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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

110 - Sofistas e a análise de todas as atividades humanas - pioneirismo.

 

Ensina Kerferd:

 

Em uma passagem notável, no início de sua História (I, 10.2), Tucídides especulava que, se a cidade de Esparta viesse a ficar deserta e só restassem os templos e os alicerces dos edifícios, passado o tempo as gerações futuras achariam muito difícil acreditar que ela tivesse realmente sido tão poderosa como sua reputação sugeria que tivesse sido [Osório diz: assim seria o mundo sem biblioteca! Chupa Platão!]. Não é diferente no caso dos sofistas. Nem eles, nem seus escritos sobrevivem, e os poucos fragmentos que são citados, considerados superficialmente, parecem insignificantes, como os restos dos alicerces dos edifícios em uma cidade antiga, comparados com os importantes edifícios de Platão e Aristóteles que sobrevivem intactos, ou virtualmente intactos. Ao lado desses, as construções originais dos sofistas eram certamente muito inferiores. Mas quando investigamos mais de perto as tradições que chegaram até nós, a respeito deles, e utilizamos os instrumentos de estudo de que dispomos, o resultado certamente não é insignificante. O que é necessário é um processo de reconstrução quase arqueológica com base nos traços que restaram. Frequentemente essas reconstruções nocionais serão incertas e sujeitas a contestação. Mas os traços estão lá e está errado tentar fingir que as superestruturas eram pequenas ou nem tinham ali estado.

Nos primeiros capítulos não se tentou analisar ou avaliar todo o material existente relativo aos sofistas individuais e às várias doutrinas que lhes eram atribuídas. Mesmo assim, a primeira impressão deve ser a da vasta extensão do campo coberto pelo movimento sofista. Diz-se, frequentemente, que a principal função dos sofistas foi preparar o caminho para Platão, e isso é regularmente dito de tal maneira que sugere serem eles, por conseguinte, de importância limitada. Mas virtualmente todo os pontos do pensamento de Platão têm seu ponto de partida na sua reflexão sobre os problemas levantados pelos sofistas. Virtualmente todos os diálogos, de um modo ou de outro, têm um ou mais sofistas visíveis ou ocultamente presentes, influenciando suas discussões. E isso é verdade mesmo se Sócrates for totalmente excluído da companhia de seus contemporâneos [Osório diz: Sócrates sofista]. Virtualmente todos os aspectos da atividade humana, todas as ciências sociais podem ser vistos como assuntos constantes do debate sofista, em muitos casos pela primeira vez na história humana. Isso é algo muitas vezes mais reconhecido por autores modernos especializados em vários ramos da sociologia do que por aqueles mais diretamente interessados na Antiguidade clássica [Osório diz: quase todos estes religiosos ou ligados aos mosteiros]. O que estamos estudando são as tradições e os remanescentes fragmentários de um grande movimento do pensamento humano. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 293-294).

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

109 - Polimatia, segundo a Sofística.

 

Ensina Kerferd:

 

Os testemunhos citados até aqui indicariam que o contraste entre Protágoras e Hípias pode não ter sido tão grande como é sugerido pela declaração que Platão põe na boca de Protágoas. Essa declaração tem, na verdade, probabilidade de ser essencialmente correta naquilo que realmente diz. Mas há, entre as duas abordagens, uma diferença que, historicamente, é de considerável importância. Protágoras, na sua crítica de Hípias e de outros como ele, está levantando uma questão de relevância ao sugerir que ele, Protágoras, ensinará o que o estudante realmente quer aprender como preparação para a vida que está pretendendo levar. Associada a essa, há uma outra questão também. Heráclito tinha atacado Hesíodo, Pitágoras, Xenófanes e Hecateu, alegando que polimatia ou aprendizagem em muitos assuntos não produzia compreensão (DK 22B40), sem dúvida porque isso não tinha levado os homens a uma compreensão do que ele considerava sua própria especial percepção da natureza do universo. Daí em diante, o valor de polimatia foi uma questão discutida, e encontramos Demócrito dizendo (DK 68B65) que o que é preciso não é polimatia no sentido de aprender muitas coisas mas, antes, no de compreensão de muitas coisas. Essa era a questão entre Protágoras e Hípias, não a da série de coisas que precisamos compreender. É provável que a posição de Protágoras esteja resumida na declaração atribuída a ele (DK 8DB11): educação não brota na alma, a menos que se vá a uma profundidade maior. É possível que isso signifique que não basta ficar no nível dos fenômenos, que são a matéria da polimatia mas que precisamos prosseguir para o que é hoje chamado de estudo em profundidade, numa tentativa de compreender os princípios subjacentes comuns a todos os assuntos que devem ser estudados. [Osório diz: frase de Protágoras]

(...)

Ele dizia estar à vontade em toda a ciência de seu tempo e, por isso, não é de estranhar que Sócrates se refira a ele como um polímata (DK86A14). Nisso era, sem dúvida, ajudado por excepcional capacidade de memória, aparentemente desenvolvida por técnicas especiais, que ensinou também a outros, e que o habilitava a lembrar cinquenta nomes depois de ouvi-los uma vez só. É interessante ler, embora provavelmente não seja verdade, que sua habilidade de memória era ajudada com a bebida de certas poções.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 172-174, 83).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

108 – Mulheres – situação – segundo a Sofística.

 

Ensina Kerferd:

 

Na história citada anteriormente, Sócrates foi apresentado como dizendo não só que estava contente por não ter nascido bárbaro, mas também igualmente contente por não ter nascido mulher. Em Atenas, no século V, a posição legal, econômica e política da mulher era, de fato, verdadeiramente fraca, estando todos os poderes substancialmente nas mãos dos homens. Socialmente e em termos de influência pessoal, sem dúvida sua posição era frequentemente muitas vezes melhor, mas era só isso. Portanto não é de surpreender que a nova maneira de pensar do movimento sofista levasse a uma série de questões concernentes aos direitos e à posição das mulheres nas sociedades gregas, embora não haja testemunhos de que isso tenha levado a qualquer movimento real para a melhoria da sua condição. [Osório diz: os Sofistas trataram da condição da mulher na sociedade grega?] e [Osório diz: Sócrates, que era sofista, foi quem levantou a questão, que é a primeira forma de questioná-la!]

O ponto de partida era, sem dúvida, a percepção de que aqui, como alhures, as organizações sociais existentes não estavam inexoravelmente fixadas mas eram apenas relativas. Assim, no Dissoi Logoi II, 17 (DK 90), lemos que os egípcios não pensam da mesma maneira como os outros povos, visto que em nosso país consideramos conveniente que as mulheres teçam e trabalhem com lã, mas lá eles acham adequado que os homens façam isso e que as mulheres façam o que os homens fazem no nosso. Em Heródoto II.35 nos é dito a mesma coisa como exemplo de como os egípcios têm nomoi diferentes das de outros povos; e Édipo, no Édipo em Colônia 337, de Sófocles, refere-se à mesma coisa quando quer expressar sua admiração e agradecer às suas filhas, que tinham assumido as responsabilidades de seu infeliz pai, no que hoje chamaríamos de inversão de papéis entre masculino e feminino.

O próprio Péricles, podemos inferir, não estava de acordo, segundo Tucídides, que lhe atribui, na Oração Fúnebre, (Tuc. II, 45.2) a declaração, que se tornou famosa, concernente à Aretê das mulheres, a saber, que elas não deveriam deixar de corresponder ao seu caráter natural. Então grande seria a sua reputação (doxa) e maior será a daquela que for menos falada, seja para ser exaltada, seja para ser censurada, por lábios masculinos. Esse conselho, com efeito, tem muitas vezes parecido gratuito e inapropriado para a ocasião da comemoração dos atenienses que morreram em combate. É possível que tenha sido inserido como forma de réplica a Górgias (DK 82B22), que tinha dito que não era a beleza da mulher, mas a opinião que dela se tinha (doxa) que deveria ser conhecida por muitos, afirmação que talvez se deva associar com a importância que ele dava à opinião (DK 82B26) [Osório diz: Aspásia não teria nada a ver? Justificar sua condição de estrangeira?].

Mas todas essas são meras referências esparsas. O que é de maior importância é o testemunho de Platão e a sua relação com o de Aristófanes. Na República, Platão tinha argumentado que é dever de todas as pessoas devotar suas energias ao cumprimento da função para a qual foram, por natureza, mais bem dotadas (423d). Quando chega no Livro V, contudo, ele revela a sua consciência de que a questão da posição das mulheres envolve todo um enxame de argumentos (logoi) que, até esta altura do diálogo, tinha permanecido dormente (450bl). Sua opinião pessoal é que a única diferença entre homens e mulheres é a da função física na reprodução. Fora isso, ambos, homens e mulheres, deveriam dedicar-se à mesma série de ocupações e desempenhar as mesmas funções na comunidade. Para isso, devem receber a mesma educação. Mas se homens e mulheres forem levar a mesma vida, será preciso abolir a família. A procriação será organizada cientificamente em base comunitária; as crianças serão cuidadas em instituições públicas, de modo que ambos, mulheres e crianças, serão "comuns", pertencendo mais ao Estado do que aos maridos e pais individuais. [Osório diz: em fim concordo com algo que diz Platão! Mas o que ele queria mostrar é que essa solução as mulheres não aceitam, pois querem ser mães dos filhos do homem que “amam”! Talvez Platão dissesse: “apoio, mas aguentem as consequências”!].

Após uma minuciosa crítica do esquema platônico, Aristóteles afirma, em Política II, 7, que inúmeros outros esquemas constitucionais tinham sido propostos por particulares, por filósofos e por estadistas. Mas são todos menos radicais do que o de Platão e nenhum tinha introduzido a proposta revolucionária de comunidade de esposas e filhos, ou de refeições em comum para as mulheres. Com base nessa afirmação, pensa-se, às vezes, que Platão inventou e elaborou, sozinho, o esquema todo. Entretanto, ele tinha sido antecipado, no mínimo, em alguns detalhes. Heródoto (IV, 104) tinha relatado que o cita Agatirsiano praticara uma espécie de comunidade de mulheres a fim de que os homens pudessem ser irmãos entre si e, sendo todos quase aparentados, não sentissem inveja ou rancor um do outro. Eurípides, no seu Protesílaos (fr. 653N), tinha se referido a algo semelhante, e o próprio Aristóteles (Política 1262a19) reporta-se a uma prática do mesmo tipo na Líbia Superior. Isso deixa claro que a ideia era conhecida, e tinha despertado interesse bem antes que Platão produzisse a República. [Osório diz: Platão plagiário!]

Mas isso é apenas o começo do problema. A idéia de uma revolução política realizada por mulheres (usando a arma de uma greve de sexo contra os homens) foi o tema de Lisístrata, de Aristófanes, produzido em 411 a.C.; e por volta de 392 a.C., no Ecclesiazusae (A assembléia das mulheres), descreve-se uma outra revolução das mulheres, onde o programa das mulheres contém semelhanças bem notáveis com o que encontramos na República. Uma hipótese radical pretenderia que, portanto, deveria ter havido uma versão anterior da República, publicada ou não, acessível a Aristófanes, por volta de 392 a.C., visto que é provável que a versão que temos não tenha sido completada antes de 375 a.C. Talvez não seja algo surpreendente demais descobrir que quase exatamente o inverso dessa hipótese também tem sido defendido. O coro, em A assembléia das mulheres (577-579), declara que a cidade de Atenas está precisando de uma invenção inteligente, e convida para a consideração de coisas que nunca tinham sido feitas ou faladas antes. Praxinoa então revela o seu programa numa longa passagem de diálogo com mais de cem linhas (583-724). Toda propriedade, todos os alimentos e todo o dinheiro devem pertencer à comunidade e, em conseqüência, a pobreza será abolida. Haverá completa liberdade sexual e todas as mulheres serão compartilhadas em comum pelos homens. Os filhos resultantes considerarão todos os homens como seus pais. Não haverá ações judiciais porque não há propriedade privada, e a punição, quando necessária, consistirá na exclusão das refeições comunitárias.

As semelhanças com o que Platão diz na República são realmente notáveis, e não só é possível como também bastante provável que Platão conhecesse a peça na época em que estava escrevendo a República. A única alternativa plausível é a de uma fonte escrita para ambas as composições. Mas se essa fonte tivesse existido é estranho que ninguém, na Antiguidade, parece tê-la mencionado, fora a declaração geral de que Platão tirara o conteúdo da República do Antilógica de Protágoras. É, por conseguinte, muito provável que as semelhanças verbais devam ser explicadas pelo uso da peça de Aristófanes por Platão. Mas não é provável que o programa todo fosse algo simplesmente inventado por Aristófanes. Por causa do crivo acidental e altamente seletivo através do qual a literatura do século V teve de passar antes de se tornar acessível a nós, há constante perigo de se subestimar o vigor e a extensão das contínuas discussões, escritas e não-escritas, travadas sobre assuntos de interesse público. Embora não se possa fazer atribuições pessoais, pode-se ter como virtualmente certo que teorias revolucionárias sobre os direitos e a posição das mulheres estavam no ar durante o tempo de vida de Aristófanes. Senão ele não teria dedicado pelo menos três comédias a tais questões, a saber, Lisístrata, Thesmophoriazusae (As celebrantes das Tesmofôrias) e Assembleia das Mulheres [Osório diz: é o que digo sobre o gasto de tinta sobre os Sofistas por Platão e Aristóteles]. Exatamente o que estava na mente de muitas pessoas pode ser claramente depreendido do elaborado relato das desvantagens que afligiam as mulheres na primeira fala de Medeia, na peça de Eurípedes (Medeia, 230-266). Ela começa com a declaração de que ter que comprar um marido é bastante ruim: ser sua escrava física é pior ainda [Osório diz: que frase magnífica!]. Aqui, como já foi dito, "ela contrasta as condições físicas e sociais da existência das mulheres com a liberdade usufruída pelos homens. Um complemento desse relato das condições presentes é suprido pela visão confiante, na primeira estrofe e antístrofe do coro seguinte. Uma mudança vem vindo, o futuro será melhor" (410-430). Tudo isso tem seu lugar na história da própria peça. Mas dificilmente teria sido possível que um auditório escutasse o que estava sendo dito sem também estar consciente de suas implicações maiores.” [Osório diz: daí o Sócrates de As nuvens e As rãs ser o Sócrates de todos conhecido! Entretanto, poucos autores falam do Sócrates d'As rãs!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 271-276).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

107 - Tetralogias, segundo a Sofística.

 

Kerferd ensina:

 

Mais diretamente relacionado com o treinamento dos futuros oradores nos tribunais, ou nas assembleias [Osório diz: locais para os quais os estudantes eram ensinados a fazerem uso do que aprendiam], eram os exercícios retóricos do tipo que chegou até nós na coleção das Tetralogias de Antífon — cada uma delas consiste em um conjunto de quatro discursos: discurso do acusador, resposta do defensor, depois um segundo discurso de cada lado. São como que modelos esquemáticos de discurso; a segunda Tetralogia trata o tema já mencionado — a questão da responsabilidade quando um rapaz é acidentalmente atingido por um dardo quando estava como espectador num ginásio. É claro que exemplos de discurso desse tipo eram dados para os estudantes estudarem e imitarem.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 56).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

106 – Sofistas como mestres intelectuais da violência – mentira.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Untersteiner lê o fragmento “Da Constituição” à luz da Constituição dos Atenienses do Velho Oligarca. Vê nele uma denúncia do sistema maioritário da democracia; esta gasta-se em discursos contraditórios e em lutas intestinas, quando o perigo se tornava iminente. Conclui: “a solução que Trasímaco propõe coincide com a palavra de ordem do partido oligárquico, isto é, com o regresso à Constituição dos pais”.

Não vemos, da nossa parte, neste texto a marca de um espírito partidário, mas, pelo contrário, um esforço do sofista por se elevar acima da confusão. O orador começa por se desculpar de intervir, apesar da sua juventude, nos assuntos públicos, mas as desgraças que hoje afligem a Cidade têm uma causa política, e “há que tomar a palavra”. Estas desgraças são de duas ordens: conflito no exterior (guerra do Peloponeso), discórdia no interior (luta entre oligarcas e democratas). O remédio que Trasímaco propõe resume-se numa palavra: Homonoia, a concórdia. Este acordo pode realizar-se a um duplo nível, no pensamento e na ação; e é tanto mais fácil de conseguir quanto já existe. Com efeito, os adversários julgam apenas opor-se e não sentem que, no domínio prático, eles querem fazer as mesmas coisas, e que, no domínio teórico, “a afirmação dos outros está contida nas suas afirmações que aqueles dirigem”. Esta última fórmula é notável pela dialeticidade que deixa entrever; bem longe de se armar em profissional da erística, o sofista lança aqui as bases de um verdadeiro logos de reconciliação. Trasímaco opõe-se, por isto, a Protágoras e à sua tese de antilogia: as contradições resolvem-se pela implicação mútua dos discursos, que só são contrárias na aparência. Este tema da homonoia já é muito atuante em Antífon e, em menor grau, em Hípias: notamos, uma vez mais, como é falso ver, nos sofistas, os mestres intelectuais da violência.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 70-71).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

105 – Trabalho como impeditivo do discurso, da política.

 

Doutrina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

A divisão do trabalho não permite a constituição do discurso forte porque destrói todo o espaço de troca [Osório diz: o trabalho como impeditivo do discurso]; compreende-se então, a razão da desconfiança de Protágoras perante as diversas técnicas (téchnai) que opõe à política. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 28).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

104 – Sofistas e a intelectualidade moderna.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Por outro lado, os Sofistas foram profissionais do saber; os primeiros fizeram da ciência e do ensino o seu ofício e meio de subsistência; neste sentido, inauguraram o estatuto social do intelectual moderno. Parece terem-se interessado por todos os ramos do saber, da gramática às matemáticas, mas estes “filómatos” [Osório diz: filomatia, significa amor à ciência] não procuravam a transmissão de um saber teórico: visavam a formação política de cidadãos escolhidos.” [Osório diz: Sofistas os professores da Grécia] [Osório diz: Sofistas e a intelectualidade moderna]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 10).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

103 – Sofistas: como seus inimigos utilizam suas doutrinas.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Não só o próprio nome de “sofista” foi desacreditado, mas ainda demasiadas vezes se expuseram teses mestras dos Sofistas apenas de acordo com a refutação operada pelo platonismo; deste modo, a imagem da sofística apareceu-nos através de uma distorção, em que os Sofistas figuram como os eternos vencidos de antemão, que, se existem, é por terem errado.” [Osório diz: é possível distinguir entre inimigos e adversários?]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 9-10).

 

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(uma biografia do conhecimento)

 

102 – Sentir e conhecer, segundo a Sofística.

 

Gilbert Romeyer-Dherbey doutrina:

 

O que distingue a aristocracia é a longa e difícil formação educativa que se lhe dá e que ela a si se dá. Esta tese orienta o pensamento de Crítias para um voluntarismo que vai confirmar a sua gnoseologia. Crítias traça uma linha de demarcação nítida entre o sentir e o conhecer; para isso opõe o pensamento – que conhece – e as diferentes instâncias corporais – que sentem. Pensamento e sensações opõem-se como a unidade à multiplicidade. Um outro fragmento permite-nos relacionar o primeiro tema da ascese [Osório diz: Ascetismo. Prática de devoção e meditação religiosa (consiste na prática da renúncia do prazer ou mesmo a não satisfação de algumas necessidades primárias, com o fim de atingir determinados fins espirituais. O conceito abrange, por isso, um grande espectro de práticas, em culturas e etnias muito diferentes, que vão dos ritos iniciáticos (maus tratos, incisições e escoriações no corpo, repreensões de extrema severidade, a mutilação genital ou a participação em provas que exigem actos excessivos de coragem) aos hábitos monásticos de diversas religiões, incluindo o celibato, o jejum e a mortificação do corpo por diversos meios. Segundo as interpretações mais correntes, alguns dos fenômenos religiosos e místicos, envolvendo visões ou estados de êxtase resultam do enfraquecimento do corpo e da alteração do equilíbrio sensorial. Segundo o idealismo platônico, a ascese servirá, exactamente, para aproximar a pessoa (o asceta) da verdadeira realidade espiritual e ideal, ao desligar-se da imperfeição e materialidade do corpo. A religião cristã ligará, também, os desejos corporais à ideia de pecado que deve ser refreado a todo o custo, caso se pretenda atingir a santidade e os dons divinos que, ainda assim, são concedidos pela graça de Deus e não pela virtude do asceta.)] com a teoria do pensamento:

 

Se tu próprio te exercitas para seres de pensamento penetrante, experimentarás assim por isso mesmo o menor prejuízo."

 

Por isso mesmo” designa provavelmente aqui as sensações: assim, pelo exercício torna-se mais forte e mais acutilante a gnôme, que é então capaz de dominar as múltiplas solicitações do sentir. Esta distinção pensamento-sensações não anuncia a ulterior distinção alma-corpo, porque – para Crítias – como nos informa Aristóteles, a alma é essencialmente poder de sentir; ora, se a sensação se produz devido ao sangue, segue-se que a alma é o sangue. A alma, poder de vida, é, por conseguinte, indistinta do corpo. Esta doutrina da alma-sangue não basta para classificar esta antropologia de materialista já que, acima da alma e diferente dela, há, como se viu, a gnôme.

Untersteiner propõe que se relacione gnôme com tropos o “caráter”, que seria a sua “manifestação concreta”. A teoria do caráter aparece então em Crítias como o elo de ligação entre a sua concepção do homem e a respectiva concepção política; explica a sua idolatria por Esparta e a sua educação guerreira, os seus costumes, a sua Constituição. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 11-112).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

101 – Nobreza, segundo a Sofística.

 

Gilbert Romeyer-Dherbey ensina:

 

A natureza cria, portanto, não cidadãos, mas indivíduos. Estes indivíduos naturais são todos iguais e, por conseguinte, a nobreza (que se chama impropriamente “nascimento”) não é mais do que um efeito de sociedade e, como esta, uma pura convenção. Se a convenção social se justifica pelo utilitarismo, a nobreza não o consegue e, então, não é mais do que uma “noção completamente vazia” porque “em verdade, nada distingue os não-nobres dos nobres”. No seu escrito perdido Da nobreza, Aristóteles cita literalmente Lícofron, dando-nos assim, uma amostra preciosa da sua maneira de escrever: “Invisível a beleza da nobreza, a sua majestade reside só nas palavras”. A posição política de Lícofron está, com isto, fixada: é um adepto da democracia, pelo menos um adversário dos oligarcas. Neste sentido, integra-se perfeitamente na corrente sofística tal como nos aparece.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 57).

 

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