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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.11 – Platão e a Teoria das formas como fuga.

 

[Osório diz: Idiotice e enganação. Não conseguimos lembrar de coisas que aconteceram no dia anterior, como lembraríamos de coisas ocorridas na concepção, por exemplo?!]

 

Kerferd ensina:

 

Que o próprio Platão sabia que sua visão do mundo fenomenal envolvia a antilógica aparece claramente numa famosa passagem do Fédon (89dl-90c7), cuja importância nem sempre tem sido compreendida pelos estudiosos [Osório diz: Platão admitindo a antilógica, para desespero de seus asseclas!]. É a passagem em que ele fala do perigo de vir a odiar logoi, ou argumentos, situação que ele chama de misologia [Osório diz: seria isso a percepção de que a linguagem é insuficiente para explicar, dizer o mundo?]. No caso de um ser humano, se primeiro confiamos nele e depois, mais tarde, descobrimos que não podemos confiar nele, e essa experiência se repete, é provável que acabemos na misantropia, o ódio e rejeição de todo ser humano. A mesma coisa acontece com os argumentos — se a pessoa primeiro confia e crê que um argumento é verdadeiro e depois descobre que é falso, a pessoa pode acabar odiando e desconfiando de todos os argumentos [Osório diz: daí Protágoras ser fundamental com o seu mito]. Em seguida vem a afirmação para a qual quero chamar especial atenção:

 

E, acima de tudo, os que passam o seu tempo tratando com antinomias (logoi antilogikoi) acabam, como vocês bem sabem, pensando que se tornaram os mais sábios dos homens e que são os únicos que chegaram a compreender que não há nada sólido ou seguro, seja em fatos ou em argumentos, mas que todas as coisas que existem são simplesmente levadas para cima e para baixo como o [fluxo da maré no] Euripo, e nunca param em um ponto qualquer por qualquer duração de tempo.” [Osório diz: Fédon (89dl-90c7).Conferir esta ótima citação. Vide abaixo também].

 

Platão, naturalmente, vai sugerir ambos: a necessidade de fugir da misologia e os métodos a serem seguidos. Contudo, é claro que na passagem acima ele está expressando a sua própria visão do fluxo dos fenômenos. Ao longo dos diálogos, são a instabilidade e o caráter mutável do mundo fenomenal que o tornam, para Platão, incapaz de funcionar como objeto de conhecimento. O conhecimento há de ser, necessariamente, firme e imutável, e requer objetos de caráter semelhante ao seu. No Fédon, a expressão "para cima e para baixo" é usada de novo (96bl) para caracterizar a confusão (100d3) sentida por Sócrates ao tentar compreender e explicar o mundo físico em termos puramente físicos, antes de embarcar na sua "segunda viagem", baseada no método da hipótese e na doutrina das Formas. Esta provê um método de fuga (99e5) da confusão do mundo dos sentidos. Contudo, aquilo de que Sócrates deve fugir é exatamente este mundo dos sentidos, e a razão da sua necessidade de fugir dele é porque ele exibe exatamente aquelas características com as quais se identificam as pessoas conhecidas como antilogikoi. [Osório diz: Platão e a impossibilidade da ciência!].

No restante do diálogo, isto é, naturalmente, na parte principal, Sócrates procede a um extenso exame, primeiro da tese de Hermógenes de que a correção das palavras depende simplesmente do acordo dos usuários sobre quais nomes devem ser aceitos como corretos e, depois, da tese de Crátilo, segundo a qual há uma base natural para a sua correção. Sócrates argumenta, de ponta a ponta, que a correção dos nomes procede de sua função de indicar a natureza das coisas nomeadas (ver, p. ex., 422dl-2), e supõe que fazem isso mediante um processo de imitação da coisa em questão. Mas as coisas que encontramos em nossa experiência são, do ponto de vista cognitivo, inconsistentes, porque sempre são e não são ao mesmo tempo. Isso as torna incapazes de corresponder plenamente aos nomes que usamos num discurso significativo — problema que já havia sido apresentado por Parmênides. A solução de Platão, contudo, não foi nem renunciar à linguagem, nem abandonar de vez o mundo da experiência mas, antes, a invenção de um "Terceiro Mundo" o das Formas platônicas. Essas Formas são como que deliberadamente imaginadas para satisfazer os requisitos de serem objetos de referência e significado linguísticos satisfatórios. Mas, embora de certa maneira possam ser descritas como deliberadamente imaginadas, em outro sentido, naturalmente, isso é falso — para Platão são entidades reais, os constituintes definitivos da realidade. [Osório diz: Platão e sua auto-ilusão! Mas com ela carrega muitos!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p, 115-116, 132).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.10 – Platão e o fluxo (o movimento).

 

Kerferd ensina:

 

O aspecto essencial desse uso da antilógica é o estabelecimento de logoi ou argumentos opostos acerca da questão em debate. Mas para Platão é muito mais do que isso. Basicamente, para ele, o mundo fenomenal está sempre em estado de mudança e fluxo, de tal forma que pode ser descrito, em certo sentido, como que se revolvendo entre ser alguma coisa e não ser essa coisa [Osório diz: por que Platão não tinha saída a não ser voltar-se para a fé, a crença, o misticismo]. Mais ainda, isso não é meramente algo que acontece entre dois pontos no tempo. A qualquer momento, "coisas que dizemos ser grandes ou pequenas, leves ou pesadas, podem igualmente ser descritas pelo epíteto oposto" (Rep. 479b6-8). Isso mostra duas coisas. Primeiro, a oposição entre logoi pode ser simultânea no sentido de que os logoi são opostos não um depois do outro mas ao mesmo tempo. Em qualquer dado momento, o mesmo homem, por exemplo, é ao mesmo tempo alto e baixo, dependendo de com quem ele é comparado. Segundo, a oposição entre logoi, que é o ponto de partida para a antilógica, aplica-se não somente a argumentos opostos, mas também aos fatos do mundo fenomenal aos quais se referem os argumentos. [Osório diz: Platão e o ser e não-ser ao mesmo tempo? O contraditório!].

Que o próprio Platão sabia que sua visão do mundo fenomenal envolvia a antilógica aparece claramente numa famosa passagem do Fédon (89dl-90c7), cuja importância nem sempre tem sido compreendida pelos estudiosos [Osório diz: Platão admitindo a antilógica, para desespero de seus asseclas!]. É a passagem em que ele fala do perigo de vir a odiar logoi, ou argumentos, situação que ele chama de misologia [Osório diz: seria isso a percepção de que a linguagem é insuficiente para explicar, dizer o mundo?]. No caso de um ser humano, se primeiro confiamos nele e depois, mais tarde, descobrimos que não podemos confiar nele, e essa experiência se repete, é provável que acabemos na misantropia, o ódio e rejeição de todo ser humano. A mesma coisa acontece com os argumentos — se a pessoa primeiro confia e crê que um argumento é verdadeiro e depois descobre que é falso, a pessoa pode acabar odiando e desconfiando de todos os argumentos [Osório diz: daí Protágoras ser fundamental com o seu mito]. Em seguida vem a afirmação para a qual quero chamar especial atenção:

E, acima de tudo, os que passam o seu tempo tratando com antinomias (logoi antilogikoi) acabam, como vocês bem sabem, pensando que se tornaram os mais sábios dos homens e que são os únicos que chegaram a compreender que não há nada sólido ou seguro, seja em fatos ou em argumentos, mas que todas as coisas que existem são simplesmente levadas para cima e para baixo como o [fluxo da maré no] Euripo, e nunca param em um ponto qualquer por qualquer duração de tempo. [Osório diz: Fédon (89dl-90c7).Conferir esta ótima citação. Vide abaixo também].

Platão, naturalmente, vai sugerir ambos: a necessidade de fugir da misologia e os métodos a serem seguidos. Contudo, é claro que na passagem acima ele está expressando a sua própria visão do fluxo dos fenômenos. Ao longo dos diálogos, são a instabilidade e o caráter mutável do mundo fenomenal que o tornam, para Platão, incapaz de funcionar como objeto de conhecimento. O conhecimento há de ser, necessariamente, firme e imutável, e requer objetos de caráter semelhante ao seu. No Fédon, a expressão "para cima e para baixo" é usada de novo (96bl) para caracterizar a confusão (100d3) sentida por Sócrates ao tentar compreender e explicar o mundo físico em termos puramente físicos, antes de embarcar na sua "segunda viagem", baseada no método da hipótese e na doutrina das Formas. Esta provê um método de fuga (99e5) da confusão do mundo dos sentidos. Contudo, aquilo de que Sócrates deve fugir é exatamente este mundo dos sentidos, e a razão da sua necessidade de fugir dele é porque ele exibe exatamente aquelas características com as quais se identificam as pessoas conhecidas como antilogikoi. [Osório diz: Platão e a impossibilidade da ciência!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 114-116).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.9 – Platão contra Parmênides.

 

Ensina Kerferd:

 

O aspecto essencial desse uso da antilógica é o estabelecimento de logoi ou argumentos opostos acerca da questão em debate. Mas para Platão é muito mais do que isso. Basicamente, para ele, o mundo fenomenal está sempre em estado de mudança e fluxo, de tal forma que pode ser descrito, em certo sentido, como que se revolvendo entre ser alguma coisa e não ser essa coisa [Osório diz: por que Platão não tinha saída a não ser voltar-se para a fé, a crença, o místicismo]. Mais ainda, isso não é meramente algo que acontece entre dois pontos no tempo. A qualquer momento, "coisas que dizemos ser grandes ou pequenas, leves ou pesadas, podem igualmente ser descritas pelo epíteto oposto" (Rep. 479b6-8). Isso mostra duas coisas. Primeiro, a oposição entre logoi pode ser simultânea no sentido de que os logoi são opostos não um depois do outro mas ao mesmo tempo. Em qualquer dado momento, o mesmo homem, por exemplo, é ao mesmo tempo alto e baixo, dependendo de com quem ele é comparado. Segundo, a oposição entre logoi, que é o ponto de partida para a antilógica, aplica-se não somente a argumentos opostos, mas também aos fatos do mundo fenomenal aos quais se referem os argumentos.” [Osório diz: Platão e o ser e não-ser ao mesmo tempo? O contraditório!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 114-115).

 

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(uma biografia do conhecimento)

 

24.8 – Platão: contra o que ele briga.

 

Ensina Kerferd:

 

Agora Protágoras, tem-se assinalado, está numa posição difícil. Ele se vê aparentemente confrontado com a escolha entre admitir que virtude não pode ser ensinada e que sua profissão é uma fraude, ou declarar que a teoria da democracia ateniense é falsa, e seu patrono, Péricles, é ignorante da verdadeira natureza da virtude política. Sua resposta toma a forma de um mito seguido de um argumento estereotipado (logos). [Osório diz: contra quem briga Platão?]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 226-227).

 

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(uma biografia do conhecimento)

 

24.7 – Platão e a síndrome de Siracusa (paixão por tiranos).

 

Antonio Sánchez García diz:

 

Faz 2.400 anos, Platão, o privilegiado discípulo de Sócrates, convencido pela morte do pai da filosofia na mãos da demagogia ateniense que somente um filósofo poderia corrigir os destinos da república para o seu bem e de sua posteridade – como expôs em uma das obras mais transcendentais da história do pensamento ocidental, A república – decidiu passar da teoria à prática buscando levar a cabo suas ideias convencendo delas o tirano de Siracursa, Dionísio, o jovem, com quem estabeleceu contato por intermédio de seu cidadão e amigo siracusano, Dion, cunhado de Dionísio, o velho, pai do novo tirano. Se deslocou até Siracusa, a principal cidade-Estado da Sicília, entrou na corte, causou no jovem tirano a melhor impressão e se lançou na tarefa de convertê-lo em um filósofo.

O resto é história. À margem das fantasias de Platão, já entrando nos anos e teimosamente convencido de sua tarefa, realizou três viagens sucessivas até Siracusa, todas elas coroadas de fracasso. Dionísio, o político, que lutava para manter-se no poder assediado por cartagineses e competia com seus inimigos locais, viu no ingênuo pensador ateniense um infiltrado de seus adversários, o encarcerou, o vendeu como escravo e este a ponto de passá-lo em armas (matá-lo). Quanto da terceira tentativa, sua vida foi salva graças às influências de Dion e, enfim, voltou às suas ocupações de pensador, possivelmente mais cético do poder corretor das ideias sobre um universo tão maleável e intrinsecamente dominado pela perversidade da luta de todos contra todos como é o do mercado do poder público, no qual, habitualmente não se impõem os mais sábios, senão os mais néscios; os mais sanguinários, não os mais benignos; os mais indignos, não os mais honrados. Os culpados, não os inocentes”. (Fonte: http://www.el-nacional.com/opinion/Platon-sindrome-Siracusa_0_445755458.html.)).

 

[Osório diz: ou seja, Platão, a duras penas, aprendeu que estava errado do seu poder de convencimento!]

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

O diagnóstico de Hannah Arendt surpreende então por sua inteligência:

 

(...) não podemos nos impedir de achar surpreendente e talvez escandaloso que tanto Platão quanto Heidegger, ao se engajarem nos assuntos humanos tenham recorrido aos tiranos e aos ditadores. Talvez a causa não se encontre somente em cada caso nas circunstâncias da época, e ainda menos numa pré-formação de caráter, mas antes no que os franceses nomeiam uma "deformação profissional". (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 99).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.6 – Platão – antidemocrático.

 

Ensina Kerferd:

 

Em tudo isso, é bastante provável que o pensamento de Platão estivesse se movendo sob uma espécie de inspiração vinda de Protágoras. Mas é também provável que o que ele faz é transformar, radicalmente, a primeira posição desenvolvida por Protágoras em alguma coisa que, em termos políticos, estava muito perto de se tornar exatamente o seu oposto. Pois a teoria de Protágoras envolvia uma defesa do comportamento da democracia ateniense, e repousava na afirmação de que todo cidadão tinha alguma coisa, pelo menos potencialmente, de valor com que contribuir nos debates sobre questões políticas e morais. Para Platão, o reverso é que é verdadeiro. Somente em casos excepcionais tem um cidadão comum alguma coisa concebivelmente valiosa com que contribuir. Em todos os casos normais suas contribuições serão tão mal informadas que poriam em perigo a manutenção da justiça no Estado, e elas deveriam, por isso, ser suprimidas com a maior firmeza possível (Rep. 434b9-c6).” [Osório diz: Platão o antidemocrata]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 50).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.5 – Platão e as ideias de Protágoras que ele se apropriou (plagiário?).

 

Kerferd ensina:

 

Finalmente, literatura. Aqui temos notícia de Protágoras dizendo (Prot. 338e6-339a3) que, na sua opinião, a maior parte da educação de um homem consiste em ser perito em assunto de versos, isto é, ser capaz de entender, na fala dos poetas, o que foi correta ou incorretamente composto, saber como distingui-los e comentá-los quando solicitado [Osório diz: justamente a repetição de que falará Sócrates]. E prossegue introduzindo uma elaborada discussão de um poema por Simônides; esta, por sua vez, provoca novas análises por Sócrates e Pródicos, e a proposta de uma exposição por Hípias, que é rapidamente recusada por causa de uma reunião presidida por Alcibíades, com a solicitação de que a faça numa outra ocasião. Que a exposição rejeitada de Hípias poderia ter sido enfadonha é sugerido pelas referências às suas epideixis sobre Homero e outros poetas, no Hípias Menor 363 al-c3. A discussão toda, no Protágoras, ocupa mais ou menos um sexto do diálogo completo; e sabemos, por um fragmento de papiro que Protágoras de fato comprazia-se na crítica literária de Homero (DK 80A30). Um pouco mais tarde, Isócrates (XII, 18) conta como certa vez, no Liceu, três ou quatro sofistas, simples e comuns, estavam sentados discutindo poetas, especialmente Hesíodo e Homero. É claro que a prática seguida por Protágoras continuou por muito tempo depois. [Osório diz: Protágoras e a crítica literária]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 72).

 

Acrescenta Kerferd:

 

Após uma minuciosa crítica do esquema platônico, Aristóteles afirma, em Política II, 7, que inúmeros outros esquemas constitucionais tinham sido propostos por particulares, por filósofos e por estadistas. Mas são todos menos radicais do que o de Platão e nenhum tinha introduzido a proposta revolucionária de comunidade de esposas e filhos, ou de refeições em comum para as mulheres. Com base nessa afirmação, pensa-se, às vezes, que Platão inventou e elaborou, sozinho, o esquema todo. Entretanto, ele tinha sido antecipado, no mínimo, em alguns detalhes. Heródoto (IV, 104) tinha relatado que o cita Agatirsiano praticara uma espécie de comunidade de mulheres a fim de que os homens pudessem ser irmãos entre si e, sendo todos quase aparentados, não sentissem inveja ou rancor um do outro. Eurípides, no seu Protesílaos (fr. 653N), tinha se referido a algo semelhante, e o próprio Aristóteles (Política 1262a19) reporta-se a uma prática do mesmo tipo na Líbia Superior. Isso deixa claro que a idéia era conhecida, e tinha despertado interesse bem antes que Platão produzisse a República. [Osório diz: Platão plagiário!]

As semelhanças com o que Platão diz na República são realmente notáveis, e não só é possível como também bastante provável que Platão conhecesse a peça na época em que estava escrevendo a República. A única alternativa plausível é a de uma fonte escrita para ambas as composições. Mas se essa fonte tivesse existido é estranho que ninguém, na Antiguidade, parece tê-la mencionado, fora a declaração geral de que Platão tirara o conteúdo da República do Antilógica de Protágoras. É, por conseguinte, muito provável que as semelhanças verbais devam ser explicadas pelo uso da peça de Aristófanes por Platão. Mas não é provável que o programa todo fosse algo simplesmente inventado por Aristófanes. Por causa do crivo acidental e altamente seletivo através do qual a literatura do século V teve de passar antes de se tornar acessível a nós, há constante perigo de se subestimar o vigor e a extensão das contínuas discussões, escritas e não-escritas, travadas sobre assuntos de interesse público. Embora não se possa fazer atribuições pessoais, pode-se ter como virtualmente certo que teorias revolucionárias sobre os direitos e a posição das mulheres estavam no ar durante o tempo de vida de Aristófanes. Senão ele não teria dedicado pelo menos três comédias a tais questões, a saber, Lisístrata, Thesmophoriazusae (As celebrantes das Tesmofôrias) e Assembleia das Mulheres [Osório diz: é o que digo sobre o gasto de tinta sobre os Sofistas por Platão e Aristóteles]. Exatamente o que estava na mente de muitas pessoas pode ser claramente depreendido do elaborado relato das desvantagens que afligiam as mulheres na primeira fala de Medeia, na peça de Eurípedes (Medeia, 230-266). Ela começa com a declaração de que ter que comprar um marido é bastante ruim: ser sua escrava física é pior ainda [Osório diz: que frase magnífica!]. Aqui, como já foi dito, "ela contrasta as condições físicas e sociais da existência das mulheres com a liberdade usufruída pelos homens. Um complemento desse relato das condições presentes é suprido pela visão confiante, na primeira estrofe e antístrofe do coro seguinte. Uma mudança vem vindo, o futuro será melhor" (410-430). Tudo isso tem seu lugar na história da própria peça. Mas dificilmente teria sido possível que um auditório escutasse o que estava sendo dito sem também estar consciente de suas implicações maiores. [Osório diz: daí o Sócrates de As nuvens e As rãs ser o Sócrates de todos conhecido! Entretanto, poucos autores falam do Sócrates d'As rãs!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 272, 274-276).

 

Diz ainda Kerferd:

 

Platão como plagiário de Protágoras.

 

Qual é, então, a importância disso? Nem é preciso dizer que ninguém, nos tempos modernos, acreditou por um só instante na verdade literal da alegação. Faz parte de uma série de acusações de plágio dirigidas a Platão por críticos hostis, e muitos se satisfazem com simplesmente ignorá-las como uma invenção maldosa. Entretanto, por mais maldosa que tenha sido a acusação, ela só poderia ter sido feita se houvesse pelo menos alguma base para comparação, por superficial que fosse. Em outras palavras é sinal de que Protágoras tratou pelo menos alguns dos temas que interessavam a Platão na República [Osório diz: isso me leva a afirmar que, a despeito do que diz Romilly para a não preservação dos escritos dos sofistas (não tinham eles discípulos para os continuarem e assim, os preservarem), os maiores discípulos dos sofistas foram, justamente, Platão e Aristóteles!]. Naturalmente, este é o ponto em que começam as especulações. Possivelmente Protágoras tinha esboçado a sua própria versão do Estado ideal, ou pelo menos alguma coisa paralela ao primeiro estágio do Estado ideal de Platão, a "Cidade dos Porcos" na República, Livro II. Outros pensaram na emancipação das mulheres, na República, como alguma coisa que podia ter sido antecipada por Protágoras. Isso não é refutado pela declaração, na Política de Aristóteles (1266a34ss, cf 1274b9-ll), de que nenhum outro pensador, além de Platão, tinha proposto novidades tais como a comunidade de esposas e crianças, ou refeições comuns para as mulheres. Porque Aristófanes, como veremos, já tinha tentado ridicularizar o que devia equivaler a uma espécie de Movimento em prol dos Direitos das Mulheres que já era conhecido, em Atenas, no século V. Na ausência de outros testemunhos, é simplesmente impossível dizer quais poderiam ter sido os temas realmente tratados por Protágoras. Mas é provável que fossem importantes e não estivessem simplesmente limitados à aplicação do princípio dos dois-logoi aos assuntos políticos. [Osório diz: Não se deve esquecer, também, que quando Platão escreveu seus diálogos, as Leis de Túrios, dadas por Protágoras, podiam por ele ser consultadas!]

As semelhanças com o que Platão diz na República são realmente notáveis, e não só é possível como também bastante provável que Platão conhecesse a peça na época em que estava escrevendo a República. A única alternativa plausível é a de uma fonte escrita para ambas as composições. Mas se essa fonte tivesse existido é estranho que ninguém, na Antiguidade, parece tê-la mencionado, fora a declaração geral de que Platão tirara o conteúdo da República do Antilógica de Protágoras. É, por conseguinte, muito provável que as semelhanças verbais devam ser explicadas pelo uso da peça de Aristófanes por Platão. Mas não é provável que o programa todo fosse algo simplesmente inventado por Aristófanes. Por causa do crivo acidental e altamente seletivo através do qual a literatura do século V teve de passar antes de se tornar acessível a nós, há constante perigo de se subestimar o vigor e a extensão das contínuas discussões, escritas e não-escritas, travadas sobre assuntos de interesse público. Embora não se possa fazer atribuições pessoais, pode-se ter como virtualmente certo que teorias revolucionárias sobre os direitos e a posição das mulheres estavam no ar durante o tempo de vida de Aristófanes. Senão ele não teria dedicado pelo menos três comédias a tais questões, a saber, Lisístrata, Thesmophoriazusae (As celebrantes das Tesmofôrias) e Assembleia das Mulheres [Osório diz: é o que digo sobre o gasto de tinta sobre os Sofistas por Platão e Aristóteles]. Exatamente o que estava na mente de muitas pessoas pode ser claramente depreendido do elaborado relato das desvantagens que afligiam as mulheres na primeira fala de Medeia, na peça de Eurípedes (Medeia, 230-266). Ela começa com a declaração de que ter que comprar um marido é bastante ruim: ser sua escrava física é pior ainda [Osório diz: que frase magnífica!]. Aqui, como já foi dito, "ela contrasta as condições físicas e sociais da existência das mulheres com a liberdade usufruída pelos homens. Um complemento desse relato das condições presentes é suprido pela visão confiante, na primeira estrofe e antístrofe do coro seguinte. Uma mudança vem vindo, o futuro será melhor" (410-430). Tudo isso tem seu lugar na história da própria peça. Mas dificilmente teria sido possível que um auditório escutasse o que estava sendo dito sem também estar consciente de suas implicações maiores. [Osório diz: daí o Sócrates de As nuvens e As rãs ser o Sócrates de todos conhecido! Entretanto, poucos autores falam do Sócrates d'As rãs!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 237-234, 275-276).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.4 – Platão e suas distorções.

 

Afirma Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Grote foi, sem dúvida, o primeiro a suspeitar que o Trasímaco do Livro I de A República não se coadunava com o Trasímaco histórico. Apoia-se no fato de que a exaltação da violência que Trasímaco opõe exaltadamente às teses de Sócrates não teria sido aceite por um auditório ateniense; também o elogio da tirania que pronuncia teria fortemente chocado a opinião pública da democrática Atenas e não teria sido tolerado.

A Sofística consiste, na verdade, em viver dominando os outros em vez de os servir, como queria a lei”. (Leis, 890a). Encontramos, portanto, nas análises de Platão uma sistematicidade que fazem dos textos do Górgias e de República I uma demonstração anti-sofística e não um testemunho histórico [Osório diz: excelente observação].

O testemunho de República I não deve, no entanto, rejeitar-se em bloco; o que é necessário tentar determinar é o momento em que intervém exatamente a distorção platônica. Temos, felizmente, um fragmento de Trasímaco sobre a justiça que não é tirado de A República, mas de um discurso do sofista, em que diz isto: “os deuses não olham para as coisas humanas; com efeito, não deixariam de se preocupar pelo maior dos bens entre os homens – a justiça. Ora, vemos que os homens não a praticam[Osório diz: esse fragmento é um milagre!]. Trasímaco verifica, não sem profunda amargura, que o mundo, como vai, está abandonado por Deus e que a justiça não reina como soberana na realidade de todos os dias. Já antes de Sade, verificou as infelicidades da virtude e as prosperidades do vício e sente-se o eco do seu próprio desânimo numa passagem de A República: “Ó ingênuo Sócrates, não tens mais do que ver que o homem justo fica em todo o lado em desvantagem relativamente ao injusto”. Mas Trasímaco vai mais longe ainda, e é isto que provoca o sobressalto de Platão. Dedica-se, como Antífon, como Lícofron, como Alcidamas, a uma acerba crítica do nomos, a uma verdadeira desmitificação da lei que, longe de servir de muralha contra a injustiça, como se julga, se encontra contaminada por ela e pervertida; a lei é instrumento do poder e não o enunciado racional que pretende ser. É por isso que é sempre, de fato, partidária e não respeita a neutralidade que a justiça exigiria no sentido não político do termo, que se opõe à justiça legalista [Osório diz: para que serve e a quem serve a lei] que Trasímaco define assim:

Todo o governo estabelece sempre as leis no seu próprio interesse, a democracia, as leis democráticas; a monarquia, leis monárquicas e os outros regimes a mesma coisa; depois, feitas estas leis, proclamam como justo para os governados o que é o seu próprio interesse e, se alguém as transgride, castigam-no como violador da lei e da justiça. Eis, meu excelente amigo, o que pretendo dizer sobre a justiça uniforme em todos os estados: é o interesse do governo constituído. Ora, é este poder que tem a força; donde se segue para todo o homem que sabe raciocinar que por todo o lado é a mesma coisa que é justa, quero dizer, o interesse do mais forte.” [Osório diz: para que serve e a quem serve a lei].

A lei tornou-se a expressão da própria injustiça porque é violência feita ao indivíduo e instrumento da vontade de poder dos homens no poder; ela já não pode ser o que era outrora, a garante da moralidade. A consciência atormentada de Trasímaco ataca a boa consciência que sempre legitima os regimes em presença; o sofista dá a sua palavra ao espírito do tempo num período de crise profunda e de desânimo. Trasímaco procura a justiça e não depara senão com a justificação, isto é, o esforço por legitimar, já tarde, um poder de fato, em síntese, para transformar uma força em direito [Osório diz: o esforço por legitimar!]. Os poderes estabelecidos produzem não normas, mas normalizações, o aparelho dos códigos e leis encobre interesses particulares camuflados com o interesse geral. A forma da justiça que o pensamento crítico de Trasímaco quer atingir é a justificação.

Estamos já em condições de dizer onde intervém exatamente a distorção platônica ou, como escreve E. L. Harrison a “manipulação” de Trasímaco na República I. Trasímaco denuncia um estado de fato, de que a amargura dos seus juízos prova bem que ele não se alegra, e Platão finge acreditar que transforma este fato em direito, e se faz campeão do direito do mais forte, até fazer a apologia da tirania. Ora, não possuímos o menor fragmento de Trasímaco em que este justifique a força; temos, pelo contrário, um fragmento em que este trata com um grande desprezo o tirano da Macedônia, Arquelau: “Nós, Gregos, serviremos de escravos a Arquelau um bárbaro?” Platão acaba por fazer de Trasímaco o justificador da justificação, quando este foi precisamente o denunciador apaixonado. Trasímaco desespera da política; a oposição de Platão não tem talvez outra fonte, já que toda a sua obra é um credo a favor de uma solução política da crítica ateniense, solução de que A República precisamente constitui a carta. Para ele, a justiça pode triunfar mesmo ao nível do fato e mostrar-se mais forte do que a injustiça; ela é uma necessidade do mundo, e a sua eficácia prática deve ser reconhecida pelo próprio homem injusto, como o demonstra Sócrates com um argumento célebre: “Julgas que um Estado, um exército, um grupo de salteadores, de ladrões, ou qualquer mau intento poderiam ter um mínimo de êxito, se violassem entre si as regras da Justiça?” [Osório diz: o que essa afirmativa prova é que o ladrão também é justo, já que obedece as regras de justiça do seu grupo ou entre o seu grupo, como demonstra a “justiça entre si”! Ademais, se todos, inclusive os ladrões, obedecem a justiça (mesmo entre si), por que lutar pela obediência de todos à justiça? Contradição total!] Não há que desesperar do nomos que pode ser bom, já que é obra da razão [Osório diz: como se a razão somente produzisse o bem! O que desmente, também, a afirmativa socrática de que o homem somente faz o mal pensando que faz o bem! O homem é mais safado que a própria safadeza]. Platão identifica ética e política [Osório diz: como Parmênides identificava dizer e ser. (Parmênides não pode servir à tese de Protágoras/Antístenes? Nunca há contradição)]; quer fazer política ética e uma ética política. Pelo contrário, Trasímaco foi, sem dúvida, um dos primeiros a opor tão nitidamente a ética à política e a dissociá-las; aqui está a origem do seu descontentamento e também da sua atualidade. Trasímaco terá encontrado, como Antífon e Hípias, na natureza a norma universal capaz de ultrapassar as leis partidárias das inumeráveis e minúsculas Cidades-Estados da Grécia antiga? Não possuímos nenhum fragmento seu que vá neste sentido. Trasímaco descobriu o lugar em que a ética se poderá conservar quando desertar da cidade? Quando o campo do político se encontra inteiramente dominado pela imoralidade, a justiça conserva efetivamente um refúgio: a consciência do indivíduo; esta consciência deve poder definir-se como interioridade ética e constituir o abrigo do valor injuriado. Se os Sofistas são os descobridores do indivíduo e dos seus direitos, chegaram – com Trasímaco – a defini-lo como interioridade ética? Sem dúvida que não, porque se o lado negativo do pensamento de Trasímaco, a crítica da lei política, estivesse aliado a um lado positivo, a interpretação platônica do seu pensamento não teria sido possível. Trasímaco ficou sem dúvida no momento do divórcio entre a ética e a política; o pensamento da interioridade não estava maduro, daí o seu pessimismo, o seu desespero. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 72-75).

 

6

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.3 – Platão e suas comparações inadequadas.

 

Afirma Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Encontramo-nos, portanto, perante três interpretações possíveis. A primeira leva-nos diretamente, como reconheceu Platão, ao relativismo cético, doutrina que se destrói a si própria reduzindo todos os seus testemunhos ao mesmo plano: com efeito, Protágoras deveria confessar que não é superior em juízo “não digo apenas a qualquer outro homem, mas mesmo até a um peixe-cabeçudo” [Osório diz: idiotice platônica, já que peixe não emite juízo! O mau dele de misturar as coisas!]. O ensino torna-se inútil “se verdadeira é a Verdade de Protágoras” [Osório diz: não é “verdade”, é que a afirmação é apenas uma parte do ensino. O mito de Prometeu dá a outra parte!], porque a opinião do mestre não tem nenhuma precedência sobre a do aluno. Segundo esta primeira interpretação, Protágoras teria, portanto, afirmado de alguma maneira muito antes de Pirandello: “A cada um a sua verdade.” – A sorte desta leitura, que não conta sequer com as retificações de Platão na continuação do Teeteto, explica-se, sem dúvida, pela coincidência com a imagem desfavorável que se fizera dos Sofistas, que tradicionalmente só existem para servir de alavanca fácil.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 24-25).

 

2

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.2 – Platão e suas contradições.

 

Afirma Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Encontramo-nos, portanto, perante três interpretações possíveis. A primeira leva-nos diretamente, como reconheceu Platão, ao relativismo cético, doutrina que se destrói a si própria reduzindo todos os seus testemunhos ao mesmo plano: com efeito, Protágoras deveria confessar que não é superior em juízo “não digo apenas a qualquer outro homem, mas mesmo até a um peixe-cabeçudo” [Osório diz: idiotice platônica, já que peixe não emite juízo! O mal dele de misturar as coisas!]. O ensino torna-se inútil “se verdadeira é a Verdade de Protágoras” [Osório diz: não é “verdade”, é que a afirmação é apenas uma parte do ensino. O mito de Prometeu dá a outra parte!], porque a opinião do mestre não tem nenhuma precedência sobre a do aluno. Segundo esta primeira interpretação, Protágoras teria, portanto, afirmado de alguma maneira muito antes de Pirandello: “A cada um a sua verdade.” – A sorte desta leitura, que não conta sequer com as retificações de Platão na continuação do Teeteto, explica-se, sem dúvida, pela coincidência com a imagem desfavorável que se fizera dos Sofistas, que tradicionalmente só existem para servir de alavanca fácil.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 24-25).

 

Ensina Kerferd:

 

Os quatro argumentos restantes, contudo, têm certamente afinidades com os que Protágoras estava preocupado em responder. São eles: que teria havido professores de virtude reconhecidos, como os de música, se virtude pudesse ser ensinada; que os homens sábios teriam transmitido sua sabedoria a seus amigos e suas famílias; que alguns alunos tinham ido para os sofistas e não tinham obtido nenhum [225] benefício deles; e que muitas pessoas que se elevaram à eminência não estiveram associadas aos sofistas. Será conveniente considerar esses argumentos na sua forma mais extensa, tal como é vista na discussão no Protágoras de Platão; Protágoras, no início do diálogo, é apresentado com um novo aluno, Hipócrates, e declara o que se propõe a ensiná-lo: "a prudência nos negócios domésticos que o capacite a dirigir a sua própria casa, e a sabedoria nos negócios públicos que melhor o qualifique para falar e agir nos negócios do Estado" (318e). Sócrates pergunta se essa é a arte da política e se Protágoras está se encarregando de fazer dos homens bons cidadãos, e Protágoras concorda (319a). Sócrates replica que supunha que essa arte não pudesse ser ensinada, e dá duas razões: (1) os atenienses são tidos como sábios, entretanto, embora introduzam especialistas na assembleia para os aconselhar em assuntos técnicos, consideram todos os cidadãos igualmente capazes de aconselhá-los em assuntos relativos à cidade (319b-d) [Osório diz: Platão versus Sócrates! Este fala aos atenienses]; (2) os mais sábios e melhores dos cidadãos não são capazes de transmitir essa virtude aos outros. Assim, Péricles educou bem seus filhos em tudo que poderia ser ensinado por professores, mas não tentou ensinar-lhes, ou providenciar que lhes fosse ensinada, a sua própria sabedoria, mas deixou que eles a adquirissem sem ajuda (319d-320b). [Osório diz: mais uma contradição platônica!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 225-226).

 

Acrescenta Kerferd:

 

Platão e suas contradições.

 

Por que, então? A resposta clássica tem sido que não era o fato de cobrarem honorários que desagradava; era o fato de venderem instrução em sabedoria e virtude. Essas não eram da espécie de coisas a ser vendidas por dinheiro; amizade e gratidão deveriam ser recompensa suficiente (cf. Xen. Mem. I, 2,7-8) [Osório diz: isso para quem não era rico e podia ensinar gratuitamente! Mas nem Sócrates assim agia, pois era um comensal de banquetes “caros”! Repita-se, a questão era política! Os Sofistas ensinavam os “fora do poder” a lutar pelo poder!]. Mas é duvidoso que isso teria sido realmente suficiente para separar os profissionais sofistas dos poetas, por exemplo; quando examinamos mais atentamente as repetidas objeções registradas em Platão e Xenofonte, descobrimos que quase regularmente as objeções têm uma outra característica, não muito enfatizada na literatura moderna. O que está errado é que os sofistas vendem sabedoria a todos os que se apresentarem sem discriminação — ao cobrar honorários eles se destituíam do direito de escolher seus alunos [Osório diz: e desde quando professor pode e debe rejeitar aluno? Ao contrário, debe aceitar qualquer um para torná-lo melhor!]. Isso, é dito, envolve prelecionar diante "de todo tipo de gente" [Osório diz: eis o motivo do ódio platônico! Apenas os aristocratas poderiam receber tal educação, não o povo que ia atrás de saber para se impor democraticamente](Hipp. Mai. 282dl) — uma expressão tão desdenhosa em grego como em português — e receber dinheiro de quem quer que venha (Xenofonte, Mem. l, 2.6,1,5.6,1,6.5,1.6.13). Uma das consequências, se diz, era destituir o sofista da sua liberdade e fazê-lo escravo de todos quantos vinham a ele com dinheiro [Osório diz: se for como na modernidade, não eram somente os sofistas que se vendem! Os advogados, em especial, mas outros profissionais, inúmeros, aliás, também o fazem! Intelectuais são viciados em se venderem!]. Mas é de se duvidar que seria a solicitude pela independência do sofista a base real dessa objeção. Na realidade, nem é mesmo certamente verdadeiro ser esse o caso do ensino sofista. Claramente, no Protágoras, o jovem Hipócrates não está absolutamente seguro de ser capaz de persuadir Protágoras a aceitá-lo como aluno, e espera ansioso que Sócrates o recomende ao grande homem (310d6-e3) [Osório diz: contradição platônica! O caso é mesmo, repita-se: político. Platão não queria gente preparada capaz de enfrenta a sua classe!].

A principal instrução dos sofistas, contudo, não era dada, com toda a certeza, nem em preleções públicas, nem em debates públicos, mas em classes menores, ou seminários, como o descrito na casa de Cálias quando o jovem Hipócrates vem buscar conhecimentos com Protágoras. Aqui, Hípias estava sentado numa cadeira no pórtico, discursando para um grupo de ouvintes, aparentemente sobre a natureza e questões de astronomia, e respondendo a perguntas. Pródicos está numa despensa convertida em sala de aula, falando em voz alta e retumbante, enquanto Protágoras anda de um lado para outro no pórtico de entrada, acompanhado por toda uma multidão de atenienses e estrangeiros pressurosos à sua disposição. Muitos desses tinham deixado suas cidades para acompanhar Protágoras nas suas viagens; se, nesses casos, a pensão era suprida por Protágoras, isso explicaria por que alguns de seus preços eram tão altos. Certamente parece haver aí certa ênfase na íntima associação do professor com o aluno, numa espécie de viver junto como parte do processo de educação [Osório diz: isso põe por terra o simples pagamento, embora isso seja besteira]. O resultado disso terá sido, naturalmente, que os estudantes ganhavam não só com o íntimo contato com a mente e a personalidade do sofista, mas também com o estímulo intelectual da associação de uns com os outros, num grupo de jovens, todos interessados nos mesmos estudos. Sem dúvida esse era um dos motivos da intensa excitação que podemos suspeitar no jovem Hipócrates ante a perspectiva de entrar para o grupo de estudantes associados a Protágoras; uma excitação tão intensa que ele não pode esperar o tempo normal, mas vai à casa de Sócrates, todo nervoso e agitado com suas emoções, quando Sócrates ainda está na cama [Osório diz: esse comentário põe por terra o de Platão ao dizer que não existia vínculo entre mestre e discípulo! Há, também, aí, uma clara demonstração da importância e influência de Protágoras sobre todos, inclusive o próprio Sócrates que sai da cama para ir ter com ele, mostrando que Protágoras tinha algo a dizer, pois caso fosse um qualquer Sócrates não acompanharia Hipócrates tão cedo da manhã para ir ao encontro de um “velho” conhecido!]. Isso leva, naturalmente, à (2) questão dos métodos de ensino. Primeiro, havia a preleção preparada sobre um determinado tema. Algumas delas eram essencialmente exercícios retóricos sobre um tópico mítico, tais como as obras existentes de Górgias, Helena e Palamedes. Mais diretamente relacionado com o treinamento dos futuros oradores nos tribunais, ou nas assembleias [Osório diz: locais para os quais os estudantes eram ensinados a fazerem uso do que aprendiam], eram os exercícios retóricos do tipo que chegou até nós na coleção das Tetralogias de Antífon — cada uma delas consiste em um conjunto de quatro discursos: discurso do acusador, resposta do defensor, depois um segundo discurso de cada lado. São como que modelos esquemáticos de discurso; a segunda Tetralogia trata o tema já mencionado — a questão da responsabilidade quando um rapaz é acidentalmente atingido por um dardo quando estava como espectador num ginásio. É claro que exemplos de discurso desse tipo eram dados para os estudantes estudarem e imitarem. [Osório diz: este parágrafo expõe mais uma contradição de Platão: se era só pagar, por que o jovem Hipócrates foi se socorrer de Sócrates para “pedir-lhe uma vaga”?].

 

Platão, o antijuventude.

 

O segundo ponto de Platão contra a antilógica não é tanto uma objeção quanto um receio constante do perigo de seu abuso, especialmente nas mãos dos jovens. Esse seu receio, na verdade, não se confina à antilógica, mas realmente se estende à própria dialética, que, se estudada pelos muito jovens (antes dos 30 anos), pode destruir o respeito pela autoridade tradicional, mediante a indagação de questões tais como "o que é certo" (to kalon) quando o questionador é incapaz de enfrentar essas investigações de maneira adequada e descobrir a verdade (Rep. 537el-539a4) [Osório diz: como se descobrir a verdade, mesmo para os velhos, fosse possível]. "Os jovens, quando experimentam argumentos pela primeira vez, abusam deles como num jogo, usando-os em todos os casos, a fim de estabelecer uma antilogia e, imitando os que se engajam em refutar, refutam eles mesmos outras pessoas, divertindo-se como cachorrinhos, puxando e estraçalhando, com seu argumento, todos os que deles se aproximam" (539b2-7). O resultado de repetidas refutações mútuas, ou elenchi, conduzidas dessa maneira, diz Platão, é "desacreditar tanto os interessados como a atividade toda da filosofia aos olhos do mundo [Osório diz: mas é possível desacreditar a verdade? Quem tem a verdade nada tem a temer!]. Uma pessoa mais velha não estaria disposta a participar desse tipo de loucura, mas imitará o homem que quer proceder dialeticamente (dialegesthai) e que quer ver a verdade, ao contrário do homem que fica brincando e procedendo antilogicamente por diversão [Osório diz: muito palhaço esse palhaço chamado Platão! Os velhos não contestam!]. Ele será mais comedido em sua abordagem, e fará o empreendimento mais digno de respeito do que menos digno dele" (539b9-dl). Em outras palavras, sem a dialética, a prática da antilógica é muito perigosa, pois pode ser facilmente usada para propósitos meramente frívolos. Mas uma leitura atenta dessa passagem mostra, acho eu, que Platão não está condenando a antilógica como tal. O processo de elenchus (refutação lógica) é, para Platão, uma parte normalmente necessária do processo de dialética (Cf. Fédon 85c-d, Rep. 534b-c). Na presente passagem Platão está condenando o abuso do elenchus quando usado para propósitos frívolos, mas, por implicação, ele o aprova quando usado para o propósito da dialética. Ora, o processo de elenchus, nos diálogos platônicos, toma diversas formas. Mas uma das formas mais comuns é a de argumentar que uma dada afirmação leva a uma autocontradição; em outras palavras, a duas afirmações mutuamente contraditórias. Mas duas afirmações mutuamente contraditórias são a característica essencial da antilógica [Osório diz: Platão é antilógico negando que é antilógico! Mais uma vez ele não condena a antilógica, mas o uso que se possa fazer dela e que o faça. Se for Sócrates, tudo bem, ele pode tudo, menos para o tribunal!].

O aspecto essencial desse uso da antilógica é o estabelecimento de logoi ou argumentos opostos acerca da questão em debate. Mas para Platão é muito mais do que isso. Basicamente, para ele, o mundo fenomenal está sempre em estado de mudança e fluxo, de tal forma que pode ser descrito, em certo sentido, como que se revolvendo entre ser alguma coisa e não ser essa coisa [Osório diz: por que Platão não tinha saída a não ser voltar-se para a fé, a crença, o místicismo]. Mais ainda, isso não é meramente algo que acontece entre dois pontos no tempo. A qualquer momento, "coisas que dizemos ser grandes ou pequenas, leves ou pesadas, podem igualmente ser descritas pelo epíteto oposto" (Rep. 479b6-8). Isso mostra duas coisas. Primeiro, a oposição entre logoi pode ser simultânea no sentido de que os logoi são opostos não um depois do outro mas ao mesmo tempo. Em qualquer dado momento, o mesmo homem, por exemplo, é ao mesmo tempo alto e baixo, dependendo de com quem ele é comparado. Segundo, a oposição entre logoi, que é o ponto de partida para a antilógica, aplica-se não somente a argumentos opostos, mas também aos fatos do mundo fenomenal aos quais se referem os argumentos. [Osório diz: Platão e o ser e não-ser ao mesmo tempo? O contraditório!].

Mas não é só isso. Numa frase sem ênfase, Platão de fato revela que estava ciente de que sua própria visão dos fenômenos foi antecipada por aqueles que se ocupavam com logoi antilogikoi. Isso está claramente implicado na afirmação de que tais pessoas "pensam que são os únicos que chegaram a compreender" — eles estão sendo criticados, não por sustentarem essa opinião, mas por se enganarem supondo que ninguém mais tenha chegado a essa mesma compreensão. Em outras palavras, ambos, Platão e os praticantes da antilógica, estão de acordo neste ponto: o caráter antilógico dos fenômenos. O único ponto fundamental sobre o qual Platão vai discordar é a falta de compreensão deles de que o fluxo dos fenômenos não é o fim da história — deve-se procurar alhures a verdade, que é o objeto do verdadeiro conhecimento; e, mesmo para a compreensão do fluxo e suas causas, deve-se buscar entidades mais permanentes, seguras e confiáveis, as famosas Formas platônicas. Isto, por sua vez, sugere que a base real da hostilidade de Platão aos sofistas não era porque, a seu ver, estivessem inteiramente errados, mas porque elevavam a meia verdade à verdade toda, confundindo a fonte da qual vêm todas as coisas com as suas consequências (fenomenais) (Fédon 101el-3). Isso os tornava muito mais perigosos. De fato, quando alhures Platão sugere, como o faz repetidamente, que os sofistas não estavam preocupados com a verdade, podemos começar a supor que era porque eles não estavam preocupados com o que ele considerava ser a verdade, e não porque eles não estavam preocupados com a verdade tal como eles a viam. Para Platão, embora não goste de dizer isto, antilógica é o primeiro passo no caminho que leva à dialética.” [Osório diz: a verdade que Platão queria que os sofistas aceitassem: a dele!] [Osório diz: a antilógica como o primeiro passo da dialética!] [Osório diz: sempre o contraditório!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 47, 54, 55, 56, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117).

 

Mas a suprema contradição de Platão é esta, segundo Keferd:

 

Conhecemos um pouco Trasímaco por outras fontes além de Platão, ao passo que nada sabemos de Cálicles fora do vívido retrato dele no Górgias de Platão. Em consequência disso, sua existência como pessoa real foi posta em dúvida por Grote e alguns outros especialistas, embora a maioria esteja pronta a aceitá-lo como uma figura histórica. Segundo Platão, ele veio do demo de Acarnânia, na Ática, e é em sua casa que seu amigo Górgias está hospedado ao se iniciar o diálogo de Platão (447b2-8). Sócrates diz dele (520al-b2) que prefere retórica a ensinar virtude aos jovens, e noutra parte, numa famosa passagem (484c4-486dl) [Osório diz: Sócrates queria que ele ensinasse virtude? Mas não é ele que diz que a virtude não é ensinável?], que era desdenhoso da filosofia quando adotada como uma ocupação adulta. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 91).

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

O que introduz então essa substituição? Trata-se, para Sócrates, de esquivar a equivalência parmenideana do légein ao eînai, do dizer e do ser, que torna possível a demonstração sofística: ao banir o légein por demais filosófico em benefício de uma série de verbos cada vez mais contextualizados, cada vez mais pragmaticamente marcados, ele tenta deslocar a problemática, da ontologia para uma prática da enunciação. Há aqui um redobrar de sutileza, já que, se o sofista combateu de início a filosofia com a ajuda das próprias armas da filosofia, é agora o filósofo que busca combater o sofista com a ajuda das próprias armas da sofística [Osório diz: Contradição Platônica]. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 35)

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Todos os outros gêneros de discurso então — para não deixarmos de falar neles — estão em relação ao discurso da retórica exatamente como as guloseimas em relação ao pão e à carne. De modo que os mais renomados em cada gênero são os que aí introduziram o máximo de retórica e, dentre eles, sobretudo aquele que tiver chegado mais próximo da retórica. (428). Homero, e essas passagens em Homero, Sófocles, e essas passagens em Sófocles. Mas o próprio Platão, o que nos diz? Pois, longe de ignorá-lo, estamos prontos a colocá-lo no lugar de honra do coro. [Osório diz: Platão, o contraditório]

Como quer que seja, de Élio Aristides a Perelman, a retórica torna-se, de direito, a potência de universalidade por excelência: retórica "basílica", reinante ou real, "Império retórico". Mesmo se essa universalidade comporte ainda e sempre um paradoxo. Como se estruturalmente a retórica não pudesse se impedir de imitar essa filosofia que a denigre, ela produz o limite, denegado, adiado, redefinido, de um mau uso ou de uma profanação dela mesma que faz contrafação: que faz "sofística". Aí ainda, quando se trata de designar o mau orador, Élio Aristides se mostra, creio, mais retórico do que Perelman. Pois, "no domínio evasivo da retórica, onde se é sempre o sofista de alguém" 13, Aristides distingue dois tipos de maus sofistas; de um lado, classicamente, os asianistas, que são apenas os "efeminados", as "prostitutas" (os "coloristas") da eloquência. Mas também, e sobretudo, o próprio Platão, ele que não cessa de fingir ser o que não é, um filósofo, e que recusa ser o que é, um orador; ele que acusa os outros de amar, convencer ou agradar enquanto ele mesmo volta à Sicília para seduzir os tiranos; ele que, enfim, grande promotor do verdadeiro, não cessa de fazer falar Sócrates em ficções dialogadas 14. Assim, no final do Contra Platão ei-lo, "o pai e o professor dos oradores" (465), reconduzido por Aristides sob o jugo da retórica como um "escravo fugitivo" (463). Audácia, ironia e humor desse procedimento sofístico por excelência, de retorno ao remetente e de catástrofe em espelho, que não são exatamente da sensibilidade de Perelman. [Osório diz: Platão o contraditório]. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 168-169).

 

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