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124 – O que e por que do “sofisticídio”?

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

124 – O que e por que do “sofisticídio”?

 

Era “necessário” e “compreensivo” que o nome e o ensinamentos desses homens fossem “riscados do mapa” da cultura.

Eles não ensinavam nada, mas conseguiram provar que o que se ensinava não tinha “certeza e verdade” que aqueles que ensinavam e ensinam (até hoje) dizem que tem.

Seu lema (da Sofística) pode ser resumido assim: “eu não sei, mas tu também não sabes”.

É que os que os antecederam (no caso, os ditos pré-socráticos, melhor seria pré-sofistas) “foram lá e pensaram”, sem se questionarem sobre o próprio pensamento. Vieram os Sofistas e questionaram a própria possibilidade de pensar ao se colocarem a questão: “é possível conhecer?”. Se for possível, “qual o limite do conhecimento?”. E mais, “é possível para aquele que conhece, transmitir para outro seu conhecimento?”.

Eles fizeram questionamentos sobre tudo: política, ética, direito, religião etc., e foi justamente por mostrarem que as bases de tudo isso era (e é) muito frágil que “caíram em desgraça”, pois:

a) quem vai aceitar, por exemplo, alguém que ensina que “na política vale a lei do mais forte”?

b) que a “ética depende de quem a pratica, não existindo uma mais certa e melhor que a outra”?

c) que o “direito existe para preservar o interesse de quem o cria”?

d) que “os deuses não existem. Que são criações do homem”?

As três primeiras questões até que podiam ser toleradas por aqueles que sãos (ou foram) os guardiões da cultura (ou a conservaram), qual seja, as religiões. A última questão, entretanto, era e é intolerável, pois com ela as religiões perdem o seu próprio fundamento, sua própria razão de ser.

Melhor e imprescindível será para as religiões cometer o “sofisticídio”, ou seja, matar a Sofística, riscando-a do mapa, como se não tivesse existido, ou caso isso não seja possível, como se mostrou, relegando-a à insignificância. A um nada!

Mas como pode existir esse nada se Platão, aquele “filósofo-poeta-dramaturgo” que foi elevado pelas religiões à própria condição de “um deus” (ele, afinal, criou um outro mundo!), ter dedicado vários de seus diálogos (ou significativa parte de sua obra) a combater esse “nada”?

Se era um nada, precisava ser combatido?

E não foi somente Platão! Seu discípulo mais famoso e especial contraditor, Aristóteles, também gastou muita tinta para combater o “nada”!

Mas o homem já venceu seus medos e os medos que lhe faziam! E, com isso, tornou-se adulto o suficiente para conhecer o seu mundo.

Isso leva a uma reabilitação dos Sofistas?

A reabilitação dos Sofistas, dentre outras razões, ocorreu, especialmente, pela e com a “munição” fornecida para “tentar matá-los”, e aquilo que seria um “homicídio” consumado transformou-se em “mera tentativa de homicídio”.

Mas, embora a pena para a tentativa seja menor que a pena para o homicídio consumado, certamente que aqueles que tentaram matá-los preferiam a pena maior, pois seu objetivo, sem dúvidas, era a morte pura e simples do Movimento Sofístico.

É que os reabilitares colocaram-se a questão: “por que tamanha e feroz combatividade contra pessoas que nada disseram e que, portanto, nada têm a dizer?”.

Se, desde a dupla Platão e Aristóteles e os demais filósofos que os seguiram, se combate tanto a pensamentos tão insignificantes, é, certamente, por eles não serem tão insignificantes assim, caso contrário não mereciam tamanha atenção, pois como diz o dito popular “não se atiram pedras em árvores que não dão frutos”.

Os historiadores da filosofia (e que são também filósofos, ou se tornaram) dedicam ao capítulo “Os Sofistas” em suas volumosas obras nada mais que poucas linhas, isso quando são citados!

E essa reduzida exposição e/ou omissão contradiz a volumosa obra platônico-aristotélica dedicada ao tema!

Se os “deuses” da sabedoria falaram tanto sobre os (ou dos) Sofistas, por que os historiadores dizem tão pouco sobre eles?

Eis o mote para a reabilitação.

 

Jacqueline de Romilly nos diz:

 

Silêncio, por outro lado – e isso pode ser mais grave –, sobre os aspectos mais técnicos da atividade dos sofistas. Alguns se ocuparam das matemáticas, como Hípias e Antifonte, e trouxeram novidades a este campo. Outros se ocuparam do exercício da memória, como o próprio Hípias. Vários deles contribuíram para a história, estabelecendo diversas coleções de fatos. Esses aspectos de suas atividades devem ser relembrados, porém, não os estudaremos aqui, a fim de ter em conta a atenção do leitor, e para melhor separar a continuidade geral da aventura intelectual que estava em jogo.

 

Pelas razões já indicadas, na interpretação das obras deixamos de lado as que já se tenham feito em nome das filosofias posteriores: queremos limitarmo-nos ao que podiam compreender os leitores da época. É, talvez, um pouco menos sugestivo, mas, em todo caso, mais adequado à preocupação da verdade histórica.

 

Por último, em nome dessa mesma preocupação, não fizemos intervir nunca o que se chamou de segunda sofística, um movimento intelectual baseado na retórica e inspirado no exemplo dos sofistas do século V. Essa segunda sofística se situa no século II d. C., ou seja, sete séculos depois da primeira, que é a que nos ocupa; a que surgiu bem depois está muito mais consagrada à retórica que a primeira e mais aberta às tendências irracionais que floresciam à época. Repetimos que essa abordagem é interessante para quem reflete sobre a retórica ou sobre a linguagem, caso de quem busca compreender o que aconteceu e se pensou na Atenas do século V.

 

Essas escolhas impõem, portanto, certo número de abandonos. Porém, em troca, fundam uma esperança, que é a esperança de reparar uma injustiça.

 

Pois aí está o nó da questão: esses mestres foram grandes mestres. Mas também foram acusados de ser maus mestres. Em diversas épocas, e já na Atenas de então, foram atacados publicamente. De fato, foram acusados de tudo: arruinar a moral, rejeitar todas as verdades, semear a má-fé liberar as ambições e causar a perdição de Atenas. Platão teve seu papel nesse movimento de protesto; mas não foi o único. E o resultado foi que o belo título que haviam adquirido ao se intitularem “sofistas”, ou melhor, especialistas em sabedoria, se converteu, em seguida, e assim permanece até nosso tempo, em sinônimo de homens retorcidos. Por que? Como? Esses homens eram pouco dignos de ter os discípulos que tiveram? Eram tão ímpios? Ou ainda, houve tantos mal-entendidos? E, nesse caso, de onde vêm tais mal-entendidos?

 

Essas perguntas são aquelas sobre as quais nos detivemos, estimulado e detido de novo e vagamente no curso de muitos anos de investigação e leitura; e são elas que formam o tema deste livro.”

(Fonte: Os grandes sofistas da Atenas de Péricles. Jacqueline de Romilly. Tradução: Osório Silva Barbosa Sobrinho. Octavo. São Paulo. 2017, p. 40-42).

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