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108 – Mulheres – situação – segundo a Sofística.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

108 – Mulheres – situação – segundo a Sofística.

 

Ensina Kerferd:

 

Na história citada anteriormente, Sócrates foi apresentado como dizendo não só que estava contente por não ter nascido bárbaro, mas também igualmente contente por não ter nascido mulher. Em Atenas, no século V, a posição legal, econômica e política da mulher era, de fato, verdadeiramente fraca, estando todos os poderes substancialmente nas mãos dos homens. Socialmente e em termos de influência pessoal, sem dúvida sua posição era frequentemente muitas vezes melhor, mas era só isso. Portanto não é de surpreender que a nova maneira de pensar do movimento sofista levasse a uma série de questões concernentes aos direitos e à posição das mulheres nas sociedades gregas, embora não haja testemunhos de que isso tenha levado a qualquer movimento real para a melhoria da sua condição. [Osório diz: os Sofistas trataram da condição da mulher na sociedade grega?] e [Osório diz: Sócrates, que era sofista, foi quem levantou a questão, que é a primeira forma de questioná-la!]

O ponto de partida era, sem dúvida, a percepção de que aqui, como alhures, as organizações sociais existentes não estavam inexoravelmente fixadas mas eram apenas relativas. Assim, no Dissoi Logoi II, 17 (DK 90), lemos que os egípcios não pensam da mesma maneira como os outros povos, visto que em nosso país consideramos conveniente que as mulheres teçam e trabalhem com lã, mas lá eles acham adequado que os homens façam isso e que as mulheres façam o que os homens fazem no nosso. Em Heródoto II.35 nos é dito a mesma coisa como exemplo de como os egípcios têm nomoi diferentes das de outros povos; e Édipo, no Édipo em Colônia 337, de Sófocles, refere-se à mesma coisa quando quer expressar sua admiração e agradecer às suas filhas, que tinham assumido as responsabilidades de seu infeliz pai, no que hoje chamaríamos de inversão de papéis entre masculino e feminino.

O próprio Péricles, podemos inferir, não estava de acordo, segundo Tucídides, que lhe atribui, na Oração Fúnebre, (Tuc. II, 45.2) a declaração, que se tornou famosa, concernente à Aretê das mulheres, a saber, que elas não deveriam deixar de corresponder ao seu caráter natural. Então grande seria a sua reputação (doxa) e maior será a daquela que for menos falada, seja para ser exaltada, seja para ser censurada, por lábios masculinos. Esse conselho, com efeito, tem muitas vezes parecido gratuito e inapropriado para a ocasião da comemoração dos atenienses que morreram em combate. É possível que tenha sido inserido como forma de réplica a Górgias (DK 82B22), que tinha dito que não era a beleza da mulher, mas a opinião que dela se tinha (doxa) que deveria ser conhecida por muitos, afirmação que talvez se deva associar com a importância que ele dava à opinião (DK 82B26) [Osório diz: Aspásia não teria nada a ver? Justificar sua condição de estrangeira?].

Mas todas essas são meras referências esparsas. O que é de maior importância é o testemunho de Platão e a sua relação com o de Aristófanes. Na República, Platão tinha argumentado que é dever de todas as pessoas devotar suas energias ao cumprimento da função para a qual foram, por natureza, mais bem dotadas (423d). Quando chega no Livro V, contudo, ele revela a sua consciência de que a questão da posição das mulheres envolve todo um enxame de argumentos (logoi) que, até esta altura do diálogo, tinha permanecido dormente (450bl). Sua opinião pessoal é que a única diferença entre homens e mulheres é a da função física na reprodução. Fora isso, ambos, homens e mulheres, deveriam dedicar-se à mesma série de ocupações e desempenhar as mesmas funções na comunidade. Para isso, devem receber a mesma educação. Mas se homens e mulheres forem levar a mesma vida, será preciso abolir a família. A procriação será organizada cientificamente em base comunitária; as crianças serão cuidadas em instituições públicas, de modo que ambos, mulheres e crianças, serão "comuns", pertencendo mais ao Estado do que aos maridos e pais individuais. [Osório diz: em fim concordo com algo que diz Platão! Mas o que ele queria mostrar é que essa solução as mulheres não aceitam, pois querem ser mães dos filhos do homem que “amam”! Talvez Platão dissesse: “apoio, mas aguentem as consequências”!].

Após uma minuciosa crítica do esquema platônico, Aristóteles afirma, em Política II, 7, que inúmeros outros esquemas constitucionais tinham sido propostos por particulares, por filósofos e por estadistas. Mas são todos menos radicais do que o de Platão e nenhum tinha introduzido a proposta revolucionária de comunidade de esposas e filhos, ou de refeições em comum para as mulheres. Com base nessa afirmação, pensa-se, às vezes, que Platão inventou e elaborou, sozinho, o esquema todo. Entretanto, ele tinha sido antecipado, no mínimo, em alguns detalhes. Heródoto (IV, 104) tinha relatado que o cita Agatirsiano praticara uma espécie de comunidade de mulheres a fim de que os homens pudessem ser irmãos entre si e, sendo todos quase aparentados, não sentissem inveja ou rancor um do outro. Eurípides, no seu Protesílaos (fr. 653N), tinha se referido a algo semelhante, e o próprio Aristóteles (Política 1262a19) reporta-se a uma prática do mesmo tipo na Líbia Superior. Isso deixa claro que a ideia era conhecida, e tinha despertado interesse bem antes que Platão produzisse a República. [Osório diz: Platão plagiário!]

Mas isso é apenas o começo do problema. A idéia de uma revolução política realizada por mulheres (usando a arma de uma greve de sexo contra os homens) foi o tema de Lisístrata, de Aristófanes, produzido em 411 a.C.; e por volta de 392 a.C., no Ecclesiazusae (A assembléia das mulheres), descreve-se uma outra revolução das mulheres, onde o programa das mulheres contém semelhanças bem notáveis com o que encontramos na República. Uma hipótese radical pretenderia que, portanto, deveria ter havido uma versão anterior da República, publicada ou não, acessível a Aristófanes, por volta de 392 a.C., visto que é provável que a versão que temos não tenha sido completada antes de 375 a.C. Talvez não seja algo surpreendente demais descobrir que quase exatamente o inverso dessa hipótese também tem sido defendido. O coro, em A assembléia das mulheres (577-579), declara que a cidade de Atenas está precisando de uma invenção inteligente, e convida para a consideração de coisas que nunca tinham sido feitas ou faladas antes. Praxinoa então revela o seu programa numa longa passagem de diálogo com mais de cem linhas (583-724). Toda propriedade, todos os alimentos e todo o dinheiro devem pertencer à comunidade e, em conseqüência, a pobreza será abolida. Haverá completa liberdade sexual e todas as mulheres serão compartilhadas em comum pelos homens. Os filhos resultantes considerarão todos os homens como seus pais. Não haverá ações judiciais porque não há propriedade privada, e a punição, quando necessária, consistirá na exclusão das refeições comunitárias.

As semelhanças com o que Platão diz na República são realmente notáveis, e não só é possível como também bastante provável que Platão conhecesse a peça na época em que estava escrevendo a República. A única alternativa plausível é a de uma fonte escrita para ambas as composições. Mas se essa fonte tivesse existido é estranho que ninguém, na Antiguidade, parece tê-la mencionado, fora a declaração geral de que Platão tirara o conteúdo da República do Antilógica de Protágoras. É, por conseguinte, muito provável que as semelhanças verbais devam ser explicadas pelo uso da peça de Aristófanes por Platão. Mas não é provável que o programa todo fosse algo simplesmente inventado por Aristófanes. Por causa do crivo acidental e altamente seletivo através do qual a literatura do século V teve de passar antes de se tornar acessível a nós, há constante perigo de se subestimar o vigor e a extensão das contínuas discussões, escritas e não-escritas, travadas sobre assuntos de interesse público. Embora não se possa fazer atribuições pessoais, pode-se ter como virtualmente certo que teorias revolucionárias sobre os direitos e a posição das mulheres estavam no ar durante o tempo de vida de Aristófanes. Senão ele não teria dedicado pelo menos três comédias a tais questões, a saber, Lisístrata, Thesmophoriazusae (As celebrantes das Tesmofôrias) e Assembleia das Mulheres [Osório diz: é o que digo sobre o gasto de tinta sobre os Sofistas por Platão e Aristóteles]. Exatamente o que estava na mente de muitas pessoas pode ser claramente depreendido do elaborado relato das desvantagens que afligiam as mulheres na primeira fala de Medeia, na peça de Eurípedes (Medeia, 230-266). Ela começa com a declaração de que ter que comprar um marido é bastante ruim: ser sua escrava física é pior ainda [Osório diz: que frase magnífica!]. Aqui, como já foi dito, "ela contrasta as condições físicas e sociais da existência das mulheres com a liberdade usufruída pelos homens. Um complemento desse relato das condições presentes é suprido pela visão confiante, na primeira estrofe e antístrofe do coro seguinte. Uma mudança vem vindo, o futuro será melhor" (410-430). Tudo isso tem seu lugar na história da própria peça. Mas dificilmente teria sido possível que um auditório escutasse o que estava sendo dito sem também estar consciente de suas implicações maiores.” [Osório diz: daí o Sócrates de As nuvens e As rãs ser o Sócrates de todos conhecido! Entretanto, poucos autores falam do Sócrates d'As rãs!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 271-276).

 

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