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82.6 – Lei e sua autoria.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

82.6 – Lei e sua autoria.

 

Doutrina Guthrie:

 

Uma crença antiga sobre a lei atribuía-a em última instância aos deuses. O legislador ou criador humano da constituição (cuja existência não se negava) era apenas o canal pelo qual os mandamentos do céu se tornavam conhecidos e eficazes. No poema de Tirteu (séc. VII, fr. 3 Diehl), a constituição de Licurgo para Esparta foi ditada em detalhe por Apolo em Delfos. Mais tarde, tendeu-se a dizer que Licurgo fez a constituição, mas foi a Delfos para ter a segurança de que o deus a aprovava... [Osório diz: o início da besteira de incluir deus na história].

 

As leis cretenses por sua vez foram, como se disse, obra de Zeus (Platão, Leis, no iníc.). Mesmo Clêistenes, fazendo suas reformas democráticas no fim do séc. VI, recebeu os nomes de suas novas tribos de Pítia (Artist. Ath. Pol. 21-6). [Osório diz: como ficam as maldades não vistas pela lei? Deus cochilou? As lacunas legais, sempre existentes, matam isso!].

 

Pelo séc. V, uma natureza impessoal tinha substituído nas mentes de alguns homens os deuses como poder universal que produziu a ordem inteira de que os homens são uma parte. Para outros, como Hípias, ambos podem existir confortavelmente lado a lado, e Eurípides, quando fala em linguagem pré-socrática da “ordem perene da natureza imortal”, e alhures em sua poesia, manifesta o desejo de vê-los unidos. Quando, pois, como vimos, ganhava terreno a idéia de que a lei é instituição meramente humana visando a ir ao encontro de necessidades determinadas, com nada de permanente ou sagrado em si, ela pôde ser contraposta ou à ordem divina ou à ordem natural ou a ambas. Dentro desta contraposição, costuma-se dizer que o ato de legislação resultou de um acordo ou contrato (syntheke) entre os membros da comunidade, que “puseram juntos”, compuseram, ou entraram em acordo sobre certos artigos. [Osório diz: a lei é fragmentária] [Osório diz: origem da lei!! MUITO BOM!].

Os relatos de Protágoras não contêm a palavra "contrato", mas, quando os deuses são afastados de sua parábola (como em vista de seu agnosticismo devem ser), descrevem-se os homens perecendo por lhes faltar a arte de viver juntos em cidades e aprendendo por dura experiência a agir justamente e respeitar os direitos dos outros, e fundando assim comunidades políticas. Trata-se de questão de "autodomínio e justiça" (Prot. 322e). Protágoras, disse Ernest Barker, não era "nenhum crente na doutrina de contrato social". Em parte se o deve à convicção errônea de Barker ter "concebido o Estado como ordenação de Deus, existindo jure divino, antes do que como criação do homem, existindo ex contractu", e em parte porque "um contrato que resulta numa unidade artificial mantida por leis artificiais logo se romperia ao se formar. Aquilo de que se precisa e é tudo, é... uma mente comum para perseguir um propósito comum de vida boa". Isto é verdade, mas implicar-se-á na teoria do contrato esta artificialidade?

Não estará certo Popper quando afirma que “a palavra ‘contrato’ sugere... talvez mais do que toda outra teoria, que a força das leis está na prontidão do indivíduo a aceitar e obedecer a eles”?

As virtudes morais que tornavam possível uma vida em comum (aidos, dike, sophrosyne) eram pré-condições necessárias para a fundação de uma polis, mas, uma vez que Protágoras não acreditava que as leis eram obras da natureza ou dos deuses, deve ter crido, como outros pensadores contemporâneos progressistas, que foram formuladas como resultado de um consenso de opinião entre os cidadãos que desde então se consideravam por elas vinculados. [Osório diz: BOM! Protágoras - nascimento e manutenção das leis].

Na "defesa de Protágoras", empreendida por Sócrates no Teeteto (167c), encontramos uma teoria que só se refere às condições presentes, embora não seja discordante com uma crença num contrato original no passado. "Quaisquer atos que possam parecer justos e convenientes a determinado Estado, são-no para este Estado enquanto neles crê; mas quando em caso particular eles são onerosos para os cidadãos, o sábio os substitui por outros que parecem ser benéficos". Este dito segue da doutrina de Protágoras do "homem como medida" (pp. 173ss abaixo), e, como diz Salomon, é um dito de fato e não normativo: aquilo sobre que uma cidade concorda, é justo para a cidade enquanto continuar a considerá-lo válido (nomitze — aceita-o como nomos) [Osório diz: BOM!]. O contrato tornou justo e certo para os cidadãos observar as leis até que sejam alteradas, ainda que a cidade possa prosperar mais sob leis diferentes. De modo semelhante, Aristóteles, mais tarde, distinguindo entre justiça natural e legal, equipara esta última com "justiça por acordo". 6 As primeiras palavras de Antífon fr. 44 A ("Digo que justiça consiste em não transgredir as leis e usos do seu próprio Estado") e a identificação de justo com legal por Sócrates em Xenofonte (Mem. 4.4.12, p. 106 acima) sugerem que esta concepção legal de justiça estava em voga entre os pensadores progressistas da época, e as várias conclusões tiradas dela estavam sob vívida discussão. Deixava aberta a questão se justiça assim definida era ou não "benéfica" (sympheron). [Osório diz: Sim, era! Pois beneficiava assim arguir até para modificá-la, se fosse o caso. Até a identificação de justo com legal poderia ser boa, se ele fosse um democrata! Mas não era!].

Dos teóricos gregos, parece mais provável que foi Protágoras que deu uma definição genética. Sua intenção não é fazer um relato histórico da origem da civilização, e sim responder à pergunta de Sócrates se a virtude política pode ser ensinada; e lhe é indiferente dar esta resposta na forma de argumento arrazoado ou de narrativa. Ademais, quando vem a narrativa ela tem sabor de conto de fada e muitos elementos míticos. Todavia ela assume tanto de teorias seriamente sustentadas da história, que, como seus sucessores do pós-renascimento, provavelmente manteve um pé nos dois campos [Tudo o que ele diz sobre o assunto no logos que segue o mythos é: "O Estado estabelece as leis, que são invenção dos bons legisladores de tempos antigos, e compele os cidadãos a governar e ser governados em conformidade com elas" (326d). [Osório diz: esse pensamento que levou Péricles a escolhê-lo legislador de Túrio?]]. Quanto aos outros que consideramos, Hípias, Antífon e Licófron, nossa documentação, na medida de seu alcance, não dá nenhum indício de propor uma teoria histórica da origem da lei, o que também não se manifesta no discurso contra Aristógeiton ou no Cálicles de Platão. A doutrina de Sócrates enfaticamente não é uma doutrina historicista. Somente Gláucon na Rep. 2 pretende dar relato histórico. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 127-129).

 

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