoio à teoria”. Todavia os §§ 99s do Segundo tratado mostra claramente que para Locke era fato histórico. Ele não só faz a afirmação inequívoca: “Isto, e somente isto, deu ou pôde dar começo a todo governo legal no mundo”, mas também continua mencionando e rebatendo a objeção de que nenhum exemplo histórico se pode citar do estabelecimento de um governo desta maneira. A recordação da história, frisa ele, só pode começar quando a sociedade civil já começou a existir há muito tempo para permitir o desenvolvimento do lazer literário. [Osório diz: história era (e é) memória, pois somente era (é) escrita em fase posterior à ocorrência dos fatos!].

Dos teóricos gregos, parece mais provável que foi Protágoras que deu uma definição genética. Sua intenção não é fazer um relato histórico da origem da civilização, e sim responder à pergunta de Sócrates se a virtude política pode ser ensinada; e lhe é indiferente dar esta resposta na forma de argumento arrazoado ou de narrativa. Ademais, quando vem a narrativa ela tem sabor de conto de fada e muitos elementos míticos. Todavia ela assume tanto de teorias seriamente sustentadas da história, que, como seus sucessores do pós-renascimento, provavelmente manteve um pé nos dois campos [Tudo o que ele diz sobre o assunto no logos que segue o mythos é: "O Estado estabelece as leis, que são invenção dos bons legisladores de tempos antigos, e compele os cidadãos a governar e ser governados em conformidade com elas" (326d). [Osório diz: esse pensamento que levou Péricles a escolhê-lo legislador de Túrio?]. Quanto aos outros que consideramos, Hípias, Antífon e Licófron, nossa documentação, na medida de seu alcance, não dá nenhum indício de propor uma teoria histórica da origem da lei, o que também não se manifesta no discurso contra Aristógeiton ou no Cálicles de Platão. A doutrina de Sócrates enfaticamente não é uma doutrina historicista. Somente Gláucon na Rep. 2 pretende dar relato histórico.

Finalmente, ao perguntar se os gregos acreditavam na teoria do contrato social, estamos lhes propondo uma pergunta que eles mesmos não se propuseram [Osório diz: precisavam ter batizado? Animal peçonhento que rasteja e pode injetar veneno com suas presas salientes e tem a língua partida! É mais eles não a chamaram de cobra, logo, não pensaram sobre o tema! VsF!]. A pergunta que propuseram era se “justo” era a mesma coisa “legal”. As respostas eram de dois tipos, normativas e fatuais. Ou a justiça retinha seu sentido de ideal ético, e este ideal era equiparado com observar as leis, ou se pretendia que, ao usarem os homens a palavra altamente sonora “justiça”, tudo o que queriam dizer por ela era observância das leis existentes, o que podia de fato ser uma conduta imprudente ou danosa [Osório diz: aqui recomeça o questionamento da lei! Justamente quando os poderosos manobraram para assumir sua produção!]. Em Protágoras, apresenta-se em primeira linha Protágoras: a justiça, que é elemento essencial da “excelência humana” em seu conjunto (325a), identifica-se com “excelência política”, o respeito pela lei que levantou o homem do estado de selvageria e sem a qual a sociedade pode sofrer colapso. No Teeteto, parece que ele adota a segunda interpretação, a fatual, como sua teoria do “homem como medida” exige: o que é justo é somente o que o próprio Estado declara ser justo. O Estado pode ser persuadido de que errou e a emendar suas leis, pelo que o conteúdo da ação justa neste Estado será alterado [Osório diz: Essa é a prova da falibilidade! Se a lei é obra dos deuses estas são falíveis! Mas Protágoras mostra que não, que é obra do homem, logo, sujeita a eternos melhoramentos]. Mas ele ainda afirmaria que a observância daquelas leis defeituosas, até serem alteradas por processos constitucionais adequados, era moralmente correta como alternativa ao caos que seguiria se todo cidadão se sentisse livre para desconsiderá-las [Osório diz: que maior “moralidade” se pode exigir de um homem desses?]. Antífon e Hípias de outro lado sustentavam que, uma vez que tudo o que se queria dizer com justiça era conformidade ao nomos, ela não acarretava nenhuma obrigação moral e se poderia fazer melhor seguindo os preceitos contrários da physis [Osório diz: desde que, e Guthrie não diz agora e o diz veladamente, os preceitos do nomos fossem contrários ao da phýsis! O correto é dizer: quando os preceitos do nomos contrariarem o da phýsis, prefere estes! É que não teria sentido incentivar a observância da phýsis quando o nomos está de acordo com ela!]. Tal crença podia, se bem que não precisasse, levar ao egoísmo brutal exemplificado por Cálicles.

Sócrates concordava com Protágoras que era justo (no sentido de moralmente obrigatório) obedecer às leis ou então fazê-las mudar por persuasão pacifica (esta alternativa é mencionada no Crito [Osório diz: onde? Ao contrário, é nisso que Sócrates acaba se aprisionando! Ele não admite a contestação das leis da cidade! Ele é contrário aos Sofistas e a Protágoras em particular. Ele não aceita a mudança da lei! Aí seu pensamento se torna o ridículo que é]) e que a omissão de fazê-lo destruiria a sociedade.

Mas dois outros pontos podem se notar. Primeiramente, existe uma alusão no Crito a algo que não ocorre alhures, ou seja, uma distinção entre as leis mesmas e sua administração [Osório diz: mas aí o cidadão quer assumir a função de intérprete que não é dele. É a lei quem diz quem é o intérprete e se ela o diz não pode ser contestada, segundo Sócrates]. Na conversa imaginária de Sócrates com as leis de Atenas, estas dizem que, se ele se conformar com a decisão do tribunal e concordar em ser executado em vez de tentar escapar, "tu serás a vítima de uma injustiça feita a ti, não por nós, mas por teus compatriotas" [Osório diz: quem diz a lei, afinal?]. Se, por outro lado, ele fugir, ele estará se comportando desonestamente por transgredir seus acordos e contratos com as próprias leis. Em outras palavras, uma vez que se deu legalmente o veredicto, não existe alternativa legal à sua execução [Osório diz: perfeito!]. Sócrates nada viu de errado nisto mesmo no caso de sua própria sentença de morte, mas parece que havia espaço para a proposta de Hipódamo de um tribunal de apelo. Em segundo lugar, ao dizer que "justo" era idêntico com "legal", Sócrates inseria as leis não-escritas universais e divinas e levava em conta o julgamento na vida futura bem como nesta vida [Osório diz: começou a idiotice de vida futura!]. Para as leis não-escritas temos a documentação de Xenofonte, e, no Crito, as leis continuam, imediatamente a partir do ponto já mencionado, a dizer que as leis no mundo futuro não o receberão com cortesia se elas sabem que ele tentou destruir seus irmãos [Osório diz: Idiotice do mundo das ideias de Platão quanto ao mundo futuro. E quanto aos irmãos e os que ele matou na guerra? Ou ele foi para guerra para perguntar “o que é a guerra”? Ou será que ele usou lanças inteligentes, como os drones atuais?] nesta vida.” (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 127, 128-137).

 

Prossegue Guthrie:

 

Voltando-nos de causas para facetas de mudança (à medida que se podem distinguir os dois aspectos), destas últimas a mais fundamental é a antítese entre physis e nomos que se desenvolveu nesta época entre filósofos naturais e humanistas igualmente. (p. 25) [Osório diz: Natureza e Leis].

O individualismo desmedido dos que, como Cálicles de Platão, defendiam que idéias de lei e justiça eram mero expediente da maioria de fracos para afastar o homem forte, que é o homem justo da natureza, do lugar que por direito lhe cabe.

Na idéia de que leis são assuntos de acordo humano, "alianças feitas pelos cidadãos", como Hípias as chamou (p. 130 abaixo)

Temos a essência da teoria do pacto social que se desenvolveu sobretudo na Europa dos sécs. XVII e XVIII.

Uma afirmação inequívoca da teoria contratual da lei é atribuída por Aristóteles a Licófron, discípulo de Górgias, e, em sua forma histórica, como teoria da origem da lei, é afirmada claramente por Gláucon na República como modo de ver corrente que ele gostaria de refutar.

Além de leis no sentido comum, a opinião contemporânea reconheceu-a existência de "leis não-escritas", e a relação entre ambas ilustra bem a natureza transitória deste período de pensamento. Para uns, a frase denotava certos princípios morais eternos, válidos universalmente e prevalecendo sobre as leis positivas dos homens porque tinham sua origem nos deuses. Esta noção é mais bem conhecida pelas esplêndidas linhas de Sófocles na Antígona (450ss), onde Antígona defende o funeral de seu irmão morto contrário ao edito de Crêon declarando: "Não foi Zeus nem foi a Justiça que decretaram estes nomoi entre os homens, nem julgo tua proclamação tão poderosa que tu, um mortal, possas subverter as leis seguras e não-escritas dos deuses". Mais tarde veremos outras referências a estas leis divinas que existiram em todo tempo, e sua superioridade sobre os decretos falhos e mutáveis dos homens. Contudo, com a difusão de ideias democráticas, a frase ganhou sentido novo e mais sinistro. A codificação da lei veio a ser considerada proteção necessária para o povo. Não só Eurípedes (Suppl. 429ss) considerou-a garantia para direitos iguais e baluarte contra a tirania, mas também na prática a democracia restaurada no fim da guerra do Peloponeso proibiu expressamente ao magistrado fazer uso de leis não-escritas. [Osório diz: lei não escrita era a burguesia!] [Osório diz: cada coisa no seu contexto!].

(...)

O crescimento do ateísmo e do agnosticismo nesta época também esteve conexo com a ideia de nomos. [Osório diz: Religião]

Ele foi um dos que opunham lei e natureza e defendia esta última por motivos morais e humanitários, e não egoísticos e ambiciosos. Defendeu uma forma da teoria de contrato social da lei: a lei positiva, sendo assunto de acordo humano e freqüentemente alterado, não se devia considerar como fornecendo padrões fixos e universais de comportamento. Podia ser “um tirano fazendo violência à natureza”. Acreditava, porém, que havia leis não-escritas, divinas de origem e universais na aplicação, referentes a coisas tais como a adoração dos deuses e o respeito para com os pais. Com a crença em leis naturais universais (e para Hípias natural e divino parece ser o mesmo) ia a crença na unidade básica do gênero humano, cujas divisões são apenas assunto de nomos, isto é, lei positiva e convenções e hábitos estabelecidos, mas errados. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 26, 27 e 263-264).

 

Kerferd ensina:

 

Algumas outras implicações da doutrina de Protágoras serão consideradas abaixo. Mas primeiro será conveniente descrever alguns outros modelos para a estrutura das sociedades humanas que também se originaram no período sofista. Um deles concerne à doutrina do contrato social, que viria a se tornar tão famosa e importante nos séculos XVII e XVIII, quando foi desenvolvida por Hobbes, Locke e Rousseau [Osório diz: a doutrina do Contrato Social pelos Sofistas]. Na sua forma convencional, a teoria do contrato social sustenta que as sociedades humanas se assentam em um acordo implícito e, portanto, não-histórico, ou em um acordo real e histórico, de estabelecer uma comunidade organizada. Às vezes supunha-se que antes desse contrato não havia obrigações sociais ligando um homem a outro, e que o próprio contrato, sendo baseado no consentimento dado racionalmente com base no interesse próprio individual, era a fonte lógica donde se deveriam deduzir todos os direitos e deveres dos cidadãos. Outros supunham que, independentemente de tal contrato, havia direitos que fluíam, por exemplo, de deus ou da lei natural, mas que a obrigação de obedecer a um governo civil não tinha outra fonte que o contrato social no qual esse governo se baseava. Em qualquer um dos casos, supunha-se que o governo devia se assentar no consentimento dos governados, quer dado de uma vez por todas, quer sujeito a uma contínua confirmação. [Osório diz: a legitimidade dos governos, segundo os Sofistas].

Portanto, a essência da teoria é a opinião segundo a qual a obrigação política dimana de um acordo contratual, real ou implícito. A tentativa de atribuir tal opinião a Protágoras deve ser rejeitada como equivocada, como por exemplo a de Guthrie, que escreve: "visto que Protágoras não acreditava que as leis eram obra da natureza ou dos deuses, ele deve ter acreditado, como outros pensadores progressistas contemporâneos, que foram formuladas como resultado de um consenso de opinião entre cidadãos que, daí em diante, se consideraram ligados por elas". Essa inferência é claramente impossível, visto que a rejeição de deus ou da natureza não deixa como única possibilidade a de a sociedade ser baseada em um contrato. Não defendeu Trasímaco, por exemplo, uma teoria do contrato? Mais importante que a não-validade da inferência é a completa ausência de qualquer sugestão, nos testemunhos existentes, de que esse era o modo pelo qual Protágoras via a questão. [Osório diz: Kerferd queimando Guthrie].

Mas tais teorias eram conhecidas no período que nos interessa aqui. Segundo Xenofonte (Mem. IV, 4.13), Hípias falava das leis como declarações escritas do que devia e não devia ser feito, em decorrência de acordos realizados entre os cidadãos de um Estado; mas depois ele passa a minimizar as obrigações que deles resultam. Sua própria opinião, como vimos, era que se deve preferir a natureza à lei, e que é a natureza a verdadeira fonte das obrigações humanas. No segundo livro da República, o irmão de Platão, Glauco, pretende declarar (358cl) o que é que os homens dizem que é a natureza e a origem da justiça. O que eles dizem (358e3ss.) é que, por natureza, praticar a injustiça é bom, e ser injustiçado é mau, mas que as desvantagens de sofrer a injustiça excedem as vantagens de infligi-la. Depois de provar ambas, portanto, os homens, que são incapazes de escapar de uma e alcançar a outra, decidem que lhes é mais vantajoso entrar em acordo um com o outro, tendo por base que nenhum mal deve ser infligido, e nenhum deve ser sofrido. Começaram, por conseguinte, a fazer leis e contratos por conta própria, e dão o nome de legal e justo ao que a lei prescreve. Essa é a origem e a natureza da justiça [Osório diz: legislação (lei) e justiça]. Não é diferente a posição esboçada no fragmento do Sísifo (DK 88B25), conforme a qual a ausência de recompensas e de punições para os bons e para os maus, no estado original em que os homens a princípio se encontraram, levou-os a estabelecer leis a fim de que reinasse a justiça. Embora o termo "acordo" não esteja incluído, a implicação aponta exatamente para essa base.

Mais discussão se concentrou em torno de Críton, onde Platão representa as leis de Atenas (50a6ss.) implorando ardentemente a Sócrates que não fuja da prisão, alegando que ele tinha livremente concordado com as leis em conformar-se com os veredictos legais pronunciados pela cidade. Esse acordo é dito ter sido feito por Sócrates, não com palavras, mas por suas ações, ao passar, voluntariamente, toda a sua vida, até aquela data, na cidade de Atenas (52d5), e não deve ser agora violado por ele [Osório diz: Platão incentivando Sócrates a morrer?!]. Muito mais tarde, o tratado As Leis de Platão vai acrescentar ainda outras considerações que não nos concernem necessariamente aqui; mas é provável que o Sócrates histórico estivesse pelo menos interessado na opinião de que o fundamento da obrigação de obedecer às leis jaz num acordo implícito.

A noção de que as leis são o produto de um tipo de acordo contratual se encontra na lista de expressões encomiásticas a elas aplicadas no chamado Anônimo Peri Nomôn (Ps. Demóstenes XXV, 16). Essa noção é mencionada, com desaprovação, por Aristóteles, na Política (III, 9.8 = DK 83.3), no que pode ser (longe de qualquer certeza) uma referência ao sofista Licofron, um aluno de Górgias. O que Aristóteles com toda certeza atribui a Licofron é o que veio a ser conhecido como a visão protecionista do Estado, segundo a qual o Estado existe meramente para garantir os direitos dos homens, uns contra os outros. Nessa visão, sua função é ser uma espécie de associação cooperativa para a prevenção do crime, em antecipação da moderna concepção do Estado como uma instituição laissez-faire, em vez de ser, como Aristóteles queria que fosse, uma instituição que fizesse os membros da polis bons e justos. [Osório diz: mais uma antecipação sofística!].

Na visão protecionista, o Estado teria sua função reduzida, com limites bem definidos, e a associação política se assentaria sobre um consentimento de âmbito limitado. Umas poucas referências esparsas sugerem que era também conhecido e discutido, na época, um conceito mais positivo, a saber, o de um tipo de consenso político, baseado na mentalidade comum a todos os cidadãos concernente aos modos de vida, classificada sob o termo homonoia. Esse era um termo que denotava o que viria a ser um ideal político muito importante entre os estóicos e na teoria da monarquia helênica, a partir do tempo de Alexandre, o Grande, e que, no devido tempo, seria equiparado à palavra latina concórdia. É lastimável que não seja possível recuperar a história do termo no pensamento do século V. O que podemos dizer é, primeiro, que ele ocorre em dois fragmentos de Demócrito, a saber, em DK 68B250, onde nos é dito que somente em consequência da homonoia é que as cidades podem realizar grandes obras, inclusive guerras, tema que faz parte da crítica que Sócrates faz da injustiça como fonte de desacordo desmantelador, no primeiro livro da República [Osório diz: Sócrates critica a guerra? Mas ele não foi um guerreiro?]; e em DK 68B255, que tem sido descrito, talvez com algum exagero, o único mais notável pronunciamento de um teórico político em Hélade. Este é o fragmento onde nos é dito que, nas ocasiões em que os poderosos têm a coragem de adiantar dinheiro para servir e beneficiar os que não têm, há piedade e fim da solidão, e há também amizade e ajuda mútua. Os cidadãos se tomam de uma só mentalidade e outras bênçãos resultam, e tantas, que nenhum homem pode enumerá-las. Sabemos, também, que Górgias falou do assunto da homonoia em Olímpia (82B8a). Esse foi o título de uma obra de Antífon (DK 87B44a), cujo conteúdo, contudo, permanece enigmático. Finalmente, temos uma declaração geral de Xenofonte (Memoráveis IV, 4.16) posta na boca de Sócrates, onde se diz que homonoia é o maior bem que uma cidade pode possuir, e quando ela está presente as leis são obedecidas, a cidade é uma cidade boa. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 250-254).

 

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