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100 – Individualismo, segundo a Sofística.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

100 – Individualismo, segundo a Sofística.

 

Doutrina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Qual é, em rigor, o significado desta teoria? Karl Popper nega-se a falar, a seu propósito, de contrato social sob o pretexto de que não se apresenta “sob uma forma historicista”. É verdade que a concepção histórica moderna é estranha ao mundo grego, mas, apesar de tudo, há em Lícofron uma teoria contratual da comunidade na medida em que esta não é espontânea (natural) e tem a sua origem num pacto de aliança (lei convencional). O pressuposto da teoria é a afirmação do individualismo, o que não é para espantar num sofista. O indivíduo existe por natureza, a Cidade é uma construção. Esta construção não tem senão o alcance limitado de uma aliança, limitada no tempo, limitada pela condição de aliança. Isto explica que a lei não atinja verdadeiramente a natureza profunda do homem e que seja impotente para a modificar: “não é capaz de tornar bons e justos os cidadãos”. A política não pode, portanto, coroar a esperança que Platão nela virá a pôr: caminhar de mãos dadas com a moral, o governante íntegro elaborando leis boas, as leis boas formando governados íntegros. Esta ineficácia ética das leis não impede, no entanto, de se resolver o problema político: basta que o cidadão esclarecido se aperceba de que há interesse em respeitar, pelo menos exteriormente, o direito. Pensamos em Kant, que dirá, mais tarde, que o problema político tem solução até no seio de uma comunidade de demônios, contanto que tenham senso comum.

(…)

Héracles, na sua adolescência, retira-se para um lugar solitário para deliberar sobre a orientação que deve dar à sua vida. Surgiram, então, duas mulheres, exaltando cada qual o gênero de existência que representam: um, dedicado à procura da volúpia, o outro, à procura da excelência. A primeira via é atraente e fácil; a segunda exige um esforço contínuo em todos os domínios, mas atrai a estima a quantos se lhe consagram. A excelência é recompensada na terra pela posse de bens sólidos e duradouros; permite ao corajoso subir ao cúmulo da felicidade. As duas vias estão, pois, orientadas para a felicidade, mas uma sob a forma do prazer sensível imediato, a outra sob a forma de alegria racional, que sabe defender-se do excesso e da perversidade. Tal é o quadro geral desta alegoria, que mistura alguns dos temas maiores da sabedoria antiga. Limitemo-nos a algumas observações sobre certos pontos particulares do texto:

O que dramatiza o confronto entre a Excelência (Areté) e a Maldade (Kakía) é a hesitação do jovem colocado na encruzilhada dos caminhos: o fato de se pôr o problema da escolha, isto é, da decisão pessoal, mostra o despertar da individualidade naquela época [Osório diz: o nascer da individualidade]. O homem já não observa cegamente as normas e os tabus tribais; compara os valores e decide-se, mediante uma vontade divina. É uma das conquistas do humanismo antigo que o Quod iter sectabos vitae de Ausónio irá resumir e de que ainda se recordará Descartes.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 56, 64-65).

 

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